quarta-feira, 16 de julho de 2008

Cristianismo: fontes documentais


Para falar de Cristianismo também é preciso começar do começo, e já conhecemos aqui e aqui um rápido esboço a respeito de como eram o lugar e a época em que Jesus veio ao mundo. O próximo passo é uma análise das principais fontes que temos a respeito de sua vida e obra. Não haveria como começar de outra maneira que não pelos Evangelhos e as cartas do Novo Testamento...

"Se um autor, vindo de uma província distante perdida no meio de um continente desconhecido chegasse a um editor com um manuscrito redigido em uma língua misteriosa e anunciasse que sua obra seria traduzida em 1435 línguas e dialetos; que seria lida durante dois milênios por centenas de milhões de leitores de todos os continentes, entre todas as nações da Terra; que ela inspiraria a fundação de três religiões universais, de milhares de confissões e seitas; que provocaria revoluções e guerras, e ao mesmo tempo suscitaria, com semelhante intensidade, entregas místicas e heroísmos nunca antes vistos; que, dois ou três milênios após ter sido escrita, ela continuaria a ser vendida em todo o mercado editorial do mundo com edições de milhões de exemplares por ano; e que, enfim, uma enorme parte da humanidade veria nela um último recurso e sua única esperança de salvação, é preciso dizer como ele seria recebido?

É, no entanto, esta impossível aposta que a Bíblia realiza no campo do pensamento e de sua transmissão que, de fato, superou todos os limites de espaço e venceu o tempo todo. Este livro de Israel escrito em hebraico e em aramaico e, em grego - Novo Testamento, não surpreende apenas pela universidade e pela longevidade de sua carreira: o que faz mais ainda, talvez, ao falar ao homem de todas as idades, em todas as línguas, em todos os seus níveis de consciência e de cultura.

Se um milagre é o que torna real o impossível, estamos diante de um "milagre" no campo da comunicação universal. Ora, em plena era atômica é possível ler sob uma nova luz este documento único, escrito nas idades do bronze e do ferro."


André Chouraqui


Estamos falando do livro que é considerado sagrado para judeus, cristãos, muçulmanos e para uma infinidade de seitas ao redor do nosso planeta. Para os cristãos, o centro absoluto deste livro sagrado é um homem, que para muitos foi bem mais do que uma homem. – Entre seus títulos bíblicos, citarei alguns:

O Messias, o Cristo, Filho de Deus, Filho do Homem, Príncipe da Paz, Filho de Davi, Leão de Judá, Cordeiro de Deus, Bom Pastor, o Alfa e o Ômega, Princípio e Fim, o Vivo, o Braço do Senhor, Autor e Consumador da Fé, Autor da Salvação, o Filho Amado, Consolador de Israel, Pedra Angular, o Conselheiro, Sol Nascente, o Libertador, A Porta, o Eleito de Deus, o Primogênito, Glória do Senhor, o Guia, o Sumo-Sacerdote, o Herdeiro, o Santo Servo, o Santo de Deus, Salvação dos Homens, o Eu Sou, Imagem de Deus, Emanuel, o Justo, o Rei dos Séculos, o Rei dos Reis, Cordeiro de Deus, Caminho, Verdade, Vida, Luz do Mundo, o Mensageiro da Aliança, o Messias, a Estrela da Manhã, o Príncipe da Vida, o Profeta, a Ressurreição e a Vida, a Rocha, Palavra de Deus, Salvador, Filho do Altíssimo, Filho da Justiça, Verdadeira Luz, a Videira Verdadeira, o Verbo, o Pão da Vida...


Filologia: a história manuscrita do Novo Testamento

Copista medieval

Num período de quase 1500 anos o Novo Testamento foi copiado à mão em papiro e pergaminho. Temos notícia de uns 5500 manuscritos espalhados em museus e bibliotecas pelo mundo afora. Os documentos vão desde fragmentos de papiro até Bíblias inteiras em grego, produzidas a partir da invenção da imprensa. Na idade média os livros eram escritos pelos copistas, à mão. Precursores da taquigrafia, os copistas simplificavam o trabalho substituindo letras, palavras e nomes próprios por símbolos, sinais e abreviaturas. Não era por economia de esforço nem para o trabalho ser mais rápido. O motivo era de ordem econômica: tinta e papel eram valiosíssimos.Foi assim que surgiu o til (~), para substituir uma letra (um 'm' ou um 'n') que nasalizava a vogal anterior. Um til é um enezinho sobre a letra, pode olhar.

É notório que nem todos os manuscritos concordam. Pequenas variações requerem uma avaliação cuidadosa para determinar o que o autor realmente escreveu. Não existindo mais nenhum manuscrito original, vamos depender tão somente de cópias dos textos-fontes de autores apostólicos. Por isso precisamos da crítica textual.

