quinta-feira, 3 de julho de 2008

O Yoga


A primeira coisa que eu gostaria de dizer é sobre como pronunciar o nome da arte corretamente. Evite sempre dizer "a Ióga", - no feminino e com "Ó" aberto. - Apesar do uso comum (que dicionários e até bons professores aceitam), a palavra deriva do sânscrito (que é como se fosse o latim dos indianos), de uma tradição que muito valoriza a correta entonação das palavras. Na sua origem, "Yoga" é uma palavra do gênero masculino que se pronuncia com "Ô" fechado; portanto, o correto é dizer: o Yôga. Pode parecer exagero, mas certos estudantes que possuem algum conhecimento prévio acabam se utilizando desse parâmetro para escolher onde praticar: se o professor fala "a Ióga", preferem procurar uma outra escola. - Este pode ser um sinal de que ali não se conhece a matéria a fundo. - Complicado confiar em alguém que nem sabe pronunciar o nome da arte que ensina...

Polêmicas à parte, fato é que a palavra Yoga deriva da raíz sânscrita “YUJ”, que significa unir ou juntar, além de possuir inúmeras outras conotações, como dominar, subjugar, sujeitar, união, método, restrição, empenho e outras. Yoga indica o ato de dirigir e concentrar a atenção em algo, com o objetivo de aplicação e uso. Da mesma forma, significa união ou comunhão, e alude, na sua tradição, à verdadeira união de nossa vontade com a Vontade de Deus, o Absoluto; a sujeição de todos os poderes do corpo, pensamento e alma. Significa a disciplina da inteligência, da mente, da emoção e da vontade; um equilíbrio da alma que nos permite olhar da mesma forma todos os aspectos da vida. Outra concepção diria que o Yoga pode ser definido como "um método para se atingir uma meta". E o Yoga também é concebido como uma tentativa de explicação e solução para o enigma da vida.

Essa era a proposta original; um caminho de salvação ou liberação. Hoje, o Yoga está sendo adaptado para os costumes ocidentais: enquanto alguns grupos ainda se sentem atraídos por sua filosofia e espiritualidade, outros procuram apenas suas técnicas. - Há uma modalidade chamada Hatha Yoga, um método de cultura física e disciplina mental de inegável eficiência, que inclui em sua prática exercícios físicos vigorosos, respiração, meditação e relaxamento. O objetivo é a preservação da saúde e uma melhor qualidade de vida. Se você pretende conhecer melhor seu corpo, desenvolver força, flexibilidade, resistência física e serenidade mental, este sem dúvida é um ótimo caminho. - não há profissional de medicina ocidental que o desaconselhe.

Para o estudo mais aprofundado, interessa saber que o Yoga é um dos Seis Sistemas Ortodoxos da filosofia da Índia. Segundo a tradição, foi organizado em sua forma clássica por um sábio mítico conhecido como Patânjali (ou Patandjáli), que viveu, segundo diferentes especialistas, num período que varia entre IV aC e VI dC (veremos mais adiante o porquê de tamanha discrepância na datação histórica).

A saber, os Seis Sistemas Ortodoxos são:

1) Sankhya: Elaborada por Kapila no século VI aC, é uma filosofia dualista que considera o espírito distinto da matéria. Segundo ela, a salvação ou libertação (moksha) só é alcançada com a separação do Eu espiritual do mundo material;

2) Nyaya: em sua origem uma escola de retórica. Ensina que o instrumento para a obtenção do conhecimento é o raciocínio lógico;

3) Vaiseshika: fundada pelo lendário Kananda, que elaborou uma teoria atomista da matéria e considerava que a via da salvação era a compreensão das leis da natureza. Posteriormente, Nyaya e Vaiseshika acabaram se constituindo em uma única escola;

4) Purva Mimansa: significa “primeira investigação”. Baseada na autoridade dos Vedas, busca interpretar corretamente os mandamentos contidos nas suas partes mais antigas. Acentua a importância da correta ação (dharma);

5) Uttara Mimansa: significa “investigação posterior”. Mais conhecida como Vedanta, “fim dos Vedas”, baseia-se nos Upanishades, escritos místicos que buscam a compreensão do Absoluto;

6) O próprio Yoga: segundo a tradição, o sistema codificado por Patânjali, que reuniu o que considerava de melhor da tradição mística indiana em seus Yoga Sutras ('Aforismos do Yoga'), uma espécie de carta composta de 195 breves versos que servem de auxílio para transmissão oral de mestre a discípulo. - Em quatro capítulos Patânjali resume o processo e as ferramentas para a autoliberação.

Chamado "Yoga Clássico", "Raja Yoga" ('Yoga real') ou "Ashtánga Yoga" ('Yoga de Oito Membros'), o sistema organizado por Pátañjali se dividide, basicamente, em oito partes: yama, niyama, ásana, pránáyáma, pratyáhára, dháraná, dhyána e samádhi.

As duas primeiras partes, yama e niyama, são as restrições e prescrições éticas.

Yama significa controle ou domínio. - São as cinco restrições ou proscrições, - o "pontapé inicial" para os aspirantes:

Não usar nenhum tipo de violência (ahimsa); falar a verdade (satya); não roubar (asteya); não desvirtuar a sexualidade (brahmacharya); e não apegar-se (aparigraha). Esses refreamentos pretendem purificar o aspirante a yogue, aniquilar a subjetividade advinda do egocentrismo e prepará-lo para os estágios seguintes. Desempenham o controle dos impulsos naturais, que se manifestam através dos cinco órgãos de ação (karmendriyas): braços, pernas, boca, órgãos sexuais e excretores.

