Para entender o intrincado universo das fontes documentais do Cristianismo, há a necessidade de se conhecer a origem e a natureza dos erros de transcrição dos textos do Novo Testamento. Nos interessa saber como e porque ocorreram pequenas alterações no conteúdo desses escritos essenciais... Os tipos de variantes.
As alterações acidentais
Existiram equívocos visuais - alguns erros foram cometidos quando o copista confundiu certas letras com outras de grafia semelhante. Um tipo de equívoco visual é chamado "parablepse". Esse nome complicado significa pular de uma palavra, frase ou parágrafo para outro, devido a começos ou términos semelhantes, com a omissão de palavras.
Há também a classe de equívocos chamados "ditografia", que são a repetição de uma sílaba, frase ou parte de uma frase; e a "metátese", que é a transposição de fonemas no interior de um mesmo vocábulo ou a transposição de vocábulos numa mesma frase.
Equívoco auditivo é quando certas vogais e ditongos gregos vieram a ser pronunciados de maneira praticamente idêntica, fenômeno conhecido como "iotacismo", comum no grego moderno.
Equívoco de memória - poderiam variar desde a substituição de sinônimos à inversão na seqüência de palavras, quando a mente traía o copista.
Equívoco de julgamento - Quando um copista se deparava com comentários diversos anotados na margem do manuscrito que lhe estivesse servindo de modelo e não dispusesse de outras cópias para efeito de comparação, poderia incluí-lo no texto julgando que de fato devessem estar ali. Por exemplo, num manuscrito do século XIV há um exemplo de erro de julgamento. O modelo do qual foi copiado o Evangelho de Lucas deveria trazer a genealogia de Jesus (3:3-28) em duas colunas paralelas de 28 linhas cada. Todavia, ao copiar o texto seguindo a ordem das colunas, o escriba o fez seguindo a ordem das linhas, passando de uma coluna para outra. Como resultado, praticamente todos os filhos tiveram seus pais trocados.
Alterações intencionais - Harmonização textual e litúrgica - o copista se sentia tentado a harmonizar os livros que apresentassem passagens paralelas, um pouco divergentes. Principalmente nos evangelhos sinóticos, com muitos textos sendo alterados para uma narrativa mais unificada possível.
É interessante notar que muitas citações do Antigo Testamento eram feitas sem muito rigor pelos apóstolos, e copistas procuravam adaptar à Septuaginta (LXX - tradução do Antigo Testamento para o grego, feita por hebreus).
Alguns textos eram adaptados para ser lidos publicamente nos serviços de culto, e tais arranjos influenciaram a própria transmissão do texto. O exemplo mais claro é o da Oração do Senhor (Mateus 6. 9-13), cuja doxologia “pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre; Amém”, foi acrescentada para uso litúrgico, e acabou sendo incorporada no texto de muitos manuscritos.
Correção ortográfica, gramatical e estilística - A maioria das alterações ortográficas nos manuscritos bíblicos ocorreu devido à falta de qualquer padronização oficial e à influência de vários dialetos. Assim, inúmeros termos gregos acabaram tendo formas diversas na soletração, principalmente os nomes próprios.
Correção histórica e geográfica - Alguns escribas tentaram harmonizar o relato do Evangelho de João da cronologia da Paixão de Cristo com a de Marcos, mudando a “hora sexta” (João 19:14) para a “hora terceira” (Marcos 15:25).
Correção exegética e doutrinária - Algumas vezes o copista se deparava com uma passagem de difícil interpretação, assim alguns tentaram completar-lhe o sentido, tornando-a mais exata, menos ofensiva ou obscura.
Interpolação de notas marginais, complementos naturais e tradições - A inclusão de textos marginais ao corpo textual como apontamentos, correções, interpretações, reações pessoais e mesmo informações gerais quanto ao texto era comum.
Note-se que certas palavras ou expressões que aparecem juntas no texto bíblico ou no uso habitual da Igreja, e a falta de uma delas numa ou noutra passagem levava o copista a acrescentá-la. Estes são os chamados "complementos naturais".
Conforme já foi dito, os críticos especializados têm demonstrado que as variantes têm pouca ou nenhuma importância para o sentido dos textos em si, ao contrário do que pretendem certos editores de obras sensacionalistas em busca de lucro fácil. Os fatos do Novo Testamento que dizem respeito à fé e moral são expressos em muitos lugares, e assim o fundo doutrinário permanece intocado pelas passagens criticamente incertas, nem um pouco alterado em sua essência. Podemos afirmar com toda a certeza científica que o texto dos cristãos, se não criticamente, doutrinariamente foi conservado incorrupto.
