Aristóteles
Aristóteles (384 a 322 aC) deu um passo além, dentro da história da filosofia grega. Ele foi o primeiro a apreciar a importância do raciocínio lógico, base de toda a ciência, e estava convencido de que era possível chegar a uma compreensão do Universo pela aplicação desse método. Além de tentar uma compreensão teórica da verdade nos catorze tratados conhecidos como “A Metafísica” (esse termo foi cunhado por seu editor, que intitulou esses tratados ‘depois da física’: ‘meta ta physika’), ele também estudou a física teórica e a biologia empírica.
Contudo, Aristóteles tinha uma profunda humildade intelectual, insistindo em que ninguém podia atingir uma concepção adequada da verdade, mas todos podiam dar uma pequena contribuição à nossa compreensão coletiva. Há muita controvérsia sobre sua avaliação da obra de Platão. Ele parece ter se oposto, por temperamento, à visão transcendente das formas de Platão, rejeitando a idéia de que elas tivessem uma existência anterior e independente. Aristóteles afirmava que as formas só tinham realidade na medida em que existiam objetos concretos, materiais, de nosso mundo.
Apesar dessa visão terrena e de sua preocupação com o fato científico, Aristóteles tinha uma aguda compreensão da natureza e da importância da religião e da mitologia. Observou que, à sua época (assim como ainda ocorre hoje) não se exigia às pessoas que se haviam iniciado em várias religiões de mistério que aprendessem qualquer fato, “mas que experimentassem certas emoções e fossem postas em certa disposição”. Daí sua famosa teoria literária de que a tragédia efetuava uma purificação (khatarsis) das emoções de terror e piedade que equivalia a uma experiência de renascimento. As tragédias gregas, que em sua origem faziam parte de uma festa religiosa, não apresentavam necessariamente uma versão factual, para ser entendida ao pé da letra, de acontecimentos históricos, mas tentavam revelar uma verdade mais profunda. Para ele, a História era mais trivial do que a poesia e o mito: “A História descreve o que aconteceu; a poesia e o mito, o que poderia ter acontecido. Daí a poesia ser um tanto mais filosófica e importante que a própria História; pois a poesia fala do universal, e a História, do particular”.
Pode ter havido ou não um Aquiles ou um Édipo históricos, mas os fatos das suas vidas eram irrelevantes para os personagens que experimentamos em “Homero” e “Sófocles”, que expressam uma verdade diferente, porém mais profunda, sobre a condição humana. A versão aristotélica da katharsis da tragédia era a apresentação filosófica de uma verdade que o “homo religiosus” sempre compreendeu intuitivamente: uma apresentação simbólica, mítica ou ritual de fatos que seriam insuportáveis na vida diária pode redimi-los e transformá-los numa coisa mas fácil, bela e/ou agradável.
Aristóteles
Contudo, Aristóteles tinha uma profunda humildade intelectual, insistindo em que ninguém podia atingir uma concepção adequada da verdade, mas todos podiam dar uma pequena contribuição à nossa compreensão coletiva. Há muita controvérsia sobre sua avaliação da obra de Platão. Ele parece ter se oposto, por temperamento, à visão transcendente das formas de Platão, rejeitando a idéia de que elas tivessem uma existência anterior e independente. Aristóteles afirmava que as formas só tinham realidade na medida em que existiam objetos concretos, materiais, de nosso mundo.
Apesar dessa visão terrena e de sua preocupação com o fato científico, Aristóteles tinha uma aguda compreensão da natureza e da importância da religião e da mitologia. Observou que, à sua época (assim como ainda ocorre hoje) não se exigia às pessoas que se haviam iniciado em várias religiões de mistério que aprendessem qualquer fato, “mas que experimentassem certas emoções e fossem postas em certa disposição”. Daí sua famosa teoria literária de que a tragédia efetuava uma purificação (khatarsis) das emoções de terror e piedade que equivalia a uma experiência de renascimento. As tragédias gregas, que em sua origem faziam parte de uma festa religiosa, não apresentavam necessariamente uma versão factual, para ser entendida ao pé da letra, de acontecimentos históricos, mas tentavam revelar uma verdade mais profunda. Para ele, a História era mais trivial do que a poesia e o mito: “A História descreve o que aconteceu; a poesia e o mito, o que poderia ter acontecido. Daí a poesia ser um tanto mais filosófica e importante que a própria História; pois a poesia fala do universal, e a História, do particular”.
