sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Os Profetas #4

Abaixo a idolatria!

O o maior problema da idolatria obviamente está no fato de as pessoas confundirem uma imagem, seja pintura ou escultura, construída com amoroso cuidado, com a Realidade inefável a que ela se refere. Mais tarde, na história da idéia de Deus, cristãos e muçulmanos trabalharam essa noção primitiva da Realidade Absoluta e chegaram a uma concepção mais próxima das visões hindu e budista. Alguns, porém, nunca conseguiram dar esse passo completamente, achando que sua concepção de Deus seria idêntica ao Mistério Último.

Os perigos de uma religiosidade idólatra tornaram-se claros por volta de 622 aC, no reinado do rei Josias de Judá. Ele estava ansioso para reverter as políticas sincretistas dos seus antecessores, os reis Manassés (687-42 aC) e Amon (642-40 aC), que haviam estimulado o povo a adorar os deuses de Canaã juntamente com Javé. Na verdade, Manassés pôs uma estátua de Asherah no Templo, onde havia um florescente culto da fertilidade. Muitos israelitas eram devotos de Asherah, e alguns achavam que ela era “esposa” de Javé. Mas Josias estava determinado a promover o culto puro a Javé, e assim decidiu fazer extensos reparos no Templo.

Nessa mesma época, o sumo-sacerdote Ilquias descobriu um antigo manuscrito: uma versão do último sermão de Moisés aos filhos de Israel. Ele o deu ao secretário de Josias, Shapan, que o leu em voz alta na presença do rei. Ao ouvi-lo, o velho rei rasgou as vestes, horrorizado: não admirava que Javé estivesse tão furioso com seus ancestrais! Eles haviam deixado de obedecer, completamente, às instruções dadas a Moisés:

Em seu último sermão, Moisés é ordenado a dar uma nova centralidade à Aliança. Javé marcara seu povo, distinguindo-o de todas as outras nações, não devido a algum mérito, mas por seu grande Amor. Em troca, exigia completa lealdade e uma feroz rejeição a todos os outros deuses. É quase certo que o “Livro da Lei” descoberto por Ilquias era o núcleo do texto que hoje conhecemos como Deuteronômio. O núcleo do Deuteronômio inclui a declaração que mais tarde se tornaria a profissão de fé judaica:

“Ouve (shemá) Israel! Javé nosso Elohim é o único (ehad) Elohim! Amarás pois Javé com todo teu coração, com toda a tua alma, e com todo o teu poder. E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração.” - Deuteronômio, 6:4-6

Quando recitam hoje o “Shemá”, os judeus dão-lhe uma interpretação monoteísta: nosso D'us é único. Mas o deuteronomista não atingira ainda essa perspectiva. “Javé ehad” não queria dizer, necessariamente, que só havia um Deus, mas que a um só era permitido adorar. Os outros deuses continuavam sendo um ameaça: seus cultos eram sedutores e podiam afastar de Javé os israelitas, que era um Deus “ciumento”. Se obedecessem as Leis de Javé, ele os abençoaria e lhes traria prosperidade, mas se o desertassem, as conseqüências seriam devastadoras.

“E desarraigados sereis da terra à qual tu passas a possuir. E Javé vos espalhará entre todos os povos, desde uma extremidade da Terra até a outra extremidade(...) E tua vida estará como em suspenso diante de ti (...) Pela manhã dirás: Ah, quem me dera ver a noite! E à tarde dirás: Ah, quem me dera ver a manhã! Pelo pasmo de teu coração e pelo que verás com os teus olhos.” - Deuteronômio, 28:64-68

Quando ouviram essas palavras no fim do século VII aC, o rei Josias e seus últimos súditos estavam para enfrentar uma nova ameaça política. Tinham conseguido manter os assírios a distância e assim evitar o destino das dez tribos do Norte, que haviam sofrido os castigos descritos por Moisés. Mas, em 600 aC, o rei Nabucodonosor, da Babilônia, esmagaria os assírios e começaria a erguer seu próprio império.

Nessa atmosfera de extrema insegurança. As políticas do deuteronomista parecem ter causado grande impacto. Longe de obedecer às ordens divinas, os dois últimos reis de Israel haviam deliberadamente cortejado a tragédia. Josias iniciou de imediato uma reforma, agindo com zelo exemplar. Todas as imagens, ídolos e símbolos de fertilidade foram retirados do Templo e queimados. Josias também derrubou a grande efígie de Asherah e destruiu os aposentos de prostitutas sagradas do Templo, que ali teciam suas vestes para ela. Todos os antigos santuários no país, que haviam sido enclaves do paganismo, foram destruídos. Daí em diante, os sacerdotes só tinham permissão de fazer sacrifícios a Javé no purificado Templo de Jerusalém. O cronista, que registrou as reformas de Josias quase trezentos anos depois, dá uma eloqüente descrição desse zelo:

“E derrubaram perante ele (Josias) os altares de Baalim; e cortou as imagens do Sol, que estavam acima deles; e os bosques e as imagens de escultura e de fundição quebrou e reduziu a pó, e os espargiu sobre as sepulturas dos que lhes tinham sido sacrificados. E os ossos dos sacerdotes queimou sobre seus altares; e purificou a Judá e a Jerusalém. O mesmo fez nas cidades de Manassés e de Efraim e de Simeão, e ainda até Naftali; em seus altares ao redor, assolados. E tendo derrubado os altares e os bosques e as imagens de escultura, até reduzi-los a pó, e tendo cortado todas as imagens do sol em toda a terra de Israel, então voltou para Jerusalém.” - II Crônicas, 34:5-7

Jeremias lamentando a destruição de Jerusalém

Os reformadores reescreveram a história de Israel. Os livros históricos de Josias, Samuel e Reis foram revisados segundo a nova ideologia, e depois os editores do Pentateuco acrescentaram trechos que davam uma interpretação deuteronomista do mito do Êxodo às demais narrativas, mais antigas.

Devemos observar que nem todos os israelitas endossavam o deuteronomismo nos anos que levaram à destruição de Jerusalém por Nabucodonosor, em 587 aC, e à deportação dos judeus para a Babilônia. Em 604 aC, ano da ascensão de Nabucodonosor, o profeta Jeremias reviveu a perspectiva iconoclasta de Isaías, que virou a doutrina triunfalista e a crença de que os judeus eram o "povo eleito" de cabeça pra baixo: segundo ele, Deus usava a Babilônia como seu instrumento para punir Israel, e agora era a vez de Israel ser “posto em espanto”. Iriam para o exílio por setenta anos. Quando o rei Joaquim ouviu esse oráculo, arrancou o rolo da mão do escriba, rasgou-o em pedaços e o jogou no fogo. Temendo por sua vida, Jeremias foi obrigado a esconder-se.

A carreira de Jeremias mostra os imensos sofrimentos e esforço, implicados nessa concepção mais desafiadora de Deus. Ele detesta ser profeta, e estava profundamente angustiado por ter de condenar o povo que amava. Não era um agitador por natureza, mas um homem de coração manso. Quando lhe veio o Chamado, clamou em protesto: “Ah, Senhor, vede: eu não sei falar; sou uma criança!”. E o Senhor “estendeu a mão” e tocou os lábios dele, colocando-lhe na boca Suas Palavras. A mensagem que ele tinha de articular era ambígua e contraditória: Para arrancares, e para derrubares, e para destruíres, e para arruinares. E também para edificares e para plantares” (Jeremias, 1:6-10). Estes extremos, inconciliáveis entre si, provocavam agonia e tensão em Jeremias. Ele sentia Deus como uma dor que lhe convulsionava os membros, partia o coração e o fazia cambalear como um bêbado. A experiência profética do mysterium terrible et fascinans (‘Mistério Terrível e Fascinante’) era ao mesmo tempo violência e sedução:

“Seduziste-me, oh Senhor, e seduzido fiquei;
mais forte foste que eu, e prevaleceste (...)
Então disse eu: Não me lembrarei dele,
E não falarei mais no seu Nome;
Mas foi no meu coração como fogo ardente,
Encerrado nos meus ossos;
E fiquei fatigado de sofrer,
E não pude”
- Jeremias, 20:7-9

Jeremias sentia-se puxado por Deus para duas direções diferentes, ao mesmo tempo: por um lado, ele sentia uma profunda atração para Javé, o que tinha toda a doce entrega de uma sedução, mas em outros momentos sentia-se devastado por uma força que o carregava contra a sua vontade.

Desde Amós, o profeta era um homem entregue a si mesmo. Ao contrário de outras áreas do mundo civilizado na época, o Oriente Médio não adotou uma ideologia religiosa de ampla união. O Deus dos profetas obrigava os israelitas a desligar-se da consciência repleta de mitos do Oriente Médio e seguir numa direção bastante diferente da tendência geral. Na agonia de Jeremias, podemos ver que imensa sensação de deslocamento estava envolvida nisso.

Até o deuteronomista, cuja imagem de Deus era menos ameaçadora, via um encontro com Javé como arrasador e abrasivo: na sua descrição, Moisés explica aos israelitas, apavorados pela perspectiva de contato direto com Javé, que Deus lhes enviará um profeta em cada geração, para suportar a força do impacto divino.


Fontes e bibliografia:
"A History of God, the 4000 year quest of Judaísm, Cristianity and Islam", 1993 - Karen Armstrong.


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Os Profetas #3

Amor, e não sacrifício!

As antigas religiões cananéias ainda floresciam em Israel. No século X aC, o rei Jeroboão I estabelecera o culto de dois touros nos santuários de Dan E Beth-El. Duzentos anos depois, os israelitas ainda participavam de ritos de fertilidade e sexo ritual ali, como vemos nos oráculos do profeta Oséias, contemporâneo de Amós. Alguns israelitas pareciam pensar que Javé tinha uma esposa: arqueólogos desenterraram recentemente inscrições dedicadas "A Javé e sua Asherah". Oséia irritava-se particularmente com o fato de Israel estar violando os temos da Aliança ao adorar "outros deuses". Como todos os novos profetas, ele se preocupava com o sentido interior e real da Religião. Ele esreve a Palavra de Deus:

“Eu quero o Amor (hesed) e não o sacrifício; e o Conhecimento de DEUS (daath Elohim), e não holocaustos”.

Não se referia a um conhecimento teológico, como entendemos hoje: a palavra “daath” vem do verbo hebraico “yada”: conhecer, que tem conotações íntimas e pessoais. Na velha religião cananéia, Baal "casara-se" com a terra, e o povo comemorava esse feito com orgias rituais. Oséias lembrava ao povo que, desde a Aliança, Javé substituíra Baal e “desposara” o povo de Israel. Eles tinham de compreender que era Javé, e não Baal, o portador da verdadeira Vida, em todos os sentidos:

“E será naquele dia, diz Javé,
que ela me chamará: ‘Meu marido’;
e não me chamará mais: ‘Meu Baal’.
E da sua boca tirarei os nome de Baalim,
e os seus nomes não virão mais em memória.”


