O jainismo ou "jinismo" é uma das religiões mais antigas da Índia. Alguns historiadores consideram que a sua origem seja anterior a do Bramanismo, embora seja mais provável que a sua forma atual tenha surgido no século V aC, resultado da ação religiosa de Nataputra Vardhamana, conhecido como Mahavira, o “Grande Herói”. Vista durante algum tempo pelos investigadores ocidentais como uma seita do hinduísmo ou uma heresia do budismo, devido à partilha de elementos comuns com estas religiões, ficou comprovado entretanto que o jainismo é um fenômeno original.
Ao contrário do budismo, o jainismo nunca teve um espírito missionário, tendo permanecido na Índia, onde os jainas constituem hoje cerca de quatro milhões de crentes. Pequenas comunidades jainas existem também na América do Norte e na Europa, em resultado de movimentos migratórios.
Sua visão básica é dualista: a matéria e a alma (ou 'essência vital', que no jainismo é chamada 'jiva') são de natureza distinta, e durante sua vida o ser vivente (seja humano ou animal) "tinge" sua alma conforme suas ações, boas ou más. Para se purificar, essa religião propõe um ascetismo extremo e a prática da Doutrina da Não-Violência = "Ahimsa".
Segundo historiadores da religião, o jainismo estabeleceu-se na Índia em meados do primeiro milênio aC. O seu fundador foi Mahavira, e existem duas propostas aceitas como possíveis para o período em que viveu: 599 a 527 aC (a data tradicional, adotada pelos jainistas) ou 540 a 470 aC (segundo grupos acadêmicos). Mahavira nasceu perto de Patna, onde é hoje o estado do Bihar. Tendo sido um contemporâneo do Buda, pregou na mesma região geográfica que este, embora não conste que estes dois buscadores tenham alguma vez se encontrado. Mahavira pertencia à casta dos guerreiros ('kshatriya'): casou e viveu no luxo, até que por volta dos trinta anos tornou-se um mendigo errante. Segundo a tradição, entregou-se a longos processos ascéticos até obter a Iluminação, tendo consagrado os restantes trinta ou quarenta anos da sua vida à pregação da sua doutrina. Faleceu em Pavapuri, no Bihar, que é desde então um dos principais centros da peregrinação jaina. Como se vê, a história de Mahavira e a do Buda são praticamente idênticas.
De acordo com os jainas, a sua religião é eterna, tendo sido a doutrina revelada ao longo de várias eras pelos 'Tirthankaras', palavra sânscrita que significa "Fazedores de Vau", ou seja, alguém que ensinou o Caminho. Os Tirthankaras foram almas nascidas como seres humanos que alcançaram a Libertação (Moksha) do ciclo dos renascimentos através da renúncia e que transmitiram os seus ensinamentos aos homens. Segundo o jaininsmo, até a presente Era existiram 24 Tirthankaras - o último desses Tirthankaras foi o Mahavira, que os jainas não consideram como o "fundador" do jainismo, mas sim que ele lhe tenha dado sua forma atual. O 23º Tirthankara foi Parshva, que os historiadores consideram ter sido provavelmente uma figura histórica que viveu cerca de três séculos antes do Mahavira. Os jainas acreditam que Parshva pregou os 4 grandes princípios do jainismo, a saber: Não-Violência ('Ahimsa'), evitar a mentira, não se apropriar do que não foi dado e não se apegar às posses materiais; o Mahavira acrescentou a estes mais um princípio: o da castidade.
Divisões internas
Os jainas encontram-se divididos em dois grupos principais: os digambara ('Vestidos de Espaço' ou 'Cobertos pelo Céu') e os svetambara (ou 'shvetambara', 'Vestidos de branco'). Cada um destes grupos encontra-se por sua vez dividido em vários subgrupos. A maioria dos jainas pertencem ao grupo Svetambara.
A origem destes dois grupos situa-se no século I dC (ou III dC, segundo alguns autores) e deve-se às disputas em torno dos textos que devem constituir as escrituras do jainismo. Os svetambara consideram que as suas escrituras estão mais próximas dos ensinamentos originais do Mahavira, enquanto que os digambara rejeitam uma parte considerável dessas escrituras. Os digambara consideram igualmente que a renúncia pregada pelo Mahavira implica para os monges a nudez total e que as mulheres devem primeiro renascer como homens para poderem atingir a libertação.
Geograficamente, os digambara concentram-se no sudoeste da Índia e os Svetambara ao noroeste (estados do Gujarate, Rajastão e Madhya Pradesh). O estátuário dos dois grupos são também diferentes: os Tirthankaras dos svetambara possuem roupas e uma decoração mais rica, enquanto que as dos digambara estão sempre nuas: estas diferenças fazem com que um adepto dos digambara não possa praticar o culto num templo svetambara.
Doutrinas
Deuses - Apesar de prestarem culto a diversos deuses e deusas, que crêem atuar no mundo físico, os jainas não crêem num Ser superior nem adotam a idéia do Deus Uno.