O texto impresso
Entre os séculos XV e XVI, entramos numa nova fase na história do Novo Testamento. Primeiramente a Imprensa tornou os trabalhos de reprodução mais rápidos e baratos, além de acabar de uma vez com a multiplicação dos erros de transcrição. Assim, as cópias passaram a ser feitas com muito mais agilidade e precisão, exatamente como haviam sido escritas, salvo raras exceções, a maioria das quais de erros tipográficos de menor importância.
Um segundo fator que ajudou a levar o texto neotestamentário a essa nova fase de desenvolvimento e sistematização foi o movimento renascentista, com sua ênfase nos valores artísticos e literários do homem, que acabou fazendo despertar na Europa um grande interesse pela cultura grega clássica. Conseqüentemente os estudiosos cristãos também começaram a valorizar os manuscritos gregos do Novo Testamento, revisando a Vulgata.
São Jerônimo no deserto - pintura de Leonardo Da Vinci
Primeiras edições
Apesar da impressa, a publicação do Novo Testamento em grego não saiu imediatamente. O primeiro produto representativo da tipografia foi justamente a Bíblia, a Vulgata de Jerônimo, em dois volumes, entre os anos de 1450 e 1455. Nos 50 anos seguintes, pelo menos cem edições da Vulgata ainda foram preparadas por várias casas editoriais da Europa.
Para a língua portuguesa, temos em 1495, em Saragoza, a publicação das epístolas paulinas e dos Evangelhos. Naquele ano, em Lisboa, foi publicada, em quatro volumes, uma harmonia dos Evangelhos. - O Novo Testamento completo saiu em 1681, em Amsterdã, já na antológica versão de Pe. João Ferreira de Almeida. A Bíblia completa em português foi publicada em 1753, na Holanda, depois de Jacó den Akker haver terminado a tradução do Antigo Testamento, parada com a morte de Almeida, em 1691, no texto de Ezequiel 48:12.
O cardeal e arcebispo de Toledo, Francisco Ximenes de Cisceros (1437-1517), foi o responsável de promover e organizar a primeira impressão do texto grego do Novo Testamento, como parte da chamada Bíblia Poliglota Complutense.
Erasmo de Roterdã (1469-1536), escritor e humanista holandês, produziu, em 1516, o primeiro Novo Testamento grego que chegou ao domínio público, sendo beneficiado com o atraso na divulgação da obra de Ximenes.
O "Texto Recebido"
Quando o Novo Testamento grego de Erasmo chegou ao público ocorreram diversas reações. De um lado houve ampla aceitação, tanto que ele preparou uma nova edição, e a tiragem total das edições de 1516 e 1519 alcançou 3.300 exemplares. A segunda edição, agora intitulada "Novum Testamentum", foi a que serviu de base da tradução alemã de Martinho Lutero. De outro lado, a obra foi recebida com grande preconceito e até com hostilidade. Três fatores contribuíram para isso: 1) As diferenças que havia entre sua nova tradução latina e a consagrada Vulgata; 2) As longas anotações para justificar sua tradução e 3) A inclusão, entre as notas, de comentários sobre a vida desregrada e corrupta de certos sacerdotes. Clérigos protestaram fazendo uso dos púlpitos; conseqüentemente Universidades como as de Cambridge e Oxford proibiram seus alunos de lerem os escritos de Erasmo, e os livreiros de os venderem.
Dentre as críticas levantadas contra Erasmo, uma das mais sérias veio da parte de Lopes de Stunica, um dos editores da Poliglota Complutense, que o acusou de não incluir no texto de 1 João 5:7-8 a "Coma Joanina". Erasmo replicou que não havia encontrado nenhum manuscrito grego que a contivesse, e prometeu que a incluiria em suas próximas edições se apenas um único manuscrito grego trouxesse a passagem. Um manuscrito foi-lhe trazido, e Erasmo cumpriu sua promessa na terceira edição, de 1522. Todavia numa longa nota marginal, ele suspeita do manuscrito como sendo preparado para confundi-lo.