Especialmente interessante é notar que essa passagem vai além de expor o erro do povo em clamar por algum "outro deus": ela dá a entender que esse povo estava, mesmo sem saber, clamando pelo Único Deus, equivocadamente, na figura inadequada de "Baal": "...não me chamarás mais: 'Meu Baal...'" - ou seja, é como dizer "não me chamarás por um nome impróprio. Não deverás continuar a me ver e compreender sob essa forma inadequada. Eu não estou realmente aí - eu sou outro, estou em outro lugar".

Enquanto Amós atacava as injustiças sociais, Oséias cuidava da falta de sentido real e interior na religião israelita: o “conhecimento” de Deus a que se refere se relacionava a “hesed” dando a entender uma apropriação e um vínculo interiores que seriam o real sentido da religião e que eram mais importantes do que as observâncias exteriores.

Oséias nos dá uma espantosa visão do modo pelo qual os profetas estavam desenvolvendo sua concepção de Deus. Veremos que eles muitas vezes eram inspirados a tornar suas próprias vidas como complicadas “mímicas” para demonstrar a difícil situação de seu povo. No caso de Oséias, isso se dá de maneira chocante. - Ele é orientado a se casar com uma “prostituta” (‘esheth zeunnim’), porque o país se tornara “nada mais que uma prostituta abandonando seu Deus”. Mas “esheth zeunnim” quer dizer, literalmente, “uma esposa de prostituição”, talvez uma mulher de temperamento promíscuo ou uma prostituta “sagrada” a algum culto de fertilidade. Talvez mesmo uma atendente do culto de Baal.

Queda dos profetas de Baal - Gustave Doré

Oséias conhece Gomer, se apaixona e a desposa. O seu casamento seria um símbolo do relacionamento entre Deus e a infiel nação Israel. De fato, depois do casamento, Gomer se torna adúltera e se prostitui, até deixar sua casa e ser comprada por um amante.

A infidelidade de sua esposa foi para o profeta Oséias uma experiência dilacerante. Ele pôde intuir como Javé deveria “sentir-se” quando seu povo e desertava e se prostituía em busca de deuses como Baal. No princípio, Oséias foi tentado a denunciá-la e nada mais ter com ela. Na verdade a Lei estipulava que o homem devia divorciar-se de uma esposa infiel. Mas Oséias amava Gomer, e acabou indo atrás dela e comprando-a de volta de um novo amo. Viu seu desejo de reconquistar a amada, mesmo que ela não o merecesse, como um sinal de que Javé estava disposto a dar uma outra oportunidade a Israel.

Os profetas atribuíam seus próprios sentimentos e experiências humanos a Deus: Isaías, membro da família real, via Javé como um Rei. Amós atribuía sua empatia com os pobres sofredores a Deus. Oséias via o Senhor como um marido traído que continuava sentindo Amor e compaixão por sua esposa. Toda religião deve começar com um certo antropomorfismo (isto é, atribuir características humanas à Divindade). A idéia de um Deus completamente distante, como o Motor Imóvel de Aristóteles, não poderia inspirar uma busca espiritual. Enquanto não se torna um fim em si, essa projeção pode ser útil e até benéfica. Deve-se dizer que esse “retrato imaginativo” de Deus em termos humanos inspirou uma preocupação que não está presente no hinduísmo, por exemplo, nem em outras religiões transcendentes antigas. Os judeus seriam o primeiro povo do mundo antigo a estabelecer um sistema assistencial aos pobres e desfavorecidos, que causava admiração nos seus vizinhos pagãos.

Mas a vitória de Javé (ou da idéia de Deus dos judeus) foi arduamente conquistada. Envolveu tensão, violência e confronto, e sugere que a nova religião do Deus único não se consolidou com facilidade entre os israelitas. Esta idéia de Deus não parecia capaz de transcender as velhas divindades de maneira natural, pacífica. Elas tiveram que ser expulsas do imaginário popular à força. Assim, no Salmo 82, nós vemos Javé fazer uma jogada pela liderança da Assembléia Divina, que desempenhara papel importantíssimo nos antigos mitos babilônico e cananeu:

“Javé está no conselho de El;
julga no meio dos Deuses:

‘Até quando julgareis injustamente,
e aceitareis as pessoas dos ímpios (selah)!
Fazei justiça ao pobre e ao órfão,
Justificai o aflito e o necessitado,
Tirai-o das mãos dos ímpios!
Eles não conhecem nem entendem, andam em trevas,
todos os fundamentos da Terra vacilam.
Eu disse: Vós sois Deuses,
E todos vós filhos de El Elyon.
Todavia morrereis como homens,
E caireis como quaisquer dos príncipes.”

A idéia do Deus de Israel se levantava para confrontar o conselho sobre o qual presidia El desde tempos imemoriais. Os “outros deuses” eram acusados de não corresponderem ao desafio social da sua época. Nos velhos tempos, a consciência dos israelitas estivera disposta a aceitar aos demais deuses como diferentes concepções da manifestação divina, como "filhos de El Elyon” (‘Deus Altíssimo’) mas agora essas concepções obsoletas estavam condenadas a murchar como homens mortais. Não apenas o salmista descreve Javé condenando seus “companheiros” divinos à morte, mas, ao fazê-lo, assume a prerrogativa tradicional de El, que, aparentemente, ainda tinha defensores em Israel.

A compreensão dos antigos judeus caminhava, lenta e inexoravelmente, para uma noção mais abrangente, evoluída, transcendental e elevada do DEUS UNO.


Fontes e bibliografia:
"A History of God, the 4000 year quest of Judaísm, Cristianity and Islam", 1993 - Karen Armstrong;
EstudosdaBiblia.Net (Karl Hennecke / Dennis Allan, USA).


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quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Os profetas #2

O sentido da Religião

Enquanto a idéia de Deus de Moisés era triunfal, a de Isaías estava repleta de mágoa. A profecia, como chegou até nós, começa com um lamento ofensivo ao povo da Aliança: "O boi e o asno conhecem seus donos, mas Israel não conhece nada...”. Javé se mostrava absolutamente revoltado com os sacrifícios de animais no Templo, enojado pela gordura dos bezerros, sangue dos touros e cabras e a fumaça que subia dos holocaustos. Não suportava as cerimônias de ano novo e as peregrinações deles. Isso teria chocado a platéia de Isaías: no Oriente Médio, essas celebrações cultuais faziam parte da essência da religião. Os deuses pagãos dependiam das cerimônias para renovar suas energias; o prestígio deles dependia em parte da magnificência de seus templos. Mas agora, Javé assumia de uma vez a sua condição de Deus UNO, revelando que, na verdade, essas coisas eram absolutamente sem sentido. Como outros sábios e filósofos no mundo civilizado (o Oikumene), Isaías sentia que a observância exterior não bastava. Os israelitas deveriam descobrir o significado interior de sua religião. Javé queria mais compaixão do que sacrifício:

“Até quando multiplicais a oração
não ouço,

porque vossas mãos estão cheias de sangue.
Lavai-vos, purificai-vos,

tirai a maldade de vossos atos de diante dos Meus Olhos:
cessai de fazer o mal;

Aprendei a fazer o bem;
procurai a justiça,
ajudai o opresso,
fazei justiça ao órfão,
tratai da causa das viúvas.”


Os profetas haviam descoberto o predominante dever da compaixão, que se tornaria a marca distintiva de todas as grandes religiões formadas na Era Axial. Todas as novas ideologias que, nesse período, se desenvolviam no mundo civilizado insistiam em que o "teste de autenticidade" da religião era que a experiência religiosa se integrasse a vida diária. Não bastava mais limitar a observância do Templo ao mundo extratemporal do mito. Após a iluminação, o homem ou mulher deve voltar ao cotidiano e praticar a misericórdia para com todos os seres vivos.

O ideal social dos profetas estava implícito no culto de Javé desde o Sinai: a história do Êxodo acentuava que Deus estava do lado dos fracos e oprimidos. A diferença era que agora os próprios israelitas eram castigados como opressores. O que mais impressiona na história de Isaías, é que na época da sua visão profética, dois profetas já pregavam a mesma mensagem(!) no caótico Reino do Norte! Como explicar? Se você pretende estudar religião, desista da arte de "entender" e aplique-se um pouco mais a do "aceitar"...

A Mensagem renovadora de Deus se revelava a todos, a um só tempo: ricos e pobres, nobres e plebeus. O primeiro destes profetas, atuando no Reino do Norte, Amós, não era aristocrata como Isaías, mas um pastor que vivia originalmente em Tekoa, no Reino do Sul. Por volta de 752 aC, assim como Isaías, Amós também foi arrasado por um súbito Chamado que o levou ao Reino Setentrional de Israel. Ele irrompeu no antigo santuário de Beth-El e despedaçou o cerimonial ali com uma profecia de condenação. Amazias, então o sacerdote de Beth-El, tentou mandá-lo embora. Podemos ouvir a voz do sistema da época, em sua pomposa repulsa ao insólito pastor - naturalmente, ele imaginava que Amós pertencia a uma das corporações de adivinhos que vagavam em grupos e liam a sorte por dinheiro. “Vai embora, adivinho!”, disse com desdém. “Volta à terra de Judá; ganha lá o teu pão, faz lá as tuas profecias. Não queremos mais profecias em Beth-El. Este é o santuário real, o templo nacional.” Imperturbável, Amós ergueu-se em toda a sua altura e respondeu que não era nenhum pseudo-profeta errante, mas tinha um mandato direto de Javé: “Eu não era profeta, nem filho de profeta, mais boieiro, e colhia figos bravos. Porém Javé me tomou de detrás do gado, e me disse: ‘Vai-te, e profetiza ao meu povo Israel’. Portanto, não queria o povo de Beth-El ouvir a mensagem de Javé?

O profeta Amós - Gustave Doré

Fazia parte da essência da profecia o ser solitário. Uma figura como Amós era sozinha. Rompera com os hábitos e deveres do seu passado. Não era coisa que escolhera, mas que lhe acontecera. Parecia que fora arrancado dos padrões normais de consciência e que não podia mais operar os controles habituais. Amós não fora, como o Buda, absorvido na aniquilação de si mesmo do Nirvana; ao contrário, Javé tomara o lugar do seu ego e arrebatara-o para outro mundo.

Amós foi o primeiro dos profetas a enfatizar a importância da justiça social e da misericórdia. Como o Buda, tinha aguda consciência da agonia da humanidade sofredora. Na voz de Amós, Javé falava em favor dos oprimidos, dando voz ao sofrimento mudo e impotente dos pobres. Logo no primeiro verso da profecia que nos chegou, Javé, de seu Templo em Jerusalém, clama contra a miséria em todos os países do Oriente próximo, incluindo Judá e Israel. O povo de Israel era tão ruim quanto os “goyim” (‘gentios’): ignoravam a crueldade e a opressão para com os pobres, mas Javé não o faria. Ele observava cada caso de trapaça, exploração e espantosa falta de misericódia. “Jurou Javé pela glória de Jacó: Eu não me esquecerei de todas as suas obras, para sempre”.