Pode ter havido ou não um Aquiles ou um Édipo históricos, mas os fatos das suas vidas eram irrelevantes para os personagens que experimentamos em “Homero” e “Sófocles”, que expressam uma verdade diferente, porém mais profunda, sobre a condição humana. A versão aristotélica da katharsis da tragédia era a apresentação filosófica de uma verdade que o “homo religiosus” sempre compreendeu intuitivamente: uma apresentação simbólica, mítica ou ritual de fatos que seriam insuportáveis na vida diária pode redimi-los e transformá-los numa coisa mas fácil, bela e/ou agradável.
A idéia de Deus de Aristóteles
Esta teve imensa influência sobre os monoteístas posteriores, sobretudo cristãos do mundo ocidental. Em sua “Física”, ele examinou a natureza da Realidade e a estrutura e substância do Universo. Desenvolveu o que equivalia a uma versão filosófica das antigas versões emanacionistas da criação: havia uma hierarquia de existências, cada uma das quais transmitia forma e mudança para a outra abaixo dela; mas, ao contrário dos velhos mitos, na teoria de Aristóteles as emanações iam se tornando mais fracas quanto mais longe estivessem de sua fonte. No topo dessa hierarquia estava o “Motor Imóvel”, que Aristóteles identificava como Deus.
Esse Deus era puro Ser e, como tal, Eterno, Imóvel e Espiritual. Deus era puro pensamento, ao mesmo tempo Pensador e Pensamento, empenhado num eterno momento de contemplação de si mesmo, o mais elevado objeto de conhecimento. Como a matéria é falha e mortal, não há elemento material em Deus e nem nas formas elevadas de ser. O Motor Imóvel causa todo movimento e atividade no Universo, pois todo o movimento deve ter uma causa que possa ser retraçada a uma causa única. Ele ativa o mundo por um processo de atração, pois todos os seres são atraídos para o próprio Ser.
O homem está em posição privilegiada: sua alma humana tem o dom divino do intelecto, o que o torna semelhante a Deus e participante da natureza divina. Essa capacidade divina de raciocinar o põe acima das plantas e de todos os animais. Como corpo e alma, porém, o homem é um microcosmo de todo o Universo, contendo em si os mais baixos materiais, além do divino atributo (da razão). É seu dever tornar-se imortal e divino, purificando-se pelo intelecto. A sabedoria (sophia) era a mais elevada das virtudes humanas; expressava-se na contemplação (theoria) da verdade filosófica que, como em Platão, nos torna divinos pela imitação da atividade do próprio Deus. A theoria não era alcançada apenas pela lógica, mas era uma intuição disciplinada, que resultava numa extática autotranscendência. Muito poucas pessoas são capazes dessa sabedoria, porém, e a maioria só pode chegar à “phronesis”, o exercício da previsão e inteligência na vida diária.
Apesar da importante posição do Motor Imóvel em seu sistema, o Deus de Aristóteles tinha pouca relevância no sentido religioso prático. Ele não criou o mundo, pois isso teria envolvido mudança imprópria e atividade temporal. Embora tudo anseie por ele, esse Deus permanece bastante indiferente à existência do Universo, pois não pode contemplar nada inferior a ele. Certamente não dirige nem orienta o mundo, e acaba por não fazer diferença em nossas vidas, de uma maneira ou de outra. É uma questão em aberto se Deus ao menos sabe da existência do cosmo, que emanou dele como um efeito necessário da sua existência. A questão da existência de um Deus, segundo Aristóteles, talvez seja inteiramente secundária, periférica. O próprio Aristóteles pode ter abandonado sua teologia mais tarde.
Como homens da Era Axial (próximo assunto), ele e Platão preocuparam-se com a consciência individual, a vida correta e a questão da justiça na sociedade. Mas o pensamento deles era elitista. O mundo puro das formas de Platão ou o remoto Deus de Aristóteles pouco impacto teriam na vida dos mortais comuns, um fato que depois admiradores judeus e muçulmanos foram obrigados a admitir.
Nas novas ideologias da Era Axial, portanto, houve uma concordância geral em que a vida humana continha um elemento transcendente essencial. Os vários sábios que examinamos interpretaram essa transcendência de maneiras diferentes, mas uniam-se no vê-la como crucial para o desenvolvimento de homens e mulheres como seres humanos completos. Não descartaram de modo algum as velhas ideologias, mas reinterpretaram-nas e ajudaram as velhas ideologias daquele momento. Enquanto isso, os profetas que surgiram em Israel também desenvolveram suas próprias relações para enfrentar as mudanças, com o resultado de que Javé acabou se tornando o único Deus de todos os monoteístas. Mas como iria a idéia do Deus irado dos judeus se adaptar, em algum nível, com essas outras visões grandiloqüentes?
