quinta-feira, 15 de abril de 2010

História do Cristianismo - prólogo




Agora que a história de Jesus chamado Cristo foi contada, vamos embarcar numa reflexão profunda sobre a trajetória fascinante e, como não dizer, intrigante, do Cristianismo. Como foi que uma seita judaica relativamente pequena, nascida no interior da Palestina, veio a se tornar a maior religião do mundo?..

Vamos conhecer um pouco melhor essa grande jornada, que passa pela força da pregação de homens como Pedro e Paulo, verdadeiros heróis da fé e pilares do Cristianismo, desde as suas origens até a forma que conhecemos hoje. Vamos entender como a nova religião, já emancipada do Judaísmo, ganhou novo impulso com a conversão de Constantino, e afinal ganhou status oficial depois ser mortalmente perseguida pelo Império Romano.

O nosso estudo não vai deixar de englobar um assunto controvertido: os evangelhos apócrifos (ocultos, escondidos). Até que ponto são válidos para se conhecer a realidade sobre a vida de Jesus? O que têm para nos dizer sobre a história do começo do Cristianismo? Qual a sua origem? Por que não estão na Bíblia? Qual o seu valor histórico e quais as suas origens?

Vamos mergulhar numa análise realista dos fenômenos religiosos que ocorreram na controvertida Idade Média. - Sem parcialidades. - Sem defender e nem atacar. Aqui você não vai encontrar tentativas de justificar o injustificável e nem os ataques caluniosos que está acostumado a ver em outros lugares. Aqui não. Bem à maneira do a Arte das artes, vamos buscar, expor e analisar a verdade dos fatos, à luz da pesquisa histórica pura e simples. Quando houverem opiniões divergentes importantes a respeito de qualquer assunto relevante, todas serão mostradas, e a conclusão ficará ao encargo da sua consciência, leitor.

Vamos entender o primeiro Cisma, que deu origem às igrejas conhecidas atualmente como ortodoxas. Você vai conhecer a importância de Francisco de Assis para a história do Cristianismo, e o quanto a obra desse gigante da fé foi importante e quanto influiu no modo de pensar dos cristãos de hoje, de todas as igrejas, já que na época em que ele viveu havia uma coesão difícil de imaginar hoje. Para todo homem e para toda mulher ocidental da época de Francisco, ser cristão era pertencer a uma Igreja una.

Vamos entender juntos como Carlos Magno reforçou o poder da Igreja e como o Cristianismo conquistou a Europa e posteriormente veio a se militarizar para combater os muçulmanos no período das Cruzadas.




Vamos estudar o descontentamento que gerou o movimento protestante e a chamada ‘Reforma’, que veio a mudar a face daquilo que entendemos por Cristianismo. Vai conhecer a história de Lutero, Calvino e outros precursores desse movimento, e também as transformações que vieram com o passar dos séculos.

Você vai saber como o catolicismo ganhou um novo fôlego com a chegada dos jesuítas, responsáveis pela expansão para os quatro cantos do mundo, e como, a partir daí, a Igreja precisou enfrentar os desafios trazidos pela modernidade, como o Iluminismo e a implantação do Estado laico.

Por fim, vamos aprender como a nova reforma produzida pelo Concílio Vaticano II, já em meados do século passado, representou (e representa) uma tentativa de modernização para os novos tempos, e vamos conhecer as lideranças recentes da Igreja, que combinaram a vocação religiosa com o engajamento social.

Mas é claro que esta é uma história sem ponto final. João Paulo II e agora Bento XVI levaram o catolicismo a retomar um caminho mais conservador. Enquanto isso, no protestantismo, não cessam de proliferar as novas igrejas e denominações, quase todos os dias, muitas vezes com novas e polêmicas interpretações da Bíblia e dos Evangelhos.

Justamente por religião e História caminharem tão próximas é que se torna fundamental conhecer essa longa peregrinação que já dura mais de 20 séculos. Mas os que preferem ler sobre outros assuntos não precisam se preocupar, pois outras postagens, sobre outros temas, continuarão sendo publicadas por aqui, intercaladamente.

Em breve!..

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A surpreendente história de Jesus Cristo


Claro que sorria! Ou você acha que ele
ficava sisudo nas festas que frequentava?


