quarta-feira, 30 de julho de 2008

Cristianismo: fontes documentais #2

Conforme vimos no post anterior, até o século XV os textos do Novo Testamento da Bíblia eram transmitidos a partir de cópias manuais, usando-se material rústico. O próximo passo em nosso estudo é conhecer esses tipos de materiais, as tintas usadas, a maneira como eram organizados e preservados os escritos e que forma tinham esses escritos. - Esta é uma matéria de importância fundamental para todos aqueles que se interessem por ciências da religião...


Materiais

Uma parte do papiro "Rhind" (1650 aC, aprox.), com problemas matemáticos (Museu Britânico, Londres).

Papiro - O papiro foi utilizado nas primeiras cópias do Novo Testamento, já que era o principal material de escrita da Antigüidade. Trata-se de um tipo de junco, com caule triangular, com a grossura de um braço, altura que variava entre 2 e 4 metros, que crescia nas margens do Lago Huleh (Fenícia), no vale do Jordão e junto ao Nilo (onde foram encontrados os mais antigos fragmentos de papiro conhecidos, que constam de 2.850 aC!). A folha era feita com a medula do caule, cortada em tiras estreitas e postas em duas camadas transversais sobre uma superfície plana. Depois eram batidas com um objeto de madeira e se colocadas para secar ao sol e alisadas, assim estavam prontas para receber a escrita. O tamanho médio de uma folha era de 18 x 25cm, mas essa medida podia variar de acordo com a finalidade. Várias podiam ser coladas pela borda para formar um rolo, que geralmente não tinha mais do que 10 metros de comprimento. O texto normalmente aparecia em colunas de 7 cm de altura, com intervalo de 1,5 cm ou 2 cm, com um pequeno espaço para correções e anotações. As margens superiores e inferiores eram maiores. A margem do começo do rolo era ainda maior. Nos rolos utilizados com maior freqüência, usava-se um bastão roliço, cujas pontas sobressaiam acima e abaixo.

Como regra só se escrevia sobre um lado, exceto em caso de escassez, quando se utilizava também o verso. A tinta era feita com fuligem, goma e água, e a escrita era feita com uma cana de 15 a 40 cm de comprimento, de uma planta vinda também do Egito.

O papiro foi utilizado como material para escrita até a conquista do Egito pelos árabes, em 641, quando ficou impossível importar o material.


Pergaminho - Outro material utilizado era o pergaminho, mais durável que o papiro, feito de pele de carneiro ou ovelha, submetida a um banho de cal e em seguida raspada e polida com pedra-pomes. Depois era lavada, novamente raspada e colocada para secar em molduras de madeira, a fim de evitar pregas ou rugas. No final do processo recebiam uma ou mais demãos de alvaidade. A origem do nome vem da cidade de Pérgamo, onde processo foi desenvolvido por volta do século II aC.

É interessante perceber que o seu uso já era conhecido desde o século XVIII a.C., só que bem menos utilizado do que o papiro, por causa do custo elevado. O pergaminho só conseguiu superar o papiro no século IV dC. - No final da Idade Média foi substituído pelo papel, inventado na China no começo do século I e introduzido na Europa no século XII, por comerciantes árabes.

Em princípio escrevia-se sobre os pergaminhos com penas de bronze ou cobre, mas as penas naturais de ganso acabaram substituindo as peças metálicas. A tinta era feita a partir de substâncias vegetais ou minerais. As linhas eram marcadas por um estilete, podendo ser horizontais ou verticais.

Há um tipo de pergaminho conhecido como “palimpsesto”, aquele cuja obra havia sido raspada para receber um texto novo, já que o material era caríssimo. Mas o uso de pergaminhos bíblicos para outros propósitos foi condenado no ano de 692, pelo Concílio de Trullo.

Códice - Adotou-se o preguear dos manuscritos nas suas bordas e juntar uma série, formando uma espécie de caderno. Em obras maiores, faziam-se esses cadernos com um número menor de folhas, mas dobradas, como nos livros modernos. Os cadernos variavam de oito, dez ou doze folhas, todavia já foram encontrados até com cem. Surgiram os chamados códices.