Tinham eles de fato a temeridade de esperar o Dia do Senhor, quando Javé exaltaria Israel? Então teriam um choque: “Ai daqueles que esperam pelo ‘Dia do Senhor’! Para que, pois, vos será este Dia de Javé? Trevas será, e não de Luz”. Achavam que eram o Povo Eleito? Tinham entendido totalmente errado a natureza da Aliança, que significava responsabilidade e não privilégio: “Ouvi esta palavra que o Senhor fala contra vós, filhos de Israel” - exclamou Amós - “contra toda a geração que fez subir da terra do Egito, dizendo:

De todas as gerações da Terra vos conheci só;
portanto, todas as vossas iniqüidades visitarei sobre vós.”

A Aliança significava que todo o povo de Israel era eleito de Deus, e tinha portanto de ser tratado com decência. Deus não intervinha na História para glorificar Israel, mas para assegurar justiça social. Esse era o seu empenho na História e, se necessário fosse, usaria o exército assírio para impor a justiça em sua própria terra.

Fica mais fácil compreender porque a maioria dos israelitas tinha reusado o convite do profeta a entrar em diálogo com Javé. Preferiam uma religião de observância apenas cultual e menos exigente, no Templo de Jerusalém ou nos velhos cultos da fertilidade de Canaã. Infelizmente, não só entre israelitas, mas em todo o mundo religioso, continua sendo assim: a Religião da misericórdia é seguida apenas por uma minoria. A maioria contenta-se com uma decorosa e conveniente adoração na sinagoga, igreja, templo ou mesquita.


Fontes e bibliografia:
Profº Airton José da Silva;
"A History of God, the 4000 year quest of Judaísm, Cristianity and Islam", 1993 - Karen Armstrong.



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Os Profetas

Renascimento consciencial

Entre 800 e 200 aC, desde a Europa meridional até o Vale do Indo e à China, surgiram as maiores escolas filosófico-religiosas e os mais importantes textos sagrados do nosso mundo: os Upanishades, as Sutras budistas, as Tábuas da Lei e o Antigo Testamento, os Analectos de Confúcio, os textos de Dao De Jing e a obra de Platão. E também foi a era dos chamados Grandes Profetas, que trouxeram para o mundo antigo, e para a História como um todo, os fundamentos da idéia definitiva de Deus. Karl Jaspers, filósofo alemão, denominou esse momento de renascimento da humanidade como a "Era Axial", termo que foi amplamente aceito e adotado pelos eruditos.

Meditação de Isaías - Gustave Doré

Em 742 aC um membro da família real de Judá teve uma visão no Templo que Salomão construíra em Jerusalém. Era uma época de ansiedade para o povo de Israel. O rei Uzias de Judá morrera naquele ano, e fora sucedido por seu filho Acaz, que desejava estimular seu povo a adorar deuses pagãos juntamente com o Deus UNO, Javé. O reino de Israel, ao norte, achava-se em estado de quase anarquia; após a morte do rei Jeroboão II, cinco reis haviam-se sentado no trono entre 746 e 736 aC, enquanto o rei Tigleth Pilesar III, da Assíria, lançava olhares cobiçosos sobre as terras deles, ansioso por acrescentá-las ao seu território em expansão. Em 722, seu sucessor, o rei Sargão II, ia conquistar o reino do norte e deportar a população. As dez tribos setentrionais de Israel foram obrigadas a assimilar-se e desaparecer da História, enquanto o pequeno Reino de Judá receava pela própria sobrevivência.

Quando orava no Templo, pouco depois da morte de Uzias, Isaías provavelmente sentia muitas apreensões; ao mesmo tempo, talvez tivesse uma desconfortável consciência da impropriedade do pródigo cerimonial do Templo. Isaías pode ter sido um membro da classe governante, mas tinha opiniões democráticas, e era sensível à situação dos pobres, que vinham sendo, cada vez mais, marginalizados e oprimidos pelas classes mais abastadas da sua sociedade. As injustiças sociais imperavam no estado israelita, enquanto a riqueza se concentrava nas mãos de uma pequena elite e a maioria pobre sofria humilhações e privações de suas necessidades básicas. Com o incenso enchendo o santuário diante do Santo dos Santos (o aposento destinado a conter a Arca da Aliança com as Tábuas da Lei de Deus) e o lugar recendendo a sangue de animais sacrificados, ele talvez temesse que a religião de Israel houvesse perdido sua integridade e sentido interior.

Foi quando lhe pareceu ter visto o próprio Javé sentado em seu trono no Céu, acima do Templo, a réplica terrena da corte celestial. O séquito de Javé preencheu o santuário, e Ele era assistido por dois serafins, que cobriam seus rostos com as asas para não verem o dEle. Gritavam um para o outro, antífonamente: "Santo! Santo! Santo é Javé Sabaoth! Sua Glória inunda toda a Terra!". Ao som de suas vozes, todo o Templo estremecia nos alicerces e enchia-se de fumo, envolvendo Javé numa nuvem impenetrável, semelhante à nuvem e fumo que o haviam ocultado de Moisés no monte Sinai...

Quando usamos a palavra "santo", hoje, em geral nos referimos a um estado de excelência moral. O hebraico “kaddosh”, porém, nada tem a ver com moralidade enquanto tal, mas significa a condição de “outro”, separado do mundo das coisas ordinárias – uma separação total e absoluta. A aparição de Javé no monte Sinai enfatizava a imensa separação que existe entre o homem e o Mundo Divino. Agora os serafins gritavam: “Outro! Outro! Javé é outro!”. Isaías experimentou essa sensação do numinoso, que periodicamente baixava sobre homens e mulheres e os enchia de fascinação e terror. No clássico “A Idéia do Sagrado”, Rudolph Otto descreveu essa terrível experiência da realidade transcendente como o ”Mysterium terrible et fascinans” (‘Mistério terrível e fascinante’) - terrível porque se dá com um profundo choque que de repente nos isola da condição da normalidade em que vivemos e à qual que estamos acostumados, e fascinante porque, paradoxalmente, exerce uma atração irresistível. Nada, nada mesmo há de racional nessa experiência arrasadora, que Otto compara à da música: as emoções que engendra não podem ser adequadamente expressas em palavras ou conceitos.

Na verdade, não há como se “afirmar” que exista o senso do inteiramente Outro, porque não se dá em nosso quadro normal de realidade. A nova idéia de Deus da Era Axial era ainda a do “Senhor dos Exércitos” (sabaoth), mas não mais a do deus da guerra. Tampouco se parecia com uma divindade tribal, passionalmente em favor de um povo: sua Glória não mais se limitava à Terra Prometida, mas enchia toda a Terra. Isaías não era como Buda experimentando uma iluminação que trazia tranqüilidade e felicidade. Não se tornara o perfeito mestre de homens. Ao contrário, ele estava tomado de terror, gritando alto:

"Ai de mim! Estou morrendo, porquanto sou de lábios impuros e habito no meio de um povo impuro de lábios. Porque os meus olhos viram o Rei, Javé Sabaoth”

Dominado pela santidade transcendente de Javé, ele só conseguia ter consciência da sua incompetência e impureza ritual. Ao contrário do Buda ou de um yogue, ele não se preparara para aquela experiência com uma série de exercícios espirituais. Tudo caíra sobre ele de repente, e estava completamente abalado pelo impacto devastador. Mas nesse momento, um dos serafins voou para ele com uma brasa viva e purificou os seus lábios, para que pudessem dizer a Palavra de Deus. Muitos dos profetas não queriam ou não podiam falar em nome de Deus. Quando, no episódio da sarça ardente, Deus chamou Moisés, o protótipo de todos os profetas, e ordenou-lhe que fosse seu mensageiro diante do faraó e dos filhos de Israel, Moisés protestara que “não sabia falar bem”. Esse motivo constante nas histórias das vocações proféticas simboliza a dificuldade do homem falar a Palavra de Deus. Os profetas não estavam ávidos por proclamar a mensagem divina, ao contrário. Jonas, por exemplo, tentou fugir, até ser engolido por um peixe. Eles relutavam em empreender uma missão de muita tensão e angústia. A transformação do Deus de Israel num símbolo de poder transcendente não ia ser um processo calmo, sereno, mas acompanhado de dor e luta.

Deveríamos sempre ter o cuidado de não interpretar de modo muito literal a história da visão de Isaías, o que infelizmente acaba acontecendo muitas vezes. Ela parece mais uma tentativa de descrever o indescritível, e Isaías tenta dar a sua platéia uma idéia aproximada do que lhe aconteceu. Os salmos muitas vezes descrevem Javé entronizado em seu Templo como Rei, exatamente como Baal, Marduk e o filisteu Dagon (os deuses dos povos vizinhos) presidiam como se fossem monarcas em seus templos. Por trás da imaginação mitológica, porém, começava a surgir em Israel uma concepção bastante distinta da Realidade Última: a experiência com o seu Deus é um encontro com uma Pessoa. Apesar de sua terrível condição de Outro, Javé fala a Isaías, e este pode responder.

Javé pergunta: “A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” e, como Moisés antes dele, Isaías responde de imediato: “Eis-me aqui!” (‘hineni!’) “Envia-me a mim!”. O objetivo dessa visão não era iluminar o profeta, mas dar-lhe uma tarefa prática. Basicamente, o profeta é alguém que está em presença de Deus, mas essa experiência de transcendência resulta não em transmissão de conhecimento – como no budismo – e sim em ação concreta. Enquanto os monges budistas e os yogues se caracterizam por uma vida de profunda e constante introspecção e discursos teóricos, os profetas são todos homens de ação, ativistas incomparáveis que dedicaram integralmente suas vidas ao cumprimento de um propósito concreto. Seus princípios se refletem tanto ou mais em seus atos que em suas palavras. O profeta não se caracteriza tanto pela iluminação mística - embora ela se insinue ao longo do texto bíblico - a ênfase da história está no desapego, na anulação do ego e na entrega à Vontade de Deus. Aí se fundamenta um princípio essencial da Cabalá: “O homem foge da Vontade de Deus para buscar a felicidade, por não saber que a verdadeira e plena felicidade do homem está em cumprir a Vontade de Deus. Esta é a razão pela qual o homem foi criado. A Vontade do Eterno é a perfeita realização do homem. Estas duas coisas não são duas, mas são uma só e a mesma coisa. Esta é uma verdade fugidia, mas aquele que meditar nela dia e noite, e conseguir compreender o seu significado, alcançará a libertação dos desejos”.

Com o típico paradoxo semita, Javé avisou a Isaías que o povo não ia aceitá-la. Ele não devia ficar consternado quando eles rejeitassem as palavras de Deus: ”Vai e diz a esse povo: ‘Ouvi, de fato, e não entendeis, e vede, em verdade, mas não percebeis’”. Setecentos anos depois, Jesus iria dizer essas mesmas palavras quando as pessoas se recusassem a ouvir sua mensagem igualmente dura. A humanidade não suporta muita realidade. Os israelitas da época de Isaías estavam à beira da guerra e da extinção, e Javé não tinha uma mensagem alegre para eles: suas cidades seriam devastadas, o campo arrasado e as casas esvaziadas de seus habitantes. Isaías viveria para ver o cumprimento das profecias na destruição do Reino do Norte em 722 aC e a deportação das dez tribos. Em 701, Senaquerib invadiria Judá com um vasto exército assírio, sitiaria 46 de suas cidades e fortalezas, empalaria em varas os oficiais defensores, deportaria cerca de 2 mil pessoas e aprisionaria o rei judeu em Jerusalém “como um pássaro numa gaiola”. Isaías teve a difícil tarefa de advertir seu povo dessas catástrofes iminentes:

“Haverá um grande vazio no campo, e, embora reste um décimo do povo, ele será desfolhado como um terebinto, do qual, uma vez derrubado, só resta a cepa.”