Para os cristãos, Jesus Cristo não é meramente uma pessoa importante que viveu e morreu há muito tempo. De acordo com as "Boas Novas" (Evangelhos), em especial o Evangelho segundo João, ele é o próprio Deus Criador, "sem o qual nada do que foi feito se fez” (João 1); que encarnou como homem comum (ou quase) e viveu nesta Terra para nos ensinar quanto ao Caminho da Vida e, principalmente, ao final desta vida terrena, derramar o seu sangue para nos dar a vida eterna, resgatando a humanidade sofredora do poder do pecado, de Satanás e da morte. Ele está vivo hoje, agora, e é a nossa única possibilidade de alcançar a vida verdadeira: a santificada.

Segundo essa visão, aceitar ou rejeitar Jesus Cristo é simplesmente uma questão de vida ou morte. “Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida” (1 João 5,12). E não estamos falando desta vida neste mundo, apenas. Estamos falando da vida eterna de nossa alma imortal. Não há salvação por nenhum outro meio; porque “debaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual sejamos salvos” (Atos 4,12).


Segundo a mesma perspectiva, Jesus é o Cristo que preexistia antes de todas as coisas...

"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus.” - João 1,1-3

“Pois, nele, foram criadas todas as coisas....Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas...” - Colossenses 1:16, 17

“Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade eu vos digo: antes que Abraão existisse, EU SOU.” - João 8:58


... E os Profetas predisseram a sua vinda:

"Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe chamará 'Deus Conosco'.” - Isaías 7:14

“E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.” - Miquéias 5:2

“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim....” - Isaías 9:6, 7

“Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer....Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi trespassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades...” - Isaías 53:3, 4, 5


Mas independentemente de quaisquer das questões subjetivas da fé, é um fato que a ideia do Deus todo-poderoso, distante e abstrato do judaísmo, comum também a outras religiões ancestrais, foi definitivamente substituída pela do Pai Amoroso, bem real, próximo e presente, a partir da surpreendente vida de Jesus de Nazaré.


Biografia do personagem histórico Jesus, chamado Cristo

Judeu da Galiléia, nascido em Belém, cidade da Judéia meridional, nos últimos anos do reinado de Herodes o Grande, quando Roma dominava a Palestina e Augusto era o imperador. Independente da ótica religiosa, ele produziu uma das mais profundas alterações na história das civilizações, seja por meio da sua imagem mística de “Filho de Deus” ou como profeta, moralista, revolucionário ou outra das muitas facetas a ela atribuídas.


Problemas de datação

O aparente paradoxo sobre o ano de seu nascimento deve-se a um erro de datação creditado a um monge romano. - No ano 531 da nossa era, um abade romano chamado Dionísio Exíguo, ‘o Pequeno’, escreveu uma carta a um certo bispo Petrônio, reclamando do calendário usado para registrar as datas calculadas para a Páscoa. O ano era '247 anno Diocletiani' (ano de Diocleciano), e lembrava a morte dos mártires cristãos perseguidos pelo imperador romano Diocleciano. Dionísio argumentou que tal calendário lembrava um imperador famoso pela perseguição dos cristãos, e que seria preferível "contar os anos a partir da Encarnação de Nosso Senhor". Dionísio então calculou que o nascimento de Jesus Cristo acontecera exatamente 531 anos antes. A esse ano ele chamou de 'ano I', ou “Il anno Domini nostri Jesu Christi” - Ano de Nosso Senhor Jesus Cristo. - A carta, assinada em 531 aD ('anno Domini': 'Ano do Senhor') ou dC ('depois de Cristo'), iniciou a contagem de anos que até hoje utilizamos.

Mas, infelizmente, os cálculos de Dionísio estavam errados... A precisa data real do nascimento de Cristo é, até hoje, desconhecida. Os evangelistas não datavam as suas obras e as únicas referências disponíveis são os fatos históricos relatados e datados pelos romanos, que utilizavam o calendário estabelecido por Júlio César em 46 aC. - O calendário romano começava em 753 aC, data da suposta fundação de Roma. - Para os romanos, o ano 1 dC era 753 A.U.C. ('Anno Urbis Conditae' - ano da fundação da cidade).

O Evangelho de Mateus afirma que Jesus nasceu na época de Herodes, o Grande, que segundo os registros históricos romanos morreu em 749 A.U.C., ou seja, 4 aC. Isto quer dizer que Cristo nasceu pelo menos 4 anos “antes de Cristo”, isto é, a partir de 4 aC. - Para muitos estudiosos, o nascimento ocorreu entre 5 e 4 aC. Assim, o ano 2.000 do nosso calendário, contado a partir do que seria o verdadeiro ano do Senhor, já se passou, e ocorreu provavelmente entre 1996/97.