Fontes e bibliografia:
"A History of God, the 4000 year quest of Judaísm, Cristianity and Islam", 1993 - Karen Armstrong;
"Epistemology, Bunnin and others", 1996 - A C Grayling (Blackwell Publishers Ltd);
Dicionário Enciclopédico "Conhecer" (Abril Cultural).
( comentários
Esta teve imensa influência sobre os monoteístas posteriores, sobretudo cristãos do mundo ocidental. Em sua “Física”, ele examinou a natureza da Realidade e a estrutura e substância do Universo. Desenvolveu o que equivalia a uma versão filosófica das antigas versões emanacionistas da criação: havia uma hierarquia de existências, cada uma das quais transmitia forma e mudança para a outra abaixo dela; mas, ao contrário dos velhos mitos, na teoria de Aristóteles as emanações iam se tornando mais fracas quanto mais longe estivessem de sua fonte. No topo dessa hierarquia estava o “Motor Imóvel”, que Aristóteles identificava como Deus.
Esse Deus era puro Ser e, como tal, Eterno, Imóvel e Espiritual. Deus era puro pensamento, ao mesmo tempo Pensador e Pensamento, empenhado num eterno momento de contemplação de si mesmo, o mais elevado objeto de conhecimento. Como a matéria é falha e mortal, não há elemento material em Deus e nem nas formas elevadas de ser. O Motor Imóvel causa todo movimento e atividade no Universo, pois todo o movimento deve ter uma causa que possa ser retraçada a uma causa única. Ele ativa o mundo por um processo de atração, pois todos os seres são atraídos para o próprio Ser.
O homem está em posição privilegiada: sua alma humana tem o dom divino do intelecto, o que o torna semelhante a Deus e participante da natureza divina. Essa capacidade divina de raciocinar o põe acima das plantas e de todos os animais. Como corpo e alma, porém, o homem é um microcosmo de todo o Universo, contendo em si os mais baixos materiais, além do divino atributo (da razão). É seu dever tornar-se imortal e divino, purificando-se pelo intelecto. A sabedoria (sophia) era a mais elevada das virtudes humanas; expressava-se na contemplação (theoria) da verdade filosófica que, como em Platão, nos torna divinos pela imitação da atividade do próprio Deus. A theoria não era alcançada apenas pela lógica, mas era uma intuição disciplinada, que resultava numa extática autotranscendência. Muito poucas pessoas são capazes dessa sabedoria, porém, e a maioria só pode chegar à “phronesis”, o exercício da previsão e inteligência na vida diária.
Apesar da importante posição do Motor Imóvel em seu sistema, o Deus de Aristóteles tinha pouca relevância no sentido religioso prático. Ele não criou o mundo, pois isso teria envolvido mudança imprópria e atividade temporal. Embora tudo anseie por ele, esse Deus permanece bastante indiferente à existência do Universo, pois não pode contemplar nada inferior a ele. Certamente não dirige nem orienta o mundo, e acaba por não fazer diferença em nossas vidas, de uma maneira ou de outra. É uma questão em aberto se Deus ao menos sabe da existência do cosmo, que emanou dele como um efeito necessário da sua existência. A questão da existência de um Deus, segundo Aristóteles, talvez seja inteiramente secundária, periférica. O próprio Aristóteles pode ter abandonado sua teologia mais tarde.
Como homens da Era Axial (próximo assunto), ele e Platão preocuparam-se com a consciência individual, a vida correta e a questão da justiça na sociedade. Mas o pensamento deles era elitista. O mundo puro das formas de Platão ou o remoto Deus de Aristóteles pouco impacto teriam na vida dos mortais comuns, um fato que depois admiradores judeus e muçulmanos foram obrigados a admitir.
Nas novas ideologias da Era Axial, portanto, houve uma concordância geral em que a vida humana continha um elemento transcendente essencial. Os vários sábios que examinamos interpretaram essa transcendência de maneiras diferentes, mas uniam-se no vê-la como crucial para o desenvolvimento de homens e mulheres como seres humanos completos. Não descartaram de modo algum as velhas ideologias, mas reinterpretaram-nas e ajudaram as velhas ideologias daquele momento. Enquanto isso, os profetas que surgiram em Israel também desenvolveram suas próprias relações para enfrentar as mudanças, com o resultado de que Javé acabou se tornando o único Deus de todos os monoteístas. Mas como iria a idéia do Deus irado dos judeus se adaptar, em algum nível, com essas outras visões grandiloqüentes?
Fontes e bibliografia:
"A History of God, the 4000 year quest of Judaísm, Cristianity and Islam", 1993 - Karen Armstrong;
"Epistemology, Bunnin and others", 1996 - A C Grayling (Blackwell Publishers Ltd);
Dicionário Enciclopédico "Conhecer" (Abril Cultural).
( comentários