O Tempo - Os jainas consideram que o Tempo é infinito e cíclico. Ele é visto como uma grande roda dividida em duas partes idênticas: uma realiza um movimento ascendente ('Utsarpini'), enquanto que a outra um movimento descendente ('Avasarpini'). Cada uma destas partes divide-se em seis Eras ('Ara'). Durante o período ascendente os seres humanos progridem ao nível do saber, estatura e felicidade, enquanto que o período descendente caracteriza-se pela degradação do mundo, pelo esquecimento da religião e pela perda de qualidade de vida pelos humanos.
Segundo os jainas, vivemos atualmente num período de movimento descendente, numa Era de infelicidade ('Dukham Kal'), que começou há 2 500 anos e que durará 21 mil anos.
O Universo e os "Cinco Mundos" - Segundo o jainismo, o Universo divide-se em cinco mundos, sendo cada um deles habitado por determinado tipo de seres. O Universo é eterno, e crêem que no topo do Universo está a "Morada Suprema" ('Siddhashila'), que é o local onde habitam as almas que alcançaram a libertação (estas almas são denominadas 'Siddhas'). Abaixo encontram-se 'Trinta Céus', habitados por seres celestiais, alguns dos quais caminham para a morada suprema.
O "Mundo Médio" ou 'Terra Média' ('Madhyaloka') - nada a ver com Tolkien, a não ser que talvez ele tenha vindo buscar no jainismo a idéia do nome - inclui vários continentes separados por mares. No centro deste mundo encontra-se o continente 'Jambudvipa', considerado o único continente no qual as almas podem alcançar a libertação. Os seres humanos habitam este continente, bem como um segundo continente ao lado deste e parte do terceiro continente.
O "Mundo Inferior" ('Adholoka') consiste em sete infernos, onde os seres são atormentados por demônios e onde se atormentam uns aos outros. Abaixo do sétimo inferno encontra-se a base do Universo ('Nigoda'), habitada por inúmeras formas inferiores de vida.
"Karma" - À semelhança do hinduísmo, o jainismo partilha da crença no karma, embora de uma forma diferente. O karma no jainismo não é apenas um processo em que determinadas ações produzem reações, mas também uma substância física que se agrega às almas. As 'partículas' de karma existiriam no Universo e associariam-se à uma alma devido às suas ações (por exemplo, quando uma alma mente, rouba ou mata, provoca a agregação de karma negativo na sua alma). A quantidade e qualidade destas partículas determinam a existência que a alma terá, a sua felicidade ou infelicidade. Só é possível à uma alma alcançar a Libertação quando desta se retirarem todas as partículas de karma. O processo que permite a libertação das partículas de karma de uma alma denomina-se 'nirjara' e inclui práticas como o jejum, o retiro para locais isolados, a mortificação do corpo e a meditação.
Os doze "Anuprekshas" - a "Matéria de Pensamento Profundo" - das escrituras Jainistas:
1. Todas as coisas mundanas são temporárias.
2. Apenas a alma é o único refúgio
3. Este mundo é sem começo e deformado.
4. Nada ajuda a alma além de si mesma.
5. Corpo e mente são, essencialmente, separados da alma.
6. A alma é essencialmente pura, e o corpo e a mente são impuros.
7. O cativeiro da alma é devido a influência do karma sobre ela.
8. Todos os seres devem parar a influência do karma.
9. A liberação é alcançada quando se está absolutamente livre do karma.
10. A alma liberada preenche o espaço.
11. Neste mundo, ter um nascimento como ser humano e meditar na natureza da alma é a maior bênção.
12. Ter as três jóias comum descritas pelo onisciente é apenas moralidade.
Formas de vida religiosa jainistas
Monges e monjas - O jainismo considera a vida monástica como o ideal de vida dos seres humanos. Entre os svemtambara, a entrada na vida monástica é autorizada aos dois sexos a partir dos setes anos, mas realiza-se em geral numa idade mais avançada. O noviço deve abandonar todos os seus bens; por altura da sua ordenação ('diksa') sua cabeça é raspada e ele toma os cincos votos, que segue numa versão mais rigorosa do que a dos leigos ('mahavrata').
Os monges jainas levam uma vida itinerante, com exceção da época das monções, altura em que se recolhem numa determinada localidade. Dependem para a sua alimentação da caridade fornecida pelos leigos jainas, a quem oferecem em troca assistência espiritual.
Os monges do ramo svetambara podem ter apenas pequenas coisas, como uma fina veste branca, uma tijela onde recebem os alimentos dos leigos e uma máscara de tecido usada sobre a boca ('mukhavastrika'), cujo objetivo é evitar a ingestão involuntária de pequenos insetos. Os monges digambara interpretam o preceito do desapego de uma forma bastante rigorosa e por esta razão não usam roupas; as monjas deste ramo usam uma veste branca. Os monges digambara não possuem uma tijela e usam a mãos como recipiente dos alimentos. Os monges svetambara costumam se deslocar em pequenos grupos de cinco ou seis monges, enquanto que os digambara geralmente viajam sozinhos.