Quanto ao 25 de Dezembro, este só foi fixado como a data de celebração do nascimento de Cristo quando já eram passados mais de quatro séculos da nossa era, - em 440 dC, - numa medida para converter ao cristianismo a festa pagã que se realizava naquele dia. - O objetivo da Igreja era fazer com que os romanos abandonassem os festejos em honra ao deus Mitra, o ‘Sol Invictus’, para celebrar o nascimento de Jesus, a um só tempo Filho de Deus e único Deus verdadeiro: trocar a celebração de um ídolo pela celebração do nascimento do Filho do Deus Vivo.

Um dado curioso: o episódio bíblico da visita dos magos teria ocorrido cerca de 8 meses depois do nascimento de Jesus, ou precisamente em 19/12/06 aC. Essa data exata justificaria inclusive a menção à ‘Estrela Guia’, por uma conjunção planetária identificada em estudos astronômicos modernos.


Os Evangelhos

O principal testemunho sobre a vida e a doutrina de Jesus está contido nos quatro evangelhos denominados canônicos, que constituem a base da fé cristã. Ali estão relatadas as suas palavras e atos, e também as reações do povo ao que ele dizia e fazia. Aceita-se que tenham sido escritos originalmente em grego, se bem que existam sólidas evidências de que o de Mateus possa provir de um texto aramaico anterior. Há muita controvérsia com relação à época em que foram escritos os Evangelhos, e nós voltaremos a este assunto: muitos pesquisadores respeitados consideram o de Marcos anterior ao ano 80, outros o encaixam num período entre 20 e 25. - Mas entre os especialistas há também aqueles que consideram os Evangelhos como registros quase jornalísticos, produzidos como uma espécie de diário 'online' da vida de Jesus, tendo sido escritos enquanto os fatos aconteciam. – Embora a maioria dos estudiosos rejeite essa última tese, existem evidências bem interessantes nesse sentido, como o célebre “Papiro de Jesus”, descoberto por um pesquisador inglês no século 19. - Esta é uma outra história a ser contada. Para os interessados no assunto, há um documentário bem detalhado do Discovery Channel à venda no Americanas.Com. - Já o Evangelho segundo João, denominado o Evangelho gnóstico, que traz muitas diferenças com relação aos outros três, este foi muito provavelmente escrito no final do século I.




Os relatos dos quatro Evangelhos coincidem entre si no conteúdo principal, mas existem diferenças entre um e outro, embora nenhuma delas esteja diretamente relacionada a conceitos essenciais. Há coincidências importantes, também, entre os Evangelhos e os relatos de historiadores da época, como Flávio Josefo, - correspondente judeu da corte de Domiciano e o maior dos historiadores romanos, e também Tácito, para ficar nos exemplos mais óbvios. Eu falei mais sobre esse assunto aqui.

Filho de José, um carpinteiro de Nazaré da Galiléia, e sua esposa Maria, Jesus nasceu quando seus pais estavam em Belém por causa de um recenseamento. Como corria a notícia de que tinha nascido aquele que se tornaria o 'Rei dos Judeus', e como não se sabiam maiores detalhes a respeito, Herodes ordenou a matança de todas os meninos de Belém até dois anos de idade. Jesus, porém, escapou da matança porque seus pais conseguiram fugir para o Egito. Ali permaneceram até a morte de Herodes, alguns meses depois, quando José decidiu regressar com sua família, e estabeleceu-se em Nazaré, onde Jesus provavelmente passou a maior parte da sua vida, trabalhando com o pai nas tarefas de carpintaria.

Segundo Lucas, sua primeira aparição pública se deu aos 12 anos, quando a 'Sagrada Família' visitava Jerusalém: seus pais o encontraram entre os doutores do Templo, ouvindo-os e interrogando-os, e consta que já demonstrava assombrosa sabedoria.