Os estudiosos têm afirmado que os códices surgiram primeiramente em Roma, no início do Cristianismo. Os cristãos, por questões de praticidade, foram os responsáveis pela popularização deste sistema: porque permitia que os textos bíblicos estivessem num único livro, propiciando maior rapidez na localização de passagens; porque eram mais baratos (escritos dos dois lados da folha).

Em segundo lugar, os gentios convertidos ao cristianismo parece que optaram pelo códice para diferenciar a sua Bíblia dos livros usados pelos judeus e pelos pagãos.

Eusébio, Bispo de Cesaréia na Palestina (314/339)


Escrita

A escrita mais comum nos manuscritos mais antigos do Novo Testamento era a uncial ou maiúscula. No texto sagrado ela era caracterizada por ser mais arredondada do que nos documentos literários, sem espaço entre palavras, sem pontuação e com abreviações bem definidas. - A outra forma de escrita era com letras menores ligadas, chamadas de cursivas, usada principalmente em cartas familiares, recibos, testamentos etc. Normalmente os termos ‘cursivo’ e ‘minúsculo’ são empregados sem distinção.

No século IX ocorreu uma reforma na escrita. Letras pequenas, chamadas de minúsculas, passaram a ser utilizadas na produção de livros. Mais fluidas e rápidas, demandavam menos tempo e reduziam o preço dos manuscritos, apesar da difícil leitura. A mudança foi gradual. - A partir do século XI, somente as minúsculas passaram a ser utilizadas. Muitos manuscritos, no período intermediário, foram produzidos numa forma de combinação de uncial com minúscula.

Abreviações - O uso de abreviações já aparece nas cópias mais antigas do Novo Testamento, provavelmente com objetivo de poupar espaço. Elas eram do tipo contração, suspensão, ligaturas ou símbolos. É importante salientar que as contrações, diferentemente das outras abreviações, são utilizadas como forma de reverência ao Nome de Deus, principalmente no texto hebraico. É notório que essa prática é limitada ao texto bíblico e outras fontes cristãs, mas quando essas palavras estão sendo utilizadas em outro sentido, elas não são contraídas.

Formato - Os manuscritos eram variados em relação ao formato ou tamanho. Os menores eram de uso privado, os maiores utilizados na liturgia, costume que permanece até hoje. O menor conhecido é um do Apocalipse, do século IV, de apenas uma página, que mede 7,7 x 9,3 cm. O maior é chamado “Códice Gigante”, é do século XIII, com 49 x 89,5 cm.

O texto não seguia nenhuma forma muito rígida na página. Os papiros possuíam dezenas de colunas, os códices eram limitados ao tamanho das páginas.

Orientações para o leitor - Mesmo nos manuscritos mais antigos, encontramos freqüentemente o uso de informações auxiliares para o leitor. Exceto o Apocalipse, todos os textos do Novo Testamento trazem notas introdutórias, tratando do autor, do conteúdo e da origem do texto. Os prólogos foram preparados durante períodos de controvérsias na Igreja.

Capítulos - Eusébio preparou uma divisão em seções, para fins sinópticos, mas na maioria dos manuscritos encontramos outro tipo de divisão, ordenando os textos em relação ao conteúdo. Cada seção é identificada como um capítulo, levando uma inscrição. A divisão em capítulos, utilizada nas edições modernas, foi criada bem no início do século XIII, pelo arcebispo de Cantuária, Estevão Langton. Já a divisão em versículos surgiu com o editor parisiense Roberto Estáfano: o Novo Testamento em 1551 e o Antigo em 1555.


Fontes e bibliografia:
Profº Nataniel dos Santos Gomes (UNESA);
LÄPPLE, Alfred, "As origens da Bíblia". Tradução de Belchior Cornélio da Silva. Petrópolis : Vozes, 1973; .
PAROSCHI, Wilson, "Crítica Textual do Novo Testamento". São Paulo : Vida Nova, 1993.



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