Estas profecias se cumpriram. E a arrepiante originalidade na mensagem de Isaías estava em Deus usar a Assíria como seu instrumento. Não seriam Sargão e Senaquerib que mandariam os israelitas para o exílio e devastariam o país. É a Vontade de Deus se cumprindo. Esse era um tema constante dos profetas da Era Axial. Antes, o Deus de Israel tinha-se distinguido das divindades pagãs por revelar-se em acontecimentos concretos, trazendo a vitória ao povo de Israel, e não apenas na mitologia e liturgia. Agora, insistiam os novos profetas, a catástrofe política, além da vitória, revelava o Deus que se tornava Senhor da História. Comandava não só Israel como todas as nações. Por sua vez, a Assíria viria a sofrer por seus reis não terem compreendido que eram instrumentos na mão dAquele que é maior do que eles.

Mas existia também o aviso profético sobre a destruição final da Assíria, e com este uma esperança para o futuro (outra profecia que viria a se cumpir). Entretanto, nenhum israelita teria querido saber que seu povo trouxera a destruição sobre a própria cabeça com sua política que se tornara míope e sua conduta de vida cruel, injusta, corrupta e exploradora. Em vez de oferecer ao povo uma panacéia, profetas como Isaías tentavam fazer com que seus compatriotas encarassem de frente os fatos reais da História e os aceitassem como um diálogo com Deus.


Fontes e bibliografia:
Profº Marcos Santarrita
"A History of God, the 4000 year quest of Judaísm, Cristianity and Islam", 1993 - Karen Armstrong;
"The idea of the holy...", 1923 - Rudolf Otto (Oxford);
"Wanderings, history of the jews", 1978 (Nova York).


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Grécia Antiga: a nova revolução - conclusão

Aristóteles

Platão e Aristóteles - pintura de Rafael (clique para ampliar)

Aristóteles (384 a 322 aC) deu um passo além, dentro da história da filosofia grega. Ele foi o primeiro a apreciar a importância do raciocínio lógico, base de toda a ciência, e estava convencido de que era possível chegar a uma compreensão do Universo pela aplicação desse método. Além de tentar uma compreensão teórica da verdade nos catorze tratados conhecidos como “A Metafísica” (esse termo foi cunhado por seu editor, que intitulou esses tratados ‘depois da física’: ‘meta ta physika’), ele também estudou a física teórica e a biologia empírica.

Contudo, Aristóteles tinha uma profunda humildade intelectual, insistindo em que ninguém podia atingir uma concepção adequada da verdade, mas todos podiam dar uma pequena contribuição à nossa compreensão coletiva. Há muita controvérsia sobre sua avaliação da obra de Platão. Ele parece ter se oposto, por temperamento, à visão transcendente das formas de Platão, rejeitando a idéia de que elas tivessem uma existência anterior e independente. Aristóteles afirmava que as formas só tinham realidade na medida em que existiam objetos concretos, materiais, de nosso mundo.

Apesar dessa visão terrena e de sua preocupação com o fato científico, Aristóteles tinha uma aguda compreensão da natureza e da importância da religião e da mitologia. Observou que, à sua época (assim como ainda ocorre hoje) não se exigia às pessoas que se haviam iniciado em várias religiões de mistério que aprendessem qualquer fato, “mas que experimentassem certas emoções e fossem postas em certa disposição”. Daí sua famosa teoria literária de que a tragédia efetuava uma purificação (khatarsis) das emoções de terror e piedade que equivalia a uma experiência de renascimento. As tragédias gregas, que em sua origem faziam parte de uma festa religiosa, não apresentavam necessariamente uma versão factual, para ser entendida ao pé da letra, de acontecimentos históricos, mas tentavam revelar uma verdade mais profunda. Para ele, a História era mais trivial do que a poesia e o mito: “A História descreve o que aconteceu; a poesia e o mito, o que poderia ter acontecido. Daí a poesia ser um tanto mais filosófica e importante que a própria História; pois a poesia fala do universal, e a História, do particular”.

Pode ter havido ou não um Aquiles ou um Édipo históricos, mas os fatos das suas vidas eram irrelevantes para os personagens que experimentamos em “Homero” e “Sófocles”, que expressam uma verdade diferente, porém mais profunda, sobre a condição humana. A versão aristotélica da katharsis da tragédia era a apresentação filosófica de uma verdade que o “homo religiosus” sempre compreendeu intuitivamente: uma apresentação simbólica, mítica ou ritual de fatos que seriam insuportáveis na vida diária pode redimi-los e transformá-los numa coisa mas fácil, bela e/ou agradável.

Aristóteles

A idéia de Deus de Aristóteles

Esta teve imensa influência sobre os monoteístas posteriores, sobretudo cristãos do mundo ocidental. Em sua “Física”, ele examinou a natureza da Realidade e a estrutura e substância do Universo. Desenvolveu o que equivalia a uma versão filosófica das antigas versões emanacionistas da criação: havia uma hierarquia de existências, cada uma das quais transmitia forma e mudança para a outra abaixo dela; mas, ao contrário dos velhos mitos, na teoria de Aristóteles as emanações iam se tornando mais fracas quanto mais longe estivessem de sua fonte. No topo dessa hierarquia estava o “Motor Imóvel”, que Aristóteles identificava como Deus.

Esse Deus era puro Ser e, como tal, Eterno, Imóvel e Espiritual. Deus era puro pensamento, ao mesmo tempo Pensador e Pensamento, empenhado num eterno momento de contemplação de si mesmo, o mais elevado objeto de conhecimento. Como a matéria é falha e mortal, não há elemento material em Deus e nem nas formas elevadas de ser. O Motor Imóvel causa todo movimento e atividade no Universo, pois todo o movimento deve ter uma causa que possa ser retraçada a uma causa única. Ele ativa o mundo por um processo de atração, pois todos os seres são atraídos para o próprio Ser.

O homem está em posição privilegiada: sua alma humana tem o dom divino do intelecto, o que o torna semelhante a Deus e participante da natureza divina. Essa capacidade divina de raciocinar o põe acima das plantas e de todos os animais. Como corpo e alma, porém, o homem é um microcosmo de todo o Universo, contendo em si os mais baixos materiais, além do divino atributo (da razão). É seu dever tornar-se imortal e divino, purificando-se pelo intelecto. A sabedoria (sophia) era a mais elevada das virtudes humanas; expressava-se na contemplação (theoria) da verdade filosófica que, como em Platão, nos torna divinos pela imitação da atividade do próprio Deus. A theoria não era alcançada apenas pela lógica, mas era uma intuição disciplinada, que resultava numa extática autotranscendência. Muito poucas pessoas são capazes dessa sabedoria, porém, e a maioria só pode chegar à “phronesis”, o exercício da previsão e inteligência na vida diária.

Apesar da importante posição do Motor Imóvel em seu sistema, o Deus de Aristóteles tinha pouca relevância no sentido religioso prático. Ele não criou o mundo, pois isso teria envolvido mudança imprópria e atividade temporal. Embora tudo anseie por ele, esse Deus permanece bastante indiferente à existência do Universo, pois não pode contemplar nada inferior a ele. Certamente não dirige nem orienta o mundo, e acaba por não fazer diferença em nossas vidas, de uma maneira ou de outra. É uma questão em aberto se Deus ao menos sabe da existência do cosmo, que emanou dele como um efeito necessário da sua existência. A questão da existência de um Deus, segundo Aristóteles, talvez seja inteiramente secundária, periférica. O próprio Aristóteles pode ter abandonado sua teologia mais tarde.

Como homens da Era Axial (próximo assunto), ele e Platão preocuparam-se com a consciência individual, a vida correta e a questão da justiça na sociedade. Mas o pensamento deles era elitista. O mundo puro das formas de Platão ou o remoto Deus de Aristóteles pouco impacto teriam na vida dos mortais comuns, um fato que depois admiradores judeus e muçulmanos foram obrigados a admitir.

Nas novas ideologias da Era Axial, portanto, houve uma concordância geral em que a vida humana continha um elemento transcendente essencial. Os vários sábios que examinamos interpretaram essa transcendência de maneiras diferentes, mas uniam-se no vê-la como crucial para o desenvolvimento de homens e mulheres como seres humanos completos. Não descartaram de modo algum as velhas ideologias, mas reinterpretaram-nas e ajudaram as velhas ideologias daquele momento. Enquanto isso, os profetas que surgiram em Israel também desenvolveram suas próprias relações para enfrentar as mudanças, com o resultado de que Javé acabou se tornando o único Deus de todos os monoteístas. Mas como iria a idéia do Deus irado dos judeus se adaptar, em algum nível, com essas outras visões grandiloqüentes?


Fontes e bibliografia:
"A History of God, the 4000 year quest of Judaísm, Cristianity and Islam", 1993 - Karen Armstrong;
"Epistemology, Bunnin and others", 1996 - A C Grayling (Blackwell Publishers Ltd);
Dicionário Enciclopédico "Conhecer" (Abril Cultural).


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Grécia Antiga - a nova revolução #2

Ruínas do Parthenon (Acróple de Athenas) - berço da Filosofia


Platão e Pitágoras

Platão (428 ou 427 aC) tratou constantemente dos problemas da epistemologia (Teoria do Conhecimento - ramo da filosofia que investiga a natureza e as fontes e a validade do conhecimento). Grande parte de suas primeiras obras foi dedicada à defesa de Sócrates, que obrigara os homens a clarearem suas idéias com perguntas que os faziam pensar. De um modo talvez não tão diferente daquele dos pensadores da Índia, ele não mais se satisfizera com as velhas festas e mitos da religião, que achava degradantes e inapropriadas. Platão foi influenciado também pelo filósofo Pitágoras, do século VI aC, que pode ter sido, por sua vez, influenciado pelas idéias da Índia, transmitidas via Pérsia e Egito.

Pitágoras de Samos acreditava que a alma era uma divindade caída e maculada, encarcerada no corpo como num túmulo, e condenada a um perpétuo ciclo de renascimentos. Articulou a experiência humana corriqueira de sentir-se "um estranho num mundo que não parece ser o seu verdadeiro elemento". Ensinava que a alma podia ser libertada por purificações rituais, que lhe possibilitariam alcançar a harmonia com o universo ordenado. O homem que demonstrou que música e matemática são parentes (o comprimento e a tensão das cordas de uma lira podem ser convertidos em expressões matemáticas) era muito religioso, que acreditava na transmigração da alma: quando um homem morre, sua alma passa para outro corpo, de homem ou de animal. Só pela "vida pura" a alma poderia libertar-se do corpo e viver no Céu. E vida pura significava, para Pitágoras, austeridade, coragem, piedade, obediência, lealdade. Dizia a seus alunos: "Honra aos deuses sobre todas as coisas. Honra teu pai e tua mãe. Acostuma-te a dominar a fome, o sono, a preguiça e a cólera". Mas acreditava igualmente numa série de superstições: não comer carne por causa da reencarnação, não comer favas, não atiçar o fogo com ferro, não erguer algo caído do chão. O melhor meio de purificar a alma, sgundo o mesmo Pitágoras, era a música. O Universo, afirmava, era uma escala, ou um número musical, cuja própria existência se devia à sua harmonia. Como astrônomo, seu principal mérito foi conceber o Universo em movimento. Como teórico de medicina, achava que o corpo humano era constituído basicamente por uma harmonia: homem doente era sinal de harmonia rompida.