Segundo a tradição cristã, após a morte de José, Jesus compreendeu que estava na hora de começar a cumprir sua missão divina. Aos trinta anos encontrou-se, na Judéia, com seu primo João Batista, filho de Zacarias, famoso na região do Jordão por pregar o batismo para o perdão dos pecados. Ali, também Jesus foi por João batizado, e a partir desse momento iniciou o anúncio das 'Boas Novas', - ‘Evangelho’ no grego, - ou seja, a realização das profecias sobre o Messias e a instauração do Reino de Deus no mundo, a partir de Israel.

Seguiu-se então uma série acontecimentos absolutamente incomuns em sua vida, a começar pelo jejum de quarenta dias no deserto e o episódio miraculoso da conversão da água em vinho nas bodas de Caná, primeira manifestação do seu poder divino. - Iniciou a sua pregação e realizou inúmeros milagres, de Samaria à Galiléia. Foi rejeitado em Nazaré, quando declarou que “Um profeta não fica sem honra, a não ser na sua terra, entre os seus parentes, e na sua. própria casa." (Marcos 6, 1-6) – Afirmação que deu origem ao dito popular “Santo de casa não faz milagre”. Em Cafarnaum, às margens do lago Tiberíades ou mar da Galiléia, aconteceu o episódio da pesca milagrosa.

Aos 31 anos completou a escolha dos seus 12 apóstolos diretos, todos eles galileus, para segui-lo de perto e aprender os mistérios do Reino do Céu, além de, posteriormente, receber dele a autoridade sobre a sua doutrina e a Igreja nascente. Os doze foram estes:

1) Simão Pedro, o “Príncipe dos Apóstolos”;
2) André, o primeiro “pescador de homens” e irmão de Pedro;
3) João, o “Discípulo Amado”;
4) Tiago o Maior, filho de Zebedeu e irmão de João;
5) Felipe, o místico helenita;
6) Bartolomeu Natanael, o Viajante;
7) Tomé, o Ascético;
8) Mateus Levi, o publicano;
9) Tiago Menor, filho de Alfeu;
10) Judas Tadeu, primo do Cristo;
11) Simão Zelote, o cananeu;
12) Judas Iscariotes, o traidor, que viria a ser substituído por Matias.


Foi também aos 31 anos que Jesus realizou o famoso Sermão da Montanha e pregou suas mais notáveis parábolas, através das quais transmitia sua doutrina ao povo, aos sacerdotes e especialmente aos seus seguidores. No período de seus 32 anos aconteceu a morte de João Batista por ordem de Herodes Antipas, e dois grandes milagres: a multiplicação dos pães e dos peixes e a ressurreição de Lázaro.

Também nesse período Jesus ensinou no templo de Jerusalém, estabeleceu o primado de Simão, a quem chamou 'Pedro' ('pedra', 'rocha'). Foi em presença deste, e também de Tiago e de João, que Jesus realizou o prodígio da Transfiguração, quando, no topo de um alto monte “foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz”. Logo depois, “uma nuvem luminosa os envolveu; e eis que, vindo da nuvem, uma Voz dizia: ‘Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi'”...

Algum tempo depois, Jesus entrou triunfante em Jerusalém. - À época de seu nascimento, a Galiléia era um conhecido foco da resistência judia contra Roma. O povo judaico esperava por um salvador revolucionário e libertador que recuperasse a sua independência política perdida desde o exílio da Babilônia, no fim do século VI aC; depois de dominados por outros povos, tinham passado ao poder de Roma (63 aC). A pregação de Jesus, portanto, para muitos judeus estava longe de ser coerente com a missão de ser apenas o “rei dos judeus”.

Aos 33 anos Jesus foi considerado blasfemo e acusado de conspirar contra o César, quando Tibério era imperador de Roma. Aprisionado no horto de Getsêmani, foi levado até ao pontífice Anás. Ante Caifás, príncipe dos sacerdotes, com quem haviam se reunido os escribas e os anciãos, foi submetido a um processo político/religioso. Depois foi conduzido à residência do procurador romano da Judéia, Pôncio Pilatos, que, sem entender a revolta da população, o enviou a Herodes Antipas. Por um gesto político de Herodes, foi devolvido a Pilatos, que não achou delito naquele homem, mas diante da pressão dos chefes de Israel e de uma multidão incitada por eles, propôs uma permuta de prisioneiros. A maior parte da multidão, porém, optou pela soltura do prisioneiro político Barrabás quando da opção de troca proposta.