Edições Intermediárias
Em seguida, temos a preocupação em reunir variantes textuais e estabelecer os princípios de um trabalho textual mais científico, baseado em pesquisas progressivas dos manuscritos gregos, das versões e da literatura patrística. O contexto agora era outro, os estudiosos tinham que lutar contra o movimento racionalista, que encontrara no deísmo sua expressão religiosa. Defendendo a existência de uma religião natural, onde a Verdade só podia ser alcançada pela razão e pelo método científico, o deísmo encarava as Escrituras como um simples manual ético de origem humana, e colaborou, entre outras coisas, para que sua pureza textual fosse questionada. Os pesquisadores cristãos surgiram nos principais países europeus em defesa do Cristianismo histórico e da integridade textual da Bíblia. E, no esforço de provar que o Novo Testamento que dispunham era exatamente aquilo que os autores originais haviam escrito, tiveram também de defrontar-se com o chamado "Texto Recebido", no qual os problemas tornaram-se ainda mais graves.
Os críticos, por dois séculos, vasculharam bibliotecas e mosteiros na Europa e em todo o mundo mediterrâneo procurando material que pudesse ser útil. Todavia, continuaram a publicar o Texto Recebido, submetendo-se a ele. Ele era um texto já tradicional e reverenciado por todos, e ninguém se aventuravam a modificá-lo, sob o risco de censura ou até de disciplina eclesiástica.
Durante esse período não ocorreu qualquer progresso real no texto grego do Novo Testamento que estava sendo publicado. Todavia, as muitas variantes que se tornaram conhecidas mediante o progressivo e acurado exame dos manuscritos, o início de sua classificação de acordo com as famílias textuais e o desenvolvimento das teorias críticas ofereceram a base necessária para que tal progresso se concretizasse no período seguinte. Nos confrontos entre os partidários do Texto Recebido e os que acreditavam na superioridade dos manuscritos mais antigos, a vitória dos últimos estava garantida. As evidências acumuladas tornavam evidente que o texto precisava ser corrigido, para o próprio bem do cristianismo histórico, principalmente por causa dos ataques racionalistas. O reinado do Texto Recebido estava chegando ao fim. Os princípios que permitiriam essa conquista já estavam praticamente estabelecidos e necessitavam apenas ser aprimorados.
Edições Modernas
No século XIX, a predominância do Texto Recebido foi finalmente interrompida. Os esforços dos pesquisadores nos dois séculos anteriores fizeram com que a crítica textual se tornasse uma ciência de fato. - A distribuição dos manuscritos nos diferentes grupos permitiu que os muitos documentos começassem a ser organizados e que a história da tradição manuscrita fosse reconstruída, levando ao desenvolvimento sistemático de metodologias e ao tratamento mais científico das inúmeras variantes. Apesar dos críticos ainda divergirem com relação às teorias, todos buscavam um texto que estivesse o mais próximo possível do original e, nesse novo período, rompendo com o Texto Recebido. Surgindo o texto crítico e, com ele, o período moderno da crítica textual do Novo Testamento.
Conclusão
Depois de quase 500 anos de história do texto do Novo Testamento e das mais de mil edições surgidas desde século XV com Erasmo, dos vários estudos, os editores críticos de um modo geral concordam com o texto crítico moderno e apenas um grupo bem pequeno de variantes sem muita importância é contestada. E mesmo que surja uma edição nova com muitas variantes, já está mais ou menos claro que o Novo Testamento grego está muito próximo dos textos primitivos originais. O chamado Texto Recebido foi abandonado pela maioria dos estudiosos, que o defendiam como a forma mais próxima do original.
Apesar dos erros dos copistas, a integridade do texto foi mantida. Sua coerência interna é uma evidência muito forte. A Crítica Textual tem demonstrado que o textos cristãos essenciais (o Novo Testamento da Bíblia) fala hoje com a mesmo eloqüência que falava no período apostólico. Podemos pegar a Bíblia atual sem medo de dizer, seguramente, que é o mesmo texto denominado como "Palavra de Deus" e transmitido na sua essência através dos séculos.
Fontes e bibliografia:
Profº Nataniel dos Santos Gomes (UNESA)
McDOWELL, Josh. "Evidência que exige um veredicto", Volume 2. São Paulo: Candeia, 1992;
New Testament (The). New International Version: Holman Bible Publishers, Nashville, 1988;
"Novum testamentum graece et latine". Aparatu critico instuctum edidit Augustinus Merk. Editio octava. Roma: Sumptibus Pontificii Instituti Biblici, 1957;
PAROSCHI, Wilson. Crítica textual do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1993;
Santa Biblia. Antigua versión de Casiodoro de Reina (1569), revisada por Cipriano de Valera (1602), otras revisiones: 1862, 1909 y 1960. Revisión de 1960. Sociedades bíblicas unidas: (Madrid), 1996.