Platão também acreditava na existência de uma realidade divina imutável, além do mundo dos sentidos, e que a alma era uma divindade decaída, fora do seu elemento, aprisionada num corpo mas capaz de readquirir seu status divino pela purificação dos poderes racionais da mente.

No famoso mito da caverna, Platão descreveu as trevas e obscuridades da vida humana na Terra; ele percebe apenas sombras das Realidades Eternas, tremulando na parede da caverna. Mas aos poucos pode ser atraído e alcançar a iluminação e a libertação, acostumando sua mente à Luz divina.

Mais tarde, em sua vida, Platão parece ter recuado da doutrina das formas ou idéias eternas, mas elas se tornariam cruciais para muitos monoteístas que tentaram expressar suas concepções de Deus. Essas idéias eram realidades estáveis, constantes, que podiam ser apreendidas pelas capacidades racionais da mente. São realidades mais completas, permanentes e efetivas que os fenômenos materiais mutáveis e falhos que encontramos com nossos sentidos físicos. As coisas deste mundo apenas ecoam, participam de, ou imitam as formas eternas do domínio divino. Há uma idéia correspondente a cada conceito geral que temos, como Amor, Justiça e Beleza. A mais alta de todas as formas, porém, é a idéia de Deus.

Platão

Platão deu forma filosófica ao antigo mito do arquétipo. Suas idéias eternas podem ser vistas como uma versão racional do mundo divino mítico, do qual as coisas mundanas são apenas a sombra. Ele não discutiu a Natureza de Deus, mas limitou-se ao mundo divino das formas, embora de vez em quando pareça que a Beleza ou o Bem ideais representavam uma realidade suprema. Platão estava convencido de que o Mundo Divino era extático e imutável. Os gregos viam o movimento e a mudança como sinais de uma realidade inferior; uma coisa que tivesse uma verdadeira identidade permaneceria sempre a mesma. O movimento perfeito, portanto, seria o círculo, porque vivia girando e retornando perpetuamente ao seu ponto de partida. As esferas celestes imitariam o Mundo Divino o melhor que podem. Essa imagem absolutamente estática da divindade teria imensa influência sobre judeus, cristãos e muçulmanos, embora pouco tivesse em comum com o Deus da revelação bíblico, constantemente ativo, dinâmico, inovador, que na Bíblia encerra antigas e recomeça novas Eras. O círculo, como símbolo perfeito da transcendência, porém, seria mais tarde contestado por pensadores cristãos como G. K. Chesterton:

"Mas a cruz, embora tenha no centro uma colisão e uma contradição, pode estender os seus quatro braços para a eternidade, sem alterar sua forma. Por ter um paradoxo em seu centro, pode crescer sem mudar. O círculo gira sobre si mesmo - é limitado; a cruz abre seus braços aos quatro ventos e é como um indicador para os viajantes livres"

Mas havia um aspecto místico de Platão que os monoteístas achariam muito conveniente. Suas formas divinas não eram realidades “lá fora”, mas podiam ser encontradas dentro do eu. Em sua obra “O Banquete”, um diálogo dramático, Platão procura demonstrar que o amor por um corpo belo poderia ser purificado e transformado numa contemplação extática (theoria) da Beleza ideal. Ali, Diotima, mentora de Sócrates, explica que essa Beleza é única, eterna e absoluta, inteiramente diferente de qualquer coisa que podemos experimentar no mundo:

”Essa Beleza é antes de mais nada eterna; não nasce nem morre; não aumenta nem diminui; depois não é bela em parte e feia em parte, nem bela num momento e feia em outro, nem bela numa relação e feia em outra, nem bonita aqui e feia ali, variando segundo quem a vê. Tampouco aparece essa Beleza à imaginação como a beleza de um rosto, ou mãos, ou qualquer outra coisa corpórea, ou como a beleza de uma idéia ou ciência, ou como a beleza contida em outra coisa que não ela mesma, seja numa coisa viva, na Terra, no Céu ou em qualquer outra coisa. Ele a verá como absoluta, existindo apenas dentro de si mesma, única, eterna.”

Em suma, uma idéia como a Beleza tem muito em comum com o que muitos possivelmente chamariam “Deus”. Contudo, apesar de sua transcendência, as idéias se encontravam dentro da mente humana. Nós, modernos, experimentamos o pensamento como uma atividade, como uma coisa que fazemos. Platão a via como uma coisa que ocorre à mente: os objetos de pensamento eram realidades ativas e independentes no intelecto do homem que as contemplava. Como Sócrates, ele via o pensamento como um processo de lembrança; a apreensão de uma coisa que sempre soubéramos mas esquecêramos. Se os seres humanos eram “divindades caídas”, as formas divinas estavam dentro deles e poderiam ser tocadas pela razão, que, importa dizer, para ele não era apenas uma atividade racional dentro do cérebro, mas uma compreensão intuitiva da realidade eterna dentro de nós. Essa idéia, em maior ou menor grau, iria influenciar místicos das três religiões do monoteísmo histórico.

Platão acreditava que o universo era essencialmente racional. Um outro mito ou concepção imaginária da Realidade.


Fontes:
"A History of God, the 4000 year quest of Judaísm, Cristianity and Islam", 1993 - Karen Armstrong;
“The Symposium”, 1951 – W Hamilton (tradução de);
"Epistemology, Bunnin and others", 1996 - A C Grayling (Blackwell Publishers Ltd);
Dicionário Enciclopédico "Conhecer" (Abril Cultural).


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quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Sócrates - conclusão


Pensamento e obra de Sócrates

Sócrates foi inovador em tudo: no seu método, nos tópicos que abordou. Sua contribuição à filosofia ocidental foi principalmente de caráter ético. Seus ensinamentos visavam o entendimento integral de conceitos como justiça, amor e virtude, procurando definições para essas idéias. Ele acreditava que o vício era o resultado da ignorância e que as pessoas não são más por escolha. Que a virtude vem do conhecimento; segundo ele, aqueles que têm conhecimento têm virtude e, portanto, agem corretamente. As pessoas que não agem eticamente, o fazem por falta de conhecimento. De acordo com sua teoria, se uma pessoa sabe que algo está ética ou moralmente errado, não o faz, por saber que sua ação só trariz prejuízo, a ele próprio e aos semelhantes. Sócrates acreditava que virtude é igual a conhecimento, e que portanto, a virtude poderia ser ensinada.

Sócrates se concentrou no problema do homem, buscando respostas para a origem da essência humana. Chegou à conclusão de que o homem é a sua alma, ou seja, o seu consciente; é isso que o distingue como homem. O homem é a sua razão, seu intelecto, seus conceitos éticos, sua personalidade intelectual e moral, e, principalmente, sua consciência.

Apesar de diferir dos primeiros religiosos no método, a finalidade de Sócrates era a mesma de seus antecessores: ele focava sua busca em como viver uma vida correta. Ele não explorou áreas da filosofia como a natureza e a origem do universo ou da vida. Perguntava aos que abordavam tais dilemas se o seu conhecimento do ser humano já era tão profundo e completo, para que eles pudesseem procurar novos campos ou novas perguntas para serem explorados. Dizia que aqueles que estudavam primeiro a si mesmos, estes sim, poderiam aplicar seus conhecimentos para uma automelhora e assim promover melhoras para todos. Mas que não se entenda esta premissa como egoísmo; longe disso, a meta maior de Sócrates sempre foi o serviço ao próximo e à sociedade.

Alguns dos tópicos explorados por Sócrates: "O que é o belo?" "O que é justo?" "O que é injusto?" "O que é coragem?" "O que é governo?" "Como deve ser um governador?" "O que é ser nobre?" "O que é o Estado?" "O que é vergonha?" "Como seria o Estado ideal?"

Também abordava temas mais específicos, com perguntas como essas: "Como devemos cuidar dos nossos corpos?" "Devemos fazer exercícios físicos?" "Qual o papel da música na vida?" "E o da poesia?" "E o da guerra?" "Como alcançar o autocontrole?" "Como dominar os desejos humanos?" "Como devemos lidar com o prazer?" "E com os excessos?" "E com a luxúria?"


Métodos

O objeto da ciência é o inteligível, o que pode ser compreendido, o conceito que se exprime pela definição. Este conceito obtém-se por um processo dialético (dialogando) que Sócrates chamou "indução" e que consiste em comparar vários indivíduos e eliminar-lhes as diferenças individuais e as qualidades mutáveis, e reter os elementos comuns, estáveis, permanentes em todos - a essência do ser. A indução socrática não tem o caráter demonstrativo do atual processo lógico, mas é um meio de generalização, que remonta do indivíduo ao universal.

Sócrates, portanto, adotava sempre o diálogo nas suas pesquisas pessoais, que ele desenvolvia conforme seu interlocutor.Quando se tratava de um adversário que pretendia confrontá-lo, ele assumia humildemente a atitude de quem aprende, mas ia multiplicando as perguntas até capturar o adversário presunçoso em alguma evidente contradição, e assim obrigá-lo a confessar sua ignorância. Quando se tratava de um discípulo a instruir (que era muitas vezes um adversário vencido), multiplicava ainda mais as perguntas, dirigindo-as agora a fim de obter um conceito, uma definição geral dos assuntos abordados. A este processo pedagógico, ele denominou "maiêutica".


Doutrinas Filosóficas

A introspecção é, talvez, a maior característica da filosofia de Sócrates. Ficou expressa para a posteridade no famoso lema "Conhece-te a ti mesmo" - o perfeito conhecimento do homem é o objetivo de todas as suas especulações, assim como a moral é o centro para o qual convergem todas as partes da filosofia. Em psicologia, Sócrates professa a espiritualidade e imortalidade da alma, distingue as duas ordens de conhecimento - sensitivo e intelectual - mas não define o livre arbítrio, identificando a vontade com a inteligência.


Na "Teodicéia" (ramo da filosofia que estuda racionalmente a existência e os atributos de Deus usando a razão humana), Sócrates estabelece a existência de Deus:

a) Com argumento teológico, formulando claramente o princípio: "Tudo o que é adaptado a um fim é efeito de uma inteligência" (conclusão tão simples quanto brilhante);

b) Com o argumento (apenas esboçado) da "Causa Eficiente": "Se o homem é inteligente, também inteligente deve ser a causa que o produziu";

c) Com o argumento moral: a lei natural supõe um Ser superior ao homem, um legislador, que a promulgou e sancionou. Deus não só existe, mas é também Providência, governa o mundo com sabedoria e o homem pode propiciá-lo com sacrifício e oração.

Mas apesar destas doutrinas elevadas, Sócrates ainda aceitava muitos dos preconceitos da mitologia de sua época, que ele aspirava reformar.