Pilatos então pronunciou a sentença da condenação de Jesus à morte na cruz, considerada uma das penas mais cruéis de todos os tempos, depois de declarar-se “inocente do seu sangue”. De acordo com as leis romanas, foi barbaramente flagelado e teve que carregar sua cruz até a colina do Calvário, no monte chamado 'Gólgota' ('Caveira'). Ali foi crucificado junto com dois malfeitores comuns, - segundo cálculos de estudiosos, historiadores e astrônomos, isso aconteceu no dia 7 de abril, dez dias antes de completar 33 anos de idade.


Observações:

A paixão de Jesus, desde a última ceia até a sua crucifixão e morte, é mais ou menos minuciosamente relatada pelos quatro evangelistas, porém não se pode afirmar com certeza absoluta o lugar exato em que se cumpriu a sentença, pois a destruição de Jerusalém no ano 70 arrasou todos os possíveis vestígios, restando apenas os relatos populares e a tradição. Cinquenta dias após a sua morte, durante a festa de Pentecostes, os apóstolos escolhidos pelo próprio Jesus, entre seus muitos discípulos para divulgar o Evangelho ao mundo, anunciaram a sua ressurreição, e que haviam sido enviados a pregar a todo o mundo a Boa Nova da Salvação.


"Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz." - João 18:37

"Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem." - João 7:37-39

"Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne." - João 6:51

"Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará, e sairá, e achará pastagem. Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas." - João 10:9, 11

"Eu sou a Luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a Luz da Vida." - João 8:12

"Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá." - João 11:25



A tradução da Bíblia Sagrada utilizada é a da 'Almeida Text' (Revista e Atualizada-2a Edição, © 1993 Sociedade Biblica do Brasil).


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quinta-feira, 8 de abril de 2010

O Caminho Místico




Nos dias de hoje, quando se fala em espiritualidade, muitos pensam logo na espiritualidade mística. Esta é uma tendência mundial atual, acho que tem a ver com uma certa mudança sutil que anda em curso no Inconsciente Coletivo e acho também que seria adequado iniciarmos essa postagem com algumas definições anônimas diversas a respeito da Mística: o que é a Mística?


# "É a insistência de que tudo o que é... não é tudo!";

# "É o engajamento na busca do Deus-Mistério";

# "É a experiência de Deus";

# "Místico é tudo aquilo ou aquele(a) que, mediante a contemplação espiritual, procura atingir o estado de êxtase de união direta com a divindade";

# "O místico é alguém que vive do encontro pessoal com Deus";

# "O místico é aquele que aspira a uma União pessoal ou à Unidade com o Absoluto, que ele pode chamar de Deus, Cósmico, Mente Universal, Ser Supremo, etc.'...


Faço questão de não citar as fontes dessas definições curtas, porque quando se trata de entender o que é a Mística, não há o que se explicar, não interessa o nome de quem falou, onde está escrito... tudo que nos interessa, nesse caso, é a idéia em si e por si mesma. De qualquer modo, percebemos que as principais interpretações do termo não se excluem, não se anulam entre si, mas se complementam ou se aperfeiçoam.

A via mística está muito em voga nos dias de hoje, e a grande maioria logo pensa em procurá-la no Budismo, no Hinduísmo ou no Sufismo, entre outras tradições orientais. - Eu fui um desses. - Os que anseiam por uma espiritualidade mística, via de regra, nem sequer cogitam buscá-la no Cristianismo, e a “culpa” desse fenômeno, ao meu ver, é em grande parte das próprias igrejas, o que já é uma outra longa história.

Mas a verdade é que a tradição cristã sempre foi caracterizada por fortes correntes místicas. - A Mística estava presente na mensagem do Cristo desde o princípio. - O alemão Karl Rahner, um dos mais importantes teólogos do século XX, proferiu a famosa frase:


"O cristão do futuro será um místico, ou não existirá mais."


Rahner entende "um místico" como alguém que não apenas "ouviu falar" de Deus ou leu a seu respeito em algum lugar, mas o experienciou, e o percebe, vivenciando-o. Essa é uma bela definição do ser místico.

Quando acentuamos o Caminho Místico no Cristianismo, criamos, ao mesmo tempo, uma ligação com os místicos das outras religiões; pois os representantes da Mística, desde que estejam nesse caminho com uma real disposição e empenhados verdadeiramente na Busca, passam por experiências semelhantes entre si... Esses buscadores, independente da religião que professem, não apenas se respeitam como também se estimam uns aos outros, e não pensam em “converter-se” mutuamente. - E assim interpretam suas experiências cada um a sua maneira. - Há interpretações de fato bem diferentes de uma mesma realidade na Mística cristã, na hinduísta, na budista...