Niyama, as prescrições psicofísicas, compreendem também cinco disciplinas:

A purificação (shauchan); o contentamento (santosha); a austeridade ou esforço sobre si próprio (tapas); o estudo de si próprio e da metafísica do Yoga (swádhyáya); e a consagração a Íshwara, o arquétipo do yogin perfeito (Íshwara pranidhána). Estas atitudes cumprem a função de domínio sobre os cinco órgãos da percepção (jñánendriyas): olhos, ouvidos, nariz, língua e pele. Esse controle dos sentidos aponta à organização da vida pessoal do praticante.

Ásana, o terceiro estágio, compreende as posições físicas, firmes e confortáveis: “o ásana torna-se perfeito quando desaparece o esforço por realizá-lo, de forma que não haja mais movimentos no corpo”, segundo O Yoga Sútra de Pátañjali, que não é para iniciantes, mas para mestres. Daí a importância do estilo dos sútras. Cada palavra é significativa.

Por exemplo, a definição de ásana: "sthirasukham" (imóvel) e não "sukhamsthira" (confortável). Porque, primeiro, o corpo precisa ficar imóvel. Depois, vem sukham, o conforto. Su significa prazer. Kha refere-se aos indriyas, órgãos dos sentidos. O que significa que os sentidos ficarão automaticamente sob controle.

A posição sentada correta permite a prática de "pránáyáma" e "pratyáhára", os próximos passos. Mas isso só é possível quando há força, firmeza e flexibilidade no corpo. Para o yogue, o processo do ásana passa necessariamente pela construção de um corpo novo. Um corpo que não ofereça mais obstáculos para a circulação de energia.

Pránáyáma é o processo de expansão da energia vital através da respiração. A palavra é a combinação de dois termos: "prána", que significa alento, força vital, respiração, energia, vitalidade e "ayáma", que quer dizer expansão, controle, domínio, retenção, pausa. Segundo o Yoga Sútra, “pránáyáma consiste em controlar o processo de inspirar (shwása) e expirar (prashwása).” Na meditação, aumentamos o caudal de energia dentro do organismo. Mas, se o corpo não estiver preparado, haverá conflito.

Embora ásana e pránáyáma possam ser praticados para melhorar a saúde, aumentar força e flexibilidade, melhorar a disposição e outras coisas, a intenção original dessas técnicas é equilibrar o fluxo da energia no organismo, e prepará-lo para as técnicas que seguem. É impossível sentar para meditar se não estivermos acostumados a nos manter numa posição por um certo tempo, sem sentir o mínimo desconforto, sem que apareça nenhuma dor, nenhum movimento inconsciente, nenhuma dificuldade para respirar. Segundo o Yoga, estas técnicas fortalecem o sistema nervoso, regulam o metabolismo, melhoram a respiração, e ajudam a manter sob controle as emoções, atitudes e pensamentos.

Pratyáhára, a retração dos sentidos, é a faculdade de liberar a atividade sensorial do domínio das imagens exteriores. A mente é o maior obstáculo para meditar. Entretanto, antes de começar a trabalhar nela, precisamos colocar os sentidos sob controle. Desde o dia do nosso nascimento estamos sendo continuamente bombardeados por impressões, imagens, sons e sensações. Essas experiências alimentam o pensamento e nos arrastam para a experiência externa. Vivemos voltados para fora. O pratyáhára serve para desvincular-nos dessa invasão das coisas do mundo exterior. Sem ele, é impossível alcançar a meditação.

Ásana, pránáyáma e pratyáhára não são fins em si mesmos: objetivam unicamente dar ao praticante uma espécie de "infra-estrutura" física e mental firme para que possa suportar as transformações decorrentes do despertar da energia potencial que a tradição hindu chama de "kundaliní". Através destas técnicas preliminares, úteis também para superar os obstáculos iniciais (dúvida, preguiça, angústia, dispersão, etc.), o meditador se prepara para o Yoga em si, que começa com as técnicas de contemplação.

Dháraná, a concentração em um ponto só, se faz para limitar a atividade da consciência ao interior da imagem sobre a que se está meditando. Essa unidirecionalidade da consciência não se pode conseguir sem prática regular. Paradoxalmente, na prática de concentração não devemos forçar as coisas, não devemos entrar em conflito com a nossa mente. Uma concentração forçada não é real, pois só provocará mais tensão.

Dhyána, a meditação em si, consiste em parar o fluxo do pensamento. A meditação é o resultado espontâneo da concentração da consciência, e constitui a preparação necessária para atingir o objetivo do Yoga, o estado de iluminação. A meditação não pode se ensinar. A rigor, as instruções sobre como meditar terminam na concentração. Depois, o praticante deve continuar sozinho. Todas as técnicas levam você a esse estado, desde que praticadas com regularidade. Não há palavras para descrever dhyána. A única coisa que o Yoga afirma é que vale a pena o esforço. Para quem não experimentou esse estado, as palavras só irão provocar confusão e intelectualização. Ou seja, não há como se colocar alguém dentro da experiência real, apenas com descrições e explicações verbais. Quem tiver a experiência saberá que as palavras sobram, e que não podem ser usadas para descrevê-la.

Samádhi é a liberação final, o estado de iluminação em que o contemplador se absorve no "Purusha" ou Consciência Universal. No samádhi, o yogue se defronta face a face com experiências totalmente inacessíveis através do instinto ou da razão.




Fontes e bibliografia:
Profº Fred Peixoto;
Yoga Sutras de Patânjali;
Site Yoga.Pro;
Vidya Yoga.
Contém trechos extraídos do livro "Yoga Prático", de Pedro Kupfer.



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