O ponto culminante da filosofia de Sócrates está no ensino da moral: "Bem pensar para bem viver". O único meio para se alcançar a felicidade ou a semelhança com Deus (para ele, essas duas coisas são uma só, e representam a finalidade suprema do homem), é a prática da Virtude. A virtude adquiri-se com a Sabedoria, e com ela se identifica. Essa é uma das doutrinas mais características da moral socrática. Grandeza moral = penetração especulativa. Virtude = ciência. Ignorância = vício.

"Se músico é o que sabe música, e pedreiro o que sabe edificar, justo será o que sabe a justiça." - Sócrates

Sócrates sugere quase sempre a utilidade como o motivo e o estímulo da virtude. Ele reconhece também, acima das leis mutáveis e escritas, a existência de uma Lei Natural, independente do arbítrio humano, universal, a Fonte primordial de todo direito positivo: a expressão da Vontade Divina, promulgada pela voz interna da consciência humana.

Como os sofistas, Sócrates é cético a respeito da cosmologia e da metafísica. A única ciência possível e útil é a ciência da prática, mas dirigida para os valores universais, não particulares. Para Sócrates, o agir - e o conhecimento humanos - se baseiam em normas objetivas e transcendentes à experiência. "O fim da filosofia é a moral. No entanto, para realizar o próprio fim, é preciso conhecê-lo.

A filosofia socrática limita-se à gnosiologia (ramo da filosofia que se preocupa com a utilidade do conhecimento em função do sujeito cognoscente, isto é, aquele que conhece o objeto) e à ética, e rejeita a metafísica. A gnosiologia de Sócrates se concretizava no seu ensinamento dialético. Antes de tudo, cumpre desembaraçar o espírito dos conhecimentos errados, dos preconceitos, opiniões equivocadas. E isto ele fazia usando da ironia, isto é, da crítica. Assim como os sofistas, mas com finalidade diversa, Sócrates reivindica a independência da autoridade e da tradição, a favor da reflexão livre e da convicção racional. Depois disso será possível realizar o conhecimento verdadeiro: alcançar a ciência, mediante a razão. Isto quer dizer que a instrução não deve ser imposta, mas o professor deve tirá-la da mente do próprio aluno, fazendo uso da razão imanente do espírito humano, a qual é um valor universal. Esta é a famosa maiêutica de Sócrates, que declara auxiliar os "partos do espírito", como sua mãe auxiliava os partos do corpo.

Sócrates traçou o itinerário que seria percorrido por Platão e acabado, enfim, por Aristóteles. Estes dois grandes filósofos, partindo dos pressupostos socráticos, desenvolveriam a gnosiologia acabada, a metafísica e a moral.


Escolas Socráticas Menores

A reforma socrática fez balançar os alicerces da filosofia: a indução dialética reforma o método filosófico; a ética une pela primeira vez a ciência dos costumes à filosofia especulativa. Não é de se admirar que um homem de tamanha grandeza moral tenha, pela novidade de suas idéias, exercido sobre seus contemporâneos uma enorme influência. Entre os seus numerosos discípulos haviam verdadeiros filósofos que se formaram com seus ensinamentos.

Sócrates não elaborou um sistema filosófico acabado; no entanto, descobriu o método e fundou uma grande escola. Por isso, dele depende, direta ou indiretamente, toda a especulação grega que se seguiu, a qual desenvolveu-se em sistemas vários. Isto aparece imediatamente nas escolas socráticas. Estas, mesmo diferenciando-se bastante entre si, concordam pelo menos em que o maior bem do homem é a sabedoria. A escola socrática maior é a platônica, que culmina em Aristóteles, o vértice e a conclusão da grande metafísica grega. Fora desta desenvolveram-se também as chamadas "Escolas Socráticas Menores".


Escolas Socráticas Menores mais conhecidas:

1. A escola de Megara, fundada por Euclides (449-369), que tentou uma conciliação da nova ética com a metafísica dos eleatas e usou os processos dialéticos de Zenão.


2. A Escola Cínica, fundada por Antístenes (n. c. 445), que, enfatizando a doutrina socrática do desapego das coisas exteriores, desprezava as conveniências sociais. São conhecidas as excentricidades de Diógenes.


3. A escola cirenaica ou hedonista, fundada por Aristipo, (n. c. 425) que transformou o utilitarismo de Sócrates em hedonismo ou "moral do prazer". Estas escolas, que, durante o segundo período, dominado pelas altas especulações de Platão e Aristóteles , verdadeiros continuadores da tradição socrática, eram praticamente desconhecidas, mais tarde recresceram degeneradas em outras seitas filosóficas.


Fontes e bibliografia:
Profª Rosana Madjarof;
"A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, História da Filosofia", 1926 - Will Durant (Editora Nacional);
"Noções de História da Filosofia", Padre Leonel FRANCA S. J.;
"História da Filosofia", 1974 - Umberto Padovani e Luís Castagnola (Melhoramentos);
"História da Filosofia Ilustrada pelos Textos", 1980 - André Verguez e Denis Huisman (Freitas Bastos);
Site "10 em Tudo".


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Grécia Antiga: a nova revolução

Sócrates

Como vimos até aqui, para os primeiros homens religiosos da História do nosso mundo, desde a Pré-História e passando pelos pagãos até os patriarcas judeus, as únicas coisas que realmente importavam eram: ter fé e levar uma vida correta. Os gregos, por outro lado, interessavam-se apaixonadamente pela lógica e pela razão. Foi a religiosidade da civilização grega que trouxe para a mentalidade do mundo antigo uma espécie de “contrapeso da balança", que viria a se tornar extremamente importante na história das religiões. E o melhor ponto para se iniciar uma série de postagens sobre a importância da influência grega no pensamento religioso universal, certamente é a partir de um homem que viveu há quase 2500 anos e continua influencia o nosso pensamento até hoje.


Uma breve biografia

Sócrates foi um filósofo cujos ensinamentos acabaram por formar as bases da filosofia ocidental. Considerado um dos maiores gênios de todos os tempos, tornou-se famoso por ver a filosofia como sendo necessária para todas as pessoas inteligentes. Sócrates permaneceu na História como exemplo de um homem que viveu de acordo com seus princípios, mesmo que esses lhe custassem a própria vida. Sócrates formou a sua instrução, antes de mais nada, através da reflexão pessoal, nos moldes da alta cultura ateniense da época, em contato com o que de mais ilustre houve na cidade de Péricles.

Sócrates valorizou a descoberta do homem feita pelos sofistas, mas orientando-a para os valores universais, segundo a via do pensamento grego. Nasceu entre 470 e 469 aC, em Atenas, filho de Sofrônico, escultor, e de Fenáreta, parteira. Tentou seguir o caminho paterno, mas acabou por dedicar-se inteiramente à meditação e ao ensino filosófico, sem recompensa alguma - apesar de sua pobreza, o que mais importava para ele era encontrar o caminho da sabedoria. Foi considerado como um modelo irrepreensível de bom cidadão. Serviu no exército e lutou brevemente na Guerra do Peloponeso e em várias outras batalhas, como a da Potidéia (429), onde salvou a vida de Alcebíades. Em Delium, carregou nos ombros a Xenofonte, gravemente ferido. Desde jovem ficou conhecido pela sua coragem e também pelo seu intelecto.

Inteiramente absorvido pela sua vocação, não se importava com as preocupações domésticas nem pelos interesses políticos. Quanto à família, pode-se dizer que Sócrates não teve, por certo, uma mulher ideal em Xantipas, e ela provavelmente também não teve um marido ideal no grande filósofo, sempre ocupado em buscar o conhecimento das questões fundamentais da vida. Teve três filhos. Apesar de inúmeras oportunidades, conservou-se afastado da vida política, que contrastava com o seu temperamento crítico e com o seu reto juízo. Dizia que a melhor forma de servir seu país era se dedicando a ensinar e a persuadir os cidadãos de Atenas a examinarem suas almas e acharem o conhecimento, em vez de entrarem para a política. Acreditava que devia servir à pátria com suas atitudes, vivendo uma vida justa e auxiliando os demais cidadãos a praticarem a busca pela sabedoria e pela honestidade; ao contrário dos sofistas, que agiam para proveito próprio e formavam grandes egoístas, constantemente disputando uns contra os outros e promovendo a escravidão.

Sócrates ensinava filosofia voluntariamente e passava horas discutindo com os cidadãos de Atenas. Ele nunca cobrou por aulas. Ensinava em lugares públicos e argumentava com qualquer pessoa que o escutasse ou que se submetesse às suas perguntas. Sócrates acreditava que sua missão era procurar o conhecimento sobre a conduta correta, pela qual ele poderia guiar uma melhora intelectual e moral dos cidadãos de Atenas.

Sócrates pautava sua vida no conhecimento adquirido e procurava poetas, políticos, artistas e outros. Ele falava com as pessoas e chegou à conclusão que nenhuma delas era sábia. Em um dos seus discursos mais conhecidos, Sócrates se manifesta abismado e diz que muitos clamam que sabem a verdade sem estarem cientes de sua ignorância. Por outro lado, o próprio Sócrates afirmou "Só sei que nada sei".

Sócrates acreditava na superioridade da fala sobre as palavras escritas. Em razão disso, nunca escreveu seus ensinamentos. Ele criticava a palavra escrita chamando-a de artificial, em vez de viva, dizendo que não se pode fazer perguntas a uma palavra escrita. Os ensinamentos de Sócrates que encontramos atualmente foram escritos por seus discípulos. De seus discípulos, temos os diálogos escritos por Platão e por Xenofonte, de onde retiramos as principais informações sobre sua vida e obra. Porém, nos diálogos, Platão provavelmente faz do personagem Sócrates o porta-voz de seus próprios pensamentos, de modo que é difícil estabelecer quais idéias são de Platão e quais são de Sócrates. Além disso, Platão era 45 anos mais jovem do que Sócrates; assim, só tinha conhecimento dos últimos 12 anos de sua vida. Discutem-se, portanto, até que ponto as representações de Sócrates em Platão e Xenofonte correspondem realmente ao Sócrates histórico.

Para ensinar, Sócrates usava o método conhecido atualmente como “diálogo socrático”, em que trazia conhecimento aos seus alunos através de uma série de perguntas, analisando as respostas e fazendo mais perguntas. Com isso, ele guiava os alunos a novos descobrimentos. Sócrates passava horas discutindo virtude e justiça, entre outros tópicos, em praça pública. Passou quase toda sua vida em Atenas. Ele dizia que amava aprender das pessoas e que era mais fácil achar pessoas na cidade do que no campo.