Ocorre que hoje há tão pouca clareza no uso da palavra “Mística” quanto no entendimento do conceito de “espiritualidade”. É muito fácil perceber que não são poucos os que se definem como "místicos" sem saber exatamente o que isso quer dizer. Mas os representantes da verdadeira Mística, em qualquer religião, sempre foram cautelosos quanto a se chamarem a si mesmos de místicos. Relataram suas experiências e o caminho da meditação ou da oração contemplativa, mas nunca sucumbiram ao perigo de se identificar com a imagem arquetípica do "místico".

Agostinho, assim como C. G. Jung, sempre vê na identificação com uma imagem arquetípica o perigo da vaidade. Ele entendeu que, quando não levamos em conta as nossas reais necessidades, nós as vivemos inconscientemente com maior intensidade. Segundo esses mestres, quando alguém se identifica com a imagem do "místico", vive a sua necessidade de ser alguém especial, importante, e muitas vezes o que está por trás desse desejo é a ânsia de ser notado e de se colocar acima dos outros: “Como uma ‘pessoa mística’, me torno mais interessante”... - Este não é um sentimento espiritual saudável.


“Infelizmente, vejo essa tendência hoje, em muitos que se afirmam místicos. Por isso, sempre tomo cuidado quando alguém me pergunta se sou 'um místico'. Estimo o caminho místico e realmente procuro segui-lo; todavia, nunca me chamarei ‘místico’.” - Anselm Grün


Na Mística Cristã há, sobretudo, duas tendências: a Mística da União e a Mística do Amor. Sem dúvida, não se podem separar nitidamente uma da outra; pois a Mística da União está compenetrada de Amor, e na Mística do Amor trata-se da União com o Bem-amado Cósmico. Mas nas duas tendências podemos distinguir alguns acentos diferentes.

Na Mística da União visa-se a experiência do ser puro. Em silêncio, uno-me com Deus. Em silêncio, torno-me Um com Deus e, ao mesmo tempo, um com o momento atual, um comigo mesmo e com tudo que existe. Nessa experiência de União, que na tradição se chama Comunhão, Deus não é mais experimentado como estando diante de nós, mas como fundamento de todo o ser. No Cristianismo, Deus é sempre ao mesmo tempo pessoal e suprapessoal. Não é eliminada a lembrança de Deus como “Vós”, mas ela fica em segundo plano.




A mística grega antiga era, sobretudo, uma Mística de União. O que aí se busca são experiências da Grande Presença. Enquanto estou totalmente neste momento, - o Agora, - totalmente unido com tudo o que existe, experimento, afinal, também a base de todo o ser: Deus, que me compenetra como sendo o Ser verdadeiro e Único. Para muitos que têm dificuldades com o Cristianismo, a Mística da União seria um bom caminho para entrarem novamente em contato com a sua própria base divina e, desse modo, se tornarem abertos para aquele Deus totalmente diferente e ao mesmo tempo tão igual, que não podemos compreender, mas sentir.

Na Mística do Amor trata-se, de um modo bastante feminino, do Amor a Deus que se aproxima da humanidade. A mística do Amor, praticada pelas “beguinas”, - mulheres que, sem pronunciar votos, viviam livremente em grupos espalhados pelos países baixos e Bélgica, na Idade Média (séculos XIII e XIV), - era sobretudo uma mística nupcial. Para elas, Jesus era o "noivo" que abraça a alma mística. Essas místicas falavam sobre suas experiências numa linguagem quase erótica, e nesse processo era muito apreciada a interpretação do "Cântico dos cânticos", livro do Antigo Testamento. - Esses cânticos são utilizados para se expressar o Amor de Deus, e as místicas falam sobre o "namoro divino", em que podiam alegrar-se da proximidade de seu sublime "noivo". Mechthild von Magdeburg refere-se até ao "Leito do Amor", em que ela podia descansar com seu Bem-amado. Nem preciso mencionar o alto grau de intimidade com o Divino que precisamos sentir para exercer uma tal espiritualidade em nossas vidas. - Mas a Mística do Amor também sempre se refere a um “Vós”; a União com o Amado nunca é entendida como "ser a mesma coisa que" ou "ser igual" a Ele. Ser um com Deus é estar nEle, ter o "eu" dissolvido nEle, é estar liberto do ego, dos apegos, das mesquinharias, do medo... em perfeita Harmonia e Liberdade.