As alterações acidentais
Existiram equívocos visuais - alguns erros foram cometidos quando o copista confundiu certas letras com outras de grafia semelhante. Um tipo de equívoco visual é chamado "parablepse". Esse nome complicado significa pular de uma palavra, frase ou parágrafo para outro, devido a começos ou términos semelhantes, com a omissão de palavras.
Há também a classe de equívocos chamados "ditografia", que são a repetição de uma sílaba, frase ou parte de uma frase; e a "metátese", que é a transposição de fonemas no interior de um mesmo vocábulo ou a transposição de vocábulos numa mesma frase.
Equívoco auditivo é quando certas vogais e ditongos gregos vieram a ser pronunciados de maneira praticamente idêntica, fenômeno conhecido como "iotacismo", comum no grego moderno.
Equívoco de memória - poderiam variar desde a substituição de sinônimos à inversão na seqüência de palavras, quando a mente traía o copista.
Equívoco de julgamento - Quando um copista se deparava com comentários diversos anotados na margem do manuscrito que lhe estivesse servindo de modelo e não dispusesse de outras cópias para efeito de comparação, poderia incluí-lo no texto julgando que de fato devessem estar ali. Por exemplo, num manuscrito do século XIV há um exemplo de erro de julgamento. O modelo do qual foi copiado o Evangelho de Lucas deveria trazer a genealogia de Jesus (3:3-28) em duas colunas paralelas de 28 linhas cada. Todavia, ao copiar o texto seguindo a ordem das colunas, o escriba o fez seguindo a ordem das linhas, passando de uma coluna para outra. Como resultado, praticamente todos os filhos tiveram seus pais trocados.
Alterações intencionais - Harmonização textual e litúrgica - o copista se sentia tentado a harmonizar os livros que apresentassem passagens paralelas, um pouco divergentes. Principalmente nos evangelhos sinóticos, com muitos textos sendo alterados para uma narrativa mais unificada possível.
É interessante notar que muitas citações do Antigo Testamento eram feitas sem muito rigor pelos apóstolos, e copistas procuravam adaptar à Septuaginta (LXX - tradução do Antigo Testamento para o grego, feita por hebreus).
Alguns textos eram adaptados para ser lidos publicamente nos serviços de culto, e tais arranjos influenciaram a própria transmissão do texto. O exemplo mais claro é o da Oração do Senhor (Mateus 6. 9-13), cuja doxologia “pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre; Amém”, foi acrescentada para uso litúrgico, e acabou sendo incorporada no texto de muitos manuscritos.
Correção ortográfica, gramatical e estilística - A maioria das alterações ortográficas nos manuscritos bíblicos ocorreu devido à falta de qualquer padronização oficial e à influência de vários dialetos. Assim, inúmeros termos gregos acabaram tendo formas diversas na soletração, principalmente os nomes próprios.
Correção histórica e geográfica - Alguns escribas tentaram harmonizar o relato do Evangelho de João da cronologia da Paixão de Cristo com a de Marcos, mudando a “hora sexta” (João 19:14) para a “hora terceira” (Marcos 15:25).
Correção exegética e doutrinária - Algumas vezes o copista se deparava com uma passagem de difícil interpretação, assim alguns tentaram completar-lhe o sentido, tornando-a mais exata, menos ofensiva ou obscura.
Interpolação de notas marginais, complementos naturais e tradições - A inclusão de textos marginais ao corpo textual como apontamentos, correções, interpretações, reações pessoais e mesmo informações gerais quanto ao texto era comum.
Note-se que certas palavras ou expressões que aparecem juntas no texto bíblico ou no uso habitual da Igreja, e a falta de uma delas numa ou noutra passagem levava o copista a acrescentá-la. Estes são os chamados "complementos naturais".
Conforme já foi dito, os críticos especializados têm demonstrado que as variantes têm pouca ou nenhuma importância para o sentido dos textos em si, ao contrário do que pretendem certos editores de obras sensacionalistas em busca de lucro fácil. Os fatos do Novo Testamento que dizem respeito à fé e moral são expressos em muitos lugares, e assim o fundo doutrinário permanece intocado pelas passagens criticamente incertas, nem um pouco alterado em sua essência. Podemos afirmar com toda a certeza científica que o texto dos cristãos, se não criticamente, doutrinariamente foi conservado incorrupto.