A Morte de Sócrates, Jacques-Louis David, 1787 (clique para ampliar)

Entretanto, a liberdade dos seus discursos, a seriedade do seu caráter e a sua atitude crítica e irônica - e a conseqüente educação por ele ministrada - criaram descontentamento geral, hostilidade popular e inimizades pessoais, apesar de todas as suas qualidades. Em 399 aC, Sócrates foi julgado e condenado por “corromper jovens e por não acreditar nos deuses da cidade e induzir a outros”. Esse estado de ânimo hostil a Sócrates concretizou-se e tomou forma jurídica, na acusação movida contra ele por Mileto, Anito e Licon. Declarado culpado por uma pequena minoria, sentou-se com impressionante coragem diante do tribunal, que o condenou à pena capital com o voto da maioria. Mas obviamente por trás da sua condenação existiam outros motivos: em sua peregrinação atrás de espalhar o conhecimento, Sócrates desmascarou e humilhou homens importantes. Os que o condenaram, o acusaram de ser um "um curioso à procura das coisas embaixo da terra e além dos céus, fazendo o pior aparentar o melhor e ensinado tudo isso a outras pessoas”.

Sócrates teve que esperar por mais de um mês, no cárcere, pela morte, pois uma lei vedava as execuções capitais durante a viagem votiva de um navio a Delos. Durante esse tempo, seus amigos, liderados pelo discípulo Criton, planejaram e propuseram sua fuga. Porém Sócrates se recusou a ouvi-los, dizendo que havia sido condenado por uma corte legitima, por isso tinha a obrigação de obedecer. Sendo assim, aceitou sua sentença e permaneceu na cadeia. Ele buscava e acreditava não numa solução empírica para a vida terrena, e sim no juízo eterno da razão, para a imortalidade. E preferiu a morte.

Sócrates passou seus últimos dias de vida com amigos e admiradores, entre palestras e diálogos espirituais. Especialmente famoso é o diálogo sobre a imortalidade da alma - que se teria realizado pouco antes da sua morte - descrito por Platão (no Fédon) com arte admirável. À última noite, conforme mandava a lei, ele tomou veneno, cumprindo assim sua pena. Suas últimas palavras dirigidas aos discípulos, depois de ter bebido tranqüilamente a cicuta, foram: "Devemos um galo a Esculápio"; isto é, o deus da medicina tinha-o livrado do mal da vida com o dom da morte. Morreu Sócrates em 399 aC, com 71 anos de idade.


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terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Os Nomes de Deus - conclusão

Os 72 Nomes de Deus (Cabalá hebraica)


Para não transgredir a Lei de Deus

Temerosos em transgredir o terceiro mandamento da Lei no Decálogo, os Judeus passaram a não pronunciar o Nome do Deus Todo Poderoso

"Não tomarás o nome de YHVH, teu Deus, em vão (ou 'de modo fútil'), pois YHVH não considerará impune aquele que tomar seu Nome em vão."

Em determinado período, surgiu entre os judeus a idéia de que era errado até mesmo pronunciar o Tetragrama YHWH. Não se sabe exatamente em que se baseou a descontinuidade do uso deste nome. Alguns sustentam que o nome era considerado sagrado demais para ser proferido por lábios imperfeitos ou impuros. Mas uma pesquisa no Velho Testamento não revela nenhuma evidência de que quaisquer dos adoradores de YHWH alguma vez hesitassem em proferir o nome Dele. Documentos hebraicos não-bíblicos, tais como as chamadas "Cartas de Laquis", mostram que o termo "YHWH" era usado na correspondência comum na Palestina na última parte do 7.º Século aC.

Outro conceito sustenta que se pretendia impedir que povos não-judaicos (gentios) conhecessem O Nome e possivelmente usá-lo mal. Todavia, o antigo Testamento afirma que o próprio YHWH faria com que Seu Nome "fosse declarado em toda a Terra", para ser conhecido até mesmo pelos seus adversários (Êxodo 9:16; Isaías 64:2; Jonas 1:1,17). Segundo a "Enciclopédia Judaica" O Nome do Deus de Israel era conhecido e usado por nações pagãs (politeístas) tanto antes da Era Cristã como nos primeiros séculos dela.

Não existe certeza do motivo originalmente apresentado para se descontinuar a pronúncia correta do Tetragrama YHWH, assim como também há muita incerteza quanto à época em que tal conceito se iniciou. Alguns afirmam que começou após o Exílio Babilónico, mas o profeta Malaquias, que foi um dos últimos escritores do Velho Testamento (última metade do 5.º Século aC), dá grande destaque ao Nome Divino.

Outras obras de referência sugerem que O Nome deixou de ser usado por volta de 300 aC. Evidência para esta data foi supostamente encontrada na ausência do Tetragrama (ou de uma transliteração sua) na Septuaginta Grega, iniciada por volta de 280 aC. - é verdade que as cópias mais completas conhecidas destes manuscritos seguem uniformemente o costume de substituir o Tetragrama YHWH por expressões substitutas. Esses manuscritos principais remontam apenas ao 4.º e 5.º séculos dC, mas descobriram-se recentemente cópias mais antigas da Septuaginta Grega que continham o Tetragrama YHWH, embora em forma fragmentária.

Uma delas, descoberta no Egito, composta de restos fragmentários dum rolo de papiro com uma parte do Deuteronómio (32:3,6), identificada como "Papiro Fouad" (inventário 266) apresenta 49 vezes o Tetragrama YHWH. Registram-se mais três ocorrências de YHWH em fragmentos não identificados (116, 117 e 123). Os peritos datam este papiro como do Século I aC, e, neste caso, foram escritos quatro ou cinco séculos antes dos manuscritos já mencionados.

Flávio Josefo, historiador judeu que descendia de uma família sacerdotal, após narrar a revelação que Deus forneceu a Moisés no local da sarça ardente, ao falar sobre pronúncia do Nome de Deus do tetragrama YHWH menciona apenas: "O Nome sobre o qual estou proibido de falar."

Essa mudança ocorreu nas traduções gregas da Septuaginta nos séculos que se seguiram à morte de Jesus Cristo (Yehshua) e de seus apóstolos. Na versão grega de Áquila, que data do 2.º século dC, e na Hexapla de Orígenes, que data por volta de 245 aC, YHWH ainda aparecia em caracteres hebraicos. Ainda no 4.º Século dC, Jerônimo (tradutor da Vulgata Latina) diz no seu prólogo dos livros bíblicos de Samuel e de Reis: "E encontramos o nome de Deus, o Tetragrama, em certos volumes gregos mesmo hoje, expresso em letras antigas."


A pronúncia do Tetragrama YHWH

Na segunda metade do primeiro milênio na nossa era, os escribas conhecidos por massoretas introduziram um sistema de sinais vocálicos para representar as vogais ausentes no texto consonantal hebraico. Em vez de inserir os sinais vocálicos corretos de YHWH, colocaram outros sinais vocálicos para lembrar ao leitor que ele devia dizer "Adonai" ('Soberano Senhor') ou "Elohím" ('Deus').

O Códice de Leningrado, do 11.º Século dC, tem no Tetragrama YHWH sinais vocálicos para rezar Yehvíh, Yehváh e Yehováh. A edição de Ginsburg do texto massorético tem sinais vocálicos para que reze Yehováh (Génenis 3:14). Os hebraístas em geral são a favor de Yahvéh como a pronúncia mais provável. Salientam que a forma abreviada do nome é Yah (ou Jah, na forma latinizada - Jahvéh/Javé), como no Salmo 89:8 e na expressão HaeluYah (que significa 'Louvai a Jah!'; em português convertida em 'Aleluia'). Alguns peritos argumentam que se o nome de Deus fosse Jeová, não se falaria "aleluia" ('Hallelu Yah'), e sim "aleluieo" ou "Hallelu Yeho" - ('Glória a Yehowah' - 'Jeová'). Também as formas Yehóh, Yoh, Yah e Yáhu, encontradas na grafia hebraica dos nomes Jeosafá, Josafá, Sefatias e outros, podem todas ser derivadas de Yahwéh. As transliterações gregas feitas pelos primitivos escritores cristãos indicam direção similar. Ainda assim, os nomes próprios de certos personagens bíblicos podem fornecer indícios da antiga pronúncia do nome de Deus que levam alguns eruditos a concordarem que a pronúncia “Jeová” seja correta. Realmente, de modo algum, há unanimidade sobre o assunto entre os peritos.

Para a denominação religiosa Testemunhas de Jeová, conhecer e divulgar o nome pessoal de Deus é considerado muito importante. Sua posição atual sobre este ponto resume-se ao seguinte: Visto que, atualmente, não se pode ter certeza absoluta da pronúncia, parece não haver nenhum motivo para abandonar, em português, a forma bem conhecida, Jeová, em favor de Javé. Se tal mudança fosse feita, então, a bem da coerência, deveriam ser feitas alterações na grafia e na pronúncia de uma infinidade de outros nomes encontrados na Bíblia. Por exemplo, Jeremias seria mudado para "Yirmeyáh", Isaías se tornaria "Yeshayáhu", e Jesus seria pronunciado "Yehohshúa", em hebraico, ou "Iesoús", no grego.


Frequência nos escritos originais

Muitos eruditos e tradutores da Bíblia defendem que se siga a tradição de eliminar o nome de Deus. Alegam que a incerteza a respeito da pronúncia do Tetragrama YHWH justifica a eliminação, e também sustentam que a supremacia e a existência ímpar do Verdadeiro Deus tornam desnecessário que Ele tenha um nome específico para se identificar dos "demais deuses". O problema é que este conceito parece não encontrar apoio na própria Bíblia.

O Tetragrama YHWH ocorre 6.828 vezes no texto hebraico da Bíblia Hebraica de Kittel (BHK) e da Bíblia Hebraica Stuttgartensia (BHS). A frequência em que aparece o Tetragrama pode atestar sua importância. Seu uso em todas as Escrituras ultrapassa, em muito, o de quaisquer Nomes-Títulos.

É também digno de nota a importância atribuída aos nomes próprios entre os povos semíticos.


Uso Moderno

A pronúncia Jeová, além de aparecer em algumas versões bíblicas, também é usada por maçons e rosacruzes. Correntes esotéricas, tais como Gnose e Rosacruz, identificam esse tetragrama como designação do Espírito Santo, e não do Deus-Pai.

Alguns exemplos do uso do Tetragrama YHVH:

# Gênesis 27:36;
# I Samuel 25:25;
# Salmos 20:1;
# Provérbios 22:1.


Outros usos de YHWH

O dado curiosos é que não existe um "abjad" (um sistema de escrita com símbolos das letras que representem as consoantes), ou seja, não há como se saber exatamente qual o verdadeiro Nome utilizado originalmente para se referir ao UNO DEUS.

A tradição religiosa dos judeus, especialmente a sua tradição esotérica e mística, a Cabala (post futuro), considera o Nome de Deus tão sagrado quanto impronunciável. De qualquer maneira, os judeus em algum período pós-exílico, adotaram a palavra hebraica "Adhonai" ao pronunciarem o Tetragrama Sagrado. Assim, YHWH recebeu sinais vocálicos - colocados pelos copistas judeus chamados "massoretas" - de forma que fosse pronunciado "Adonai". Sendo assim, ficou reservado apenas aos copistas e sacerdotes a correta pronúncia de YHWH codificada num sistema de sinais vocálicos, e perdida desde então.


Na Cabala judaica

Segundo a Cabala judaica, a Torá teria sido revelada a Moisés no alto do Monte Sinai, e ele teria registrado de forma escrita aquilo que só poderia ser entendido diretamente de Deus, garantindo assim que permaneça impronunciável. Afirmam uma eventual relação do Tetragrama com o nome de Adão (Yode) e Eva (Chavah) no Génesis, já que Yode-cHaVaH resulta exatamente YHWH, o Tetragrama Sagrado, dando a entender uma relação mais profunda ainda entre Deus e Sua Obra.