O Concílio de Calcedônia, no ano de 451 de nossa era, definiu a União do ser humano com Deus, na experiência mística, como “sem mistura e sem separação”. – Na experiência da União, estamos totalmente unidos com Deus. - Somos uma só realidade com Deus, mas ao mesmo, esse Deus continua impossível de ser conquistado. Não podemos dominá-lo ou tê-lo completamente.

Tanto a Mística da União como a Mística do Amor ensinam que a perfeita União com Deus, neste nosso mundo, ainda não pode ser perene ou permanente. Ela dura um momento e se dissolve. Depois disso, vive-se novamente o estar separado de Deus. Místicos vivem sempre a tensão entre o estar unido e o estar separado, entre integração e dilaceramento. Essa é a razão primeira de existirem as formas religiosas, as práticas, a oração, a liturgia, a meditação... todos esses são elementos do chamado Caminho de Volta, a eterna saga do Filho Pródigo .

Os primeiros monges ascetas sempre se esforçaram por realizar a exortação da Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses: “Orai continuamente”, - I Ts 5:17.

A oração foi e continua sendo para os monges cristãos um caminho concreto para buscar a desejada sintonia divina permanente. A oração era associada com a pulsação do coração, que é sempre contínua, enquanto estivermos vivos. Para eles, mesmo quando a pessoa não está orando conscientemente, é preciso conduzir a vida como se fosse uma grande oração, em todos os seus atos, pensamentos, intenções... Para Agostinho, a "Saudade" era o caminho perfeito para essa oração sem interrupção. Não podemos falar sempre com Deus, nem levantar sempre as mão e nem ficar sempre ajoelhados. Mas a "Saudade" de Deus deveria estar sempre em nós. Orar, para Agostinho, é a arte do despertar em nós a Saudade divina.


“Se não quiseres interromper a oração, então não interrompas a Saudade de Deus. A tua ininterrupta Saudade é a tua voz de oração ininterrupta.” - Sto. Agostinho


Quando estamos em contato com essa sublime Saudade, então nosso coração está com Deus. Na Saudade, Deus gravou o seu vestígio dentro dos nossos corações. Para Agostinho, a mística consiste em manter “acordada” e sempre viva a Saudade de Deus, na qual Ele se mantém presente no coração humano. Quando percebemos em nós essa Saudade, já alcançamos, para além deste mundo, o Mundo de Deus. Assim, temos dentro da nossa alma uma âncora, que nos mantém firmes e nos faz “penetrar além do véu” (Hebreus 6:19).

Curioso é que, séculos depois de Agostinho, Friedrich Nietzsche, um dos maiores inimigos declarados do Cristianismo e da religião, no seu tempo, surpreendentemente colocou de maneira muito similar a relação entre saudade e Mística. Ele declarou que “onde a saudade e o desespero se acasalam, há mística”.

A Mística não é uma espécie de posse, da qual possamos nos orgulhar, ou algo que nos envaideça por essa nossa suposta qualidade de “pessoa mística”. - A verdadeira Mística nasce exatamente no lugar do nosso desespero. Sim. Lá, onde nos desesperamos de nós mesmos, porque nada nos sustenta mais e percebemos que nossa a existência não tem fundamento por si mesma.

Então, se não nos deixamos afundar no desespero, mas o combinamos com a Saudade, aí acontece o “salto” para dentro de Deus: aquele Deus totalmente diferente, no qual não conseguimos ainda nos organizar ou nos acomodar confortavelmente, mas que nos recolhe enquanto, no meio do desespero dessa insaciável Saudade santa, tivermos confiança nEle, entregando-nos ao inalcansável.

Nietzsche inadvertidamente entendeu algo da Mística Cristã, ao combinar saudade com desespero. A Mística não é algo que podemos exigir de nós mesmos. A Mística é, antes, sempre esse salto, do desespero do próprio eu para dentro do Mistério inalcansável e Infinito, que nos acolhe, conforta e ilumina.


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Fonte e bibliografia
Esta postagem contém trechos da obra:
JOHNSON, Paul. História do Cristianismo, Rio de Janeiro: Imago, 2001, pp 11-14.


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