O texto impresso
Entre os séculos XV e XVI, entramos numa nova fase na história do Novo Testamento. Primeiramente a Imprensa tornou os trabalhos de reprodução mais rápidos e baratos, além de acabar de uma vez com a multiplicação dos erros de transcrição. Assim, as cópias passaram a ser feitas com muito mais agilidade e precisão, exatamente como haviam sido escritas, salvo raras exceções, a maioria das quais de erros tipográficos de menor importância.
Um segundo fator que ajudou a levar o texto neotestamentário a essa nova fase de desenvolvimento e sistematização foi o movimento renascentista, com sua ênfase nos valores artísticos e literários do homem, que acabou fazendo despertar na Europa um grande interesse pela cultura grega clássica. Conseqüentemente os estudiosos cristãos também começaram a valorizar os manuscritos gregos do Novo Testamento, revisando a Vulgata.
Primeiras edições
Apesar da impressa, a publicação do Novo Testamento em grego não saiu imediatamente. O primeiro produto representativo da tipografia foi justamente a Bíblia, a Vulgata de Jerônimo, em dois volumes, entre os anos de 1450 e 1455. Nos 50 anos seguintes, pelo menos cem edições da Vulgata ainda foram preparadas por várias casas editoriais da Europa.
Para a língua portuguesa, temos em 1495, em Saragoza, a publicação das epístolas paulinas e dos Evangelhos. Naquele ano, em Lisboa, foi publicada, em quatro volumes, uma harmonia dos Evangelhos. - O Novo Testamento completo saiu em 1681, em Amsterdã, já na antológica versão de Pe. João Ferreira de Almeida. A Bíblia completa em português foi publicada em 1753, na Holanda, depois de Jacó den Akker haver terminado a tradução do Antigo Testamento, parada com a morte de Almeida, em 1691, no texto de Ezequiel 48:12.
O cardeal e arcebispo de Toledo, Francisco Ximenes de Cisceros (1437-1517), foi o responsável de promover e organizar a primeira impressão do texto grego do Novo Testamento, como parte da chamada Bíblia Poliglota Complutense.
Erasmo de Roterdã (1469-1536), escritor e humanista holandês, produziu, em 1516, o primeiro Novo Testamento grego que chegou ao domínio público, sendo beneficiado com o atraso na divulgação da obra de Ximenes.
O "Texto Recebido"
Quando o Novo Testamento grego de Erasmo chegou ao público ocorreram diversas reações. De um lado houve ampla aceitação, tanto que ele preparou uma nova edição, e a tiragem total das edições de 1516 e 1519 alcançou 3.300 exemplares. A segunda edição, agora intitulada "Novum Testamentum", foi a que serviu de base da tradução alemã de Martinho Lutero. De outro lado, a obra foi recebida com grande preconceito e até com hostilidade. Três fatores contribuíram para isso: 1) As diferenças que havia entre sua nova tradução latina e a consagrada Vulgata; 2) As longas anotações para justificar sua tradução e 3) A inclusão, entre as notas, de comentários sobre a vida desregrada e corrupta de certos sacerdotes. Clérigos protestaram fazendo uso dos púlpitos; conseqüentemente Universidades como as de Cambridge e Oxford proibiram seus alunos de lerem os escritos de Erasmo, e os livreiros de os venderem.
Dentre as críticas levantadas contra Erasmo, uma das mais sérias veio da parte de Lopes de Stunica, um dos editores da Poliglota Complutense, que o acusou de não incluir no texto de 1 João 5:7-8 a "Coma Joanina". Erasmo replicou que não havia encontrado nenhum manuscrito grego que a contivesse, e prometeu que a incluiria em suas próximas edições se apenas um único manuscrito grego trouxesse a passagem. Um manuscrito foi-lhe trazido, e Erasmo cumpriu sua promessa na terceira edição, de 1522. Todavia numa longa nota marginal, ele suspeita do manuscrito como sendo preparado para confundi-lo.