A quase totalidade dos pesquisadores acredita que a Bíblia é plena e verbalmente inspirada no seu original, já que, para os copistas, deturpar o sentido original da mensagem que eles consideravam sagrada seria um pecado mortal. A intenção do filólogos é a de procurar dar a maior segurança possível ao leitor quanto à fidedignidade da fonte grega de todas versões que temos hoje.

O apóstolo Paulo diz em sua carta aos gálatas: “Vede com que letras grande vos escrevi de meu próprio punho” (6.11). Imaginemos como seria impressionante poder ver a epístola no original, ou ver como o apóstolo assinava seus textos. Infelizmente, porém, os originais desaparecem e o confronto da cópia de um manuscrito com o original, para verificar a correspondência entre os respectivos textos e assim analisar a maior ou menor autoridade para escolha do texto exato é impossível.

É importante percebermos que uma das razões para o fim prematuro dos autógrafos (originais) do Novo Testamento foi a pouca durabilidade do papiro, que não durava muito mais que o nosso papel atual. É bem possível que os cristãos primitivos tenham lido e relido os originais até que se desfizeram por completo. Mas antes que os textos desaparecessem, eles foram copiados.

Até a invenção da imprensa, muitos erros foram cometidos, resultado natural da fragilidade dos copistas. E obviamente, à medida que aumentavam as cópias, mais cresciam as divergências entre elas. Afinal, cada copista acrescentava os próprios erros àqueles já cometidos pelo anterior. O objetivo da Crítica Textual tem sido o de avaliar as fontes e reconstruir o texto com a maior probabilidade possível de ser idêntico ao original.

O texto sagrado já estava completo por volta do ano 100, sendo que a grande maioria dos livros que o compõem já exista há pelo menos 20 anos antes dessa data, alguns até 50 anos antes, e de todas as cópias manuscritas que chegaram até nós, as melhores e mais importantes são as do século IV. Isso faz com que o Novo Testamento seja a obra mais bem documentada de toda a Antigüidade.

Fragmento de um texto bíblico neo-testamentário de mais de 1.00 anos

Só para ilustrar a afirmação acima, podemos dizer que os clássicos gregos e latinos, cuja autenticidade poucas pessoas questionam, possuem um espaço muito maior entre os autógrafos e as cópias. Por exemplo, a cópia mais antiga que se conhece de Platão foi escrita 1300 anos depois de sua morte! O único clássico que se aproxima do Novo Testamento é Virgílio, falecido no ano 8 aC, de quem encontramos um manuscrito completo de suas obras no século IV dC.

Nesse aspecto, a situação do Novo Testamento é bem diferente. Temos manuscritos do século IV, em pergaminho, e um número considerável de fragmentos em papiro de praticamente todos os livros que compõem o Novo Testamento, que nos levam até o século III, e alguns até o século II. - Há também uma outra prova documental que remontaria até a época da vida do próprio Jesus Cristo, que, embora polêmica, não deve ser descartada. - Você pode adquirir o documentário a respeito aqui.

Há um grande número de documentos disponíveis. Conforme dito no início, existem cerca de 5500 manuscritos gregos (língua do Novo Testamento) completos ou fragmentados, e aproximadamente 1300 manuscritos das versões e milhares de citações dos Pais da Igreja. Ou seja, o problema não está na falta de evidências textuais, mas no excesso. Este é, porém, um problema que resulta em vantagem, afinal temos uma multiplicação de manuscritos que oferecem ensejo para a correção dos pequenos erros e muito mais elementos de comparação. Isso faz com que o texto tenha muito mais apoio crítico do que qualquer outro livro do período histórico antigo.

O processo filológico envolve também um número assustador de variantes. Num processo natural de multiplicação de manuscritos, por um período de mais ou menos 1400 anos, foram surgindo inúmeras variações textuais. Variações que são de pouca importância doutrinária; por exemplo, variações na ordem de palavras, no uso de diferentes preposições e outras, o que na prática seria impossível de se representar na língua portuguesa.


Fontes e bibliografia:
Profº Nataniel dos Santos Gomes (UNESA);
ALLEN, Clifton J. Comentário Bíblico Broadman: Novo Testamento 1-5. Vols. 8-12. Rio de Janeiro: JUERP, 1983-1985;
BALLARINI, Teodorico (dir). Introdução à Bíblia. Tradução Frei Simão Voigt. Petrópolis: Vozes, 1968;
Bíblia de Jerusalém, (A). Nova edição revista. São Paulo: Paulinas, 1986;
Bíblia online: a maior biblioteca da Bíblia em CD-ROM no Brasil: Barueri, Sociedade Bíblica do Brasil, 1998.


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