Com o decorrer do tempo, os judeus adotaram outras expressões substitutivas para o Tetragrama Sagrado: "O Nome", "O Bendito" ou "O Céu".

Na Cabala, as palavras correspondem a valores que são calculados usando-se uma atribuição de valores às letras do alfabeto hebraico. Isto chama-se gematria. É considerado um dos mais importantes mecanismos de interpretação do texto bíblico usados pelos cabalistas e místicos judeus. Usando gematria, os cabalistas calculam o valor numérico do Tetragrama Sagrado como sendo 26 (Yode = 10, Hê = 5, Vau = 6, Hê = 5; 10 + 5 + 6 + 5 = 26 ), cujo número menor é 8 (2+6). Para os rabinos, o número 26 também é sagrado pois identifica-se com o Tetragrama YHWH. Os ocultistas interpretam o Tetragrama YHWH e outros símbolos cabalisticos como signos poderosos capazes de abrir as portas da consciência humana.

Os estudos eruditos continuarão. Os judeus deixaram de pronunciar o nome de Deus antes dos massoretas desenvolverem o sistema de pontos vocálicos. Não há como se saber quais vogais acompanhavam as consoantes YHWH. O "verdadeiro Nome de Deus" parece ter se perdido para sempre, nos séculos da História. Isso não foi planejado, e não se sabe como nem porquê aconteceu. Com relação ao Nome, assim como ocorre com a Arca da Aliança e com tudo mais que envolve o assunto Deus, só o que temos é um profundo e indecifrável mistério.


"Que o Eterno te responda no dia da tua atribulação e te traga a um refúgio seguro o Nome do Deus de Jacob. (...) Alguns confiam em carros, outros em cavalos, mas nós, somente no Nome do Eterno, nosso Deus." - Salmo 20


Fontes e bibliografia:
"Enciclopédia Judaica", 1901-1906 - Funk e Wagnalls (Domínio público - Jewish Encyclopedia)
Wikipédia
Enciclopédia "TioSam"
Monomito.Worldpress
Kabbalah Center
Profº Américo Nunes



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Os Nomes de Deus

Letras hebraicas י (Yod) ה (Heh) ו (Vav) ה (Heh) - O Tetragrama YHWH


As religiões referem-se ao Criador de diversas formas diferentes, que representam os diversos aspectos da concepção humana sobre a Divindade e o Seu relacionamento com o homem.


O Tetragrama

Dentro do judaísmo, o Nome mais importante do Criador é o que conhecemos como "Tetragrama", nome dado às quatro letras que formam o Nome da Divindade. Esse Nome em hebraico (YHWH), de acordo com a tradição judaica é a terceira pessoa do imperfeito no singular do verbo ser. Esta teoria é baseada no livro do Êxodo, capítulo terceiro, verso décimo-quarto, e constitui a base do monoteísmo judaico-cristão.

Devido ao Mandamento de não pronunciar o Nome do Criador em vão, desenvolveu-se entre os judeus um profundo sentimento de reverência para com essa Palavra, de forma que a pronúncia tornou-se restrita, somente utilizada em ocasiões de extrema solenidade como no dia do Yom Kipur (em outras ocasiões, pronuncia-se 'Adonai' - 'Meu Senhor', em lugar do Nome do Criador). De fato, ao longo da História, a correta pronúncia do Nome se perdeu, sendo hoje por nós desconhecida. Qualquer tentativa de se estabelecer a pronúncia verdadeira está sujeita a discussões insolúveis, e variam de uma seita religiosa para outra.


Adonai

A palavra "Adonai" vem do hebraico, plural da palavra "Adon" ('Soberano Senhor, Amo'). Curiosamente esta palavra era utilizada pelos fenícios para o deus pagão Tamuz e também era o nome do deus grego Adônis. Os judeus utilizam esta palavra, em ocasiões específicas, em relação a YHWH, no lugar de pronunciar o Tetragrama. Coloquialmente, utilizam a palavra "HaShem" ('O Nome') para referir-se ao Criador. Quando os massoretas (estudiosos que se dedicavam à tarefa de guardar a tradição oral - 'massora' - da vocalização e acentuação correta do texto) adicionaram a pontuação vocálica ao texto das Escrituras, as vogais de Adonai foram adicionadas ao tetragrama para que se fosse lembrado que deveria ser lido Adonai no lugar do Tetragrama. Esta vocalização criou a palavra "Yahowah". Em português, Adonai é traduzido geralmente como "Senhor".


Ehyeh-Asher-Ehyeh

O nome Ehyeh vem da frase "Ehyeh-Asher-Ehyeh" (Êxodo. 3:14), geralmente traduzida como "Eu Sou O Que Sou".


El

A palavra El aparece em diversas línguas semíticas, como no fenício, aramaico e acadiano. No hebraico significa originalmente "Acima", "Elevado" e foi utilizado para deuses pagãos e para o Criador de Israel , geralmente associado a Atributos da Divindade como em: "El Elyon" ('O mais Elevado'), "El Shaddai" ('O Elevado Todo-Poderoso'), "El Hai" ('O Elevado Vivo'), "El Ro'i" ('O Elevado que Vê'), "El Elohe Israel" ('Elevado, o Elevado de Israel'), "El Gibbor" ('O Elevado Forte'). Também é utilizado como sufixo de nomes hebraicos como Gabriel, Daniel e outros. Em português, "El" e "Elohim" são geralmente traduzidos como "Deus".


Elohim

Termo comum usado nas escrituras hebraicas, Elohim (hebraico) é o plural da palavra Eloah. No entanto, dentro do contexto das escrituras é sempre utilizado no singular, onde "im" é usado como plural majestático (pluralis majestatis) ou de excelência (pluralis excellentiæ), expressando grande dignidade, traduzindo-se por "Elevadíssimo".


HaShem

"HaShem" (hebraico) significa "O Nome", e é utilizado durante as ocasiões normais da vida cotidiana, enquanto Adonai é utilizado no contexto religioso. Este termo não é bíblico, aparecendo pela primera vez nos "Rishonim" (autoridades rabínicas medievais).


Yah

O nome Yah é composto das primeiras duas letras de YHWH. Aparece frequentemente em nomes hebraicos, tais como o do Profeta Elias - a forma reduzida do termo "Yah" é utilizada como prefixo e sufixo. O nome "Jesus" ('Yehoshua') = "Yah" + "Hoshea". A expressao "Aleluia" ou "Hallelujah", é derivada deste; e até o termo "Jah" do movimento Rastafári.


Alguns Títulos atribuídos a Deus

Avinu Malkenu - "Pai Nosso, Rei Nosso".
Boreh - "O Criador".
El ha-Gibbor - "Deus Forte".
El-Shadai - "Deus Todo-Poderoso".
Elohím - "Senhor", "Deus", e não "deuses", visto que trata-se de plural majestático. Seu significado exato perdeu-se no tempo.
Elohei Avraham, Elohei Yitzchak ve Elohei Ya`aqov - "Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó".
Elyóln - "Deus Altíssimo".
Emet - "Verdade".
E'in Sof - "Infinito", Nome cabalístico de D-us.
Ro'eh Yisrael - "Pastor de Israel".
Ha Adhóhn - Verdadeiro Senhor.
Ha-Kaddosh, Baruch Hu - "O Santo , Bendito Ele".
Kaddosh Yisrael - "Santo de Israel".
Melech ha - Melachim - "O Rei dos Reis".
Magen Avraham - "Escudo de Abraão".
Yod - Heh - Vav - Heh - Letras hebraicas que formam o Tetragrama "YHVH".
YHWH - Yireh (Yahweh-Yireh) - "YHWH provê" (Gênesis 22:13, 14).
YHWH - Rapha - "YHWH cura" (Êxodo 15:26).
YHWH - Nissi (Yahweh-Nissi) - "YHWH nossa bandeira" (Êxodo 17:8-15).
YHWH - Shalom - "YHWH, a nossa paz" (Juízes 6:24).
YHWH - Tzidkenu - "YHWH , nossa Justiça" (Jeremias 23:6).
YHWH - Shammah - "YHWH está presente" (Ezequiel 48:35).
Tzur Israel - "Rocha de Israel".


O uso dos termos D'us, Ad'nai e El'him

Devido ao Segundo Mandamento (Não Tomarás Em Vão O Nome de YHWH), os judeus usam um apóstrofo nos nomes divinos mais sagrados, de forma a que o nome da divindade não venha a ser profanado por estar escrito em algum objeto comum.


Kýrios, Escrituras Gregas

Apesar dos Evangelhos serem escrituras cristãs, estes foram escritos por judeus no primeiro século depois de Cristo. Já no final do primeiro século, começaram a substituir o Tetragrama YHWH por "Kýrios", que tem um sentido idêntico a Adonai e também significa "Senhor". Por este motivo, o Tetragrama não é encontrado graficamente do texto do Novo Testamento em muitas versões da Bíblia de hoje.


Tetragrama YHVH

O Tetragrama YHVH, latinizado para JHVH, refere-se ao nome do Deus de Israel. É formado pelas consoantes Yod (ou Yud), Hêh (ou Hêi), Vav e Hêi, e era escrito da direita para esquerda, ou seja, HVHY.

O Tetragrama aparece mais de 6.800 vezes - sozinho ou em conjunção com outro dos Nomes - no Texto hebraico do Antigo Testamento.

Os nomes YaHVeH (traduzido em português para Javé), ou YeHoVaH (traduzido em português para Jeová), são transliterações possíveis nas línguas portuguesas e espanholas, mas alguns eruditos preferem o uso mais primitivo das quatro consoantes "YHVH" - já a maioria destes favorece o nome "Javé" (Yahvéh ou JaHWeH), ainda que alguns entendam que a pronúncia Jeová (YeHoVaH ou JeHoVáH), seja correta, além de ser esta a pronúncia mais popular do Nome de Deus em certos idiomas.


O Tetragrama na Bíblia Hebraica e na Septuaginta Grega

A antiguidade e legitimidade do Tetragrama como O Nome de Deus para os judeus pode ser comprovada na conceituada tradução para o grego da Bíblia Hebraica, chamada Septuaginta Grega, onde o Tetragrama aparece escrito em hebraico arcaico ou páleo-hebraico. Foram encontrados em fragmentos de cópias primitivas da LXX (Papiro LXX Lev. b, Caverna n.º 4 de Qumran, datado como sendo do 1.º Século aC) onde o Tetragrama YHWH é representado em letras gregas (Levítico 3:12; 4:27). Estudos revelam que apenas em cópias posteriores da Septuaginta Grega, datadas do final do 1.º Século dC em diante, os copistas começaram a substituir o Tetragrama YHWH por "Kýrios", que significa SENHOR (em letras maiúsculas) e por "Theós", que significa Deus. Foi esta a razão de YHWH ter desaparecido graficamente do texto do Novo Testamento em algumas traduções bíblicas.


Fontes:
Monomito.Worldpress
Wikipédia
Profº Américo Nunes



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