Edições Intermediárias
Em seguida, temos a preocupação em reunir variantes textuais e estabelecer os princípios de um trabalho textual mais científico, baseado em pesquisas progressivas dos manuscritos gregos, das versões e da literatura patrística. O contexto agora era outro, os estudiosos tinham que lutar contra o movimento racionalista, que encontrara no deísmo sua expressão religiosa. Defendendo a existência de uma religião natural, onde a Verdade só podia ser alcançada pela razão e pelo método científico, o deísmo encarava as Escrituras como um simples manual ético de origem humana, e colaborou, entre outras coisas, para que sua pureza textual fosse questionada. Os pesquisadores cristãos surgiram nos principais países europeus em defesa do Cristianismo histórico e da integridade textual da Bíblia. E, no esforço de provar que o Novo Testamento que dispunham era exatamente aquilo que os autores originais haviam escrito, tiveram também de defrontar-se com o chamado "Texto Recebido", no qual os problemas tornaram-se ainda mais graves.
Os críticos, por dois séculos, vasculharam bibliotecas e mosteiros na Europa e em todo o mundo mediterrâneo procurando material que pudesse ser útil. Todavia, continuaram a publicar o Texto Recebido, submetendo-se a ele. Ele era um texto já tradicional e reverenciado por todos, e ninguém se aventuravam a modificá-lo, sob o risco de censura ou até de disciplina eclesiástica.
Durante esse período não ocorreu qualquer progresso real no texto grego do Novo Testamento que estava sendo publicado. Todavia, as muitas variantes que se tornaram conhecidas mediante o progressivo e acurado exame dos manuscritos, o início de sua classificação de acordo com as famílias textuais e o desenvolvimento das teorias críticas ofereceram a base necessária para que tal progresso se concretizasse no período seguinte. Nos confrontos entre os partidários do Texto Recebido e os que acreditavam na superioridade dos manuscritos mais antigos, a vitória dos últimos estava garantida. As evidências acumuladas tornavam evidente que o texto precisava ser corrigido, para o próprio bem do cristianismo histórico, principalmente por causa dos ataques racionalistas. O reinado do Texto Recebido estava chegando ao fim. Os princípios que permitiriam essa conquista já estavam praticamente estabelecidos e necessitavam apenas ser aprimorados.
Edições Modernas
No século XIX, a predominância do Texto Recebido foi finalmente interrompida. Os esforços dos pesquisadores nos dois séculos anteriores fizeram com que a crítica textual se tornasse uma ciência de fato. - A distribuição dos manuscritos nos diferentes grupos permitiu que os muitos documentos começassem a ser organizados e que a história da tradição manuscrita fosse reconstruída, levando ao desenvolvimento sistemático de metodologias e ao tratamento mais científico das inúmeras variantes. Apesar dos críticos ainda divergirem com relação às teorias, todos buscavam um texto que estivesse o mais próximo possível do original e, nesse novo período, rompendo com o Texto Recebido. Surgindo o texto crítico e, com ele, o período moderno da crítica textual do Novo Testamento.
Conclusão
Depois de quase 500 anos de história do texto do Novo Testamento e das mais de mil edições surgidas desde século XV com Erasmo, dos vários estudos, os editores críticos de um modo geral concordam com o texto crítico moderno e apenas um grupo bem pequeno de variantes sem muita importância é contestada. E mesmo que surja uma edição nova com muitas variantes, já está mais ou menos claro que o Novo Testamento grego está muito próximo dos textos primitivos originais. O chamado Texto Recebido foi abandonado pela maioria dos estudiosos, que o defendiam como a forma mais próxima do original.
Apesar dos erros dos copistas, a integridade do texto foi mantida. Sua coerência interna é uma evidência muito forte. A Crítica Textual tem demonstrado que o textos cristãos essenciais (o Novo Testamento da Bíblia) fala hoje com a mesmo eloqüência que falava no período apostólico. Podemos pegar a Bíblia atual sem medo de dizer, seguramente, que é o mesmo texto denominado como "Palavra de Deus" e transmitido na sua essência através dos séculos.
Fontes e bibliografia:
Profº Nataniel dos Santos Gomes (UNESA)
McDOWELL, Josh. "Evidência que exige um veredicto", Volume 2. São Paulo: Candeia, 1992;
New Testament (The). New International Version: Holman Bible Publishers, Nashville, 1988;
"Novum testamentum graece et latine". Aparatu critico instuctum edidit Augustinus Merk. Editio octava. Roma: Sumptibus Pontificii Instituti Biblici, 1957;
PAROSCHI, Wilson. Crítica textual do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1993;
Santa Biblia. Antigua versión de Casiodoro de Reina (1569), revisada por Cipriano de Valera (1602), otras revisiones: 1862, 1909 y 1960. Revisión de 1960. Sociedades bíblicas unidas: (Madrid), 1996.
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