Todos os monges devem seguir as três regras, chamadas "guptis", que evitam a conduta incorreta: Ter cuidado com os pensamentos, com as palavras e com as ações.
Entre os svetambara o número de monjas ultrapassa o de monges. Isso porque as monjas digambara aceitam a doutrina que afirma que para se avançar no Caminho espiritual é necessário nascer com um corpo masculino.
Leigos - Os jainas que não são monges devem observar oito regras de comportamento e devem tomar doze votos. As oitos regras de comportamento variam, mas em geral incluem não comer durante a noite, não comer carne, não beber vinho e não comer certos vegetais nos quais se acredita que vivem determinados seres. Os doze votos podem ser divididos em três classes:
1) Anuvratas - são os cinco votos principais: abster-se de actos violentos, não mentir, não roubar, não cobiçar o parceiro de outra pessoa e limitar as possessões pessoais;
2) Gunavratas - são três votos que reforçam os cincos votos principais: restringir as atividades pessoais a uma área concreta ('digvrata'), restringir práticas que proporcionam prazer ('bhogopabhogavrata'), evitar atos que causem sofrimento ('anarthadandavrata');
3) Siksavratas - são quatro votos de disciplina espiritual: meditar, limitar determinadas atividades a certos momentos, adotar a vida de um monge por um dia, fazer donativos aos monges e/ou aos pobres.
Formas de culto
Uma das principais formas de culto dos jainas leigos é prestar homenagem às estátuas dos Tirthankaras. Os jainas lavam as estátuas e dedicam-lhes oferendas, como mel, flores, arroz, etc. Alguns grupos jainas, como os "sthanakavasis" e os "terapanthis", são contra o culto de imagens. As estátuas podem ser adoradas nos templos ou então em pequenos santuários existentes nas casas. São representadas em posição de meditação, sentadas ou em pé.
Não é possível estabelecer qualquer forma de contato com os Tirthankaras através desta forma de culto, uma vez que estes, tendo alcançado a libertação, ficam fora do contato humano. Contudo, durante a Idade Média cada Tirthankara foi associado a uma deusa protectora, em relação às quais se desenvolveram formas particulares de devoção. As deusas mais importantes são "Ambika" (associada ao 22º Tirthankara, Arishtanemi), "Padmavati" (associada a Parshva), "Lakshmi" e "Sarasvati".
As orações jainas fazem referência aos grandes atos dos Tirthankaras e aos ensinamentos do Mahavira, sendo ditas num antigo dialeto do Bihar, o "ardha magadhi". A principal oração é o "Namaskara Sutra", através do qual o jaina presta homenagem às qualidades dos cinco grandes seres do jainismo. O ato de fazer doações para a construção de templos é também considerado uma forma de culto, assim como a prática de peregrinações.
Festivais
# Mahavira Jayanti - decorre em Março ou Abril e celebra a data do nascimento do Mahavira. Neste dia estátuas do Mahavira são levadas em procissões pelas ruas e os jainas reúnem-se nos templos para ouvir a leitura dos seus ensinamentos.
# Paryushana: durante o mês de Bhadrapada (Agosto-Setembro) os membros do ramo Svetambara do jainismo celebram um dos seus festivais mais importantes, Paryushana. Este festival está dedicado ao perdão e consiste na prática do jejum durante oito dias. No último dia do festival (Samvatsari) os jainas pedem perdão uns aos outros por ofensas que possam ter causado; aqueles que conseguiram jejuar durante os oito dias seguidos são levados para os templos em procissão. O festival equivalente na tradição Digambara denomina-se
#Dashalakshanaparvan, onde além da prática do jejum, é lido nos templos um importante texto, o Tattvartha-sutra.
#Divali (Festa das Luzes) - celebração comum a toda a Índia, é para os jainas a comemoração da altura em que o Mahavira deu os seus últimos ensinamentos e alcançou a libertação. Ocorre no mês de Kaartika, que corresponde no calendário gregoriano a Outubro-Novembro.
#Kartik Purnima - ocorre no dia de lua cheia do mês de Kaartika. Após terem permanecido numa determinada localidade durante os meses da monção, os monges e monjas jainas regressam à vida errante, sendo por vezes acompanhados por leigos no percurso que fazem para outro local. Neste dia muitos jainas realizam a peregrinação aos templos de Palitana, no estado indiano do Gujarate.
#Mastakabhisheka - Cada doze anos os jainas (principalmente os do ramo Digambara) reúnem-se no santuário de Shravana Belgola no estado de Karnataka, onde se encontra uma estátua de dezassete metros de Bahubali, que é alvo de libações com água, mel, leite, flores, preparados de ervas e especiarias.
Fontes:
Profº Vinay Lal;
Wikipedia revisado;
Syami Krishnapriyananda Saraswati (Sociedade Internacional Gita do Brasil).
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