Renascimento da humanidade
Uma sensação de mal estar, um sentido de estar incompleto, inacabado, parece ter tomado conta do mundo, afligindo pessoas em regiões bastante distantes umas das outras, em todo o mundo civilizado. Um crescente número de pensadores passara a achar que as práticas espirituais de seus ancestrais não mais funcionavam para as pessoas, e um impressionante batalhão de gênios proféticos e filosóficos fazia esforços supremos para encontrar uma solução. Alguns historiadores chamam esse período, que se estendeu de cerca de 800 a 200 aC, de "Era Axial" - termo cunhado pelo filósofo alemão Karl Jaspers, e que tem a ver com “eixo” - porque se revelou fundamental para a humanidade: era como se a mente do mundo passasse a “entrar nos eixos”, por algum motivo que não podemos explicar, ao mesmo tempo em todas as partes do mundo. Princípios forjados e compreensões adquiridas nessa era continuam a alimentar homens e mulheres até hoje.
Sidarta Gautama iria se tornar um dos mais importantes e típicos luminares da Era Axial, junto com os grandes profetas hebraicos dos séculos VIII, VII, VI; Confúcio e Lao-tsé, que reformaram as tradições religiosas da China nos séculos VI e V; o sábio iraniano Zarathustra, do século VI; e Sócrates e Platão, que exortaram os gregos a questionarem até mesmo as verdades que pareciam evidentes por si mesmas. As pessoas que participaram dessa grande transformação estavam convencidas de que se achavam no limiar de uma nova era, e que nada jamais voltaria a ser a mesma coisa de antes.
A era Axial assinala o início da humanidade como hoje a conhecemos. Durante esse período, homens e mulheres tomaram consciência, de uma forma (até onde sabemos) sem precedentes, de sua existência, natureza e limitações. A sensação de absoluta impotência num mundo cruel levou-os a buscarem as mais altas metas e uma realidade absoluta nas profundezas de seu próprio ser. Os grandes sábios dessa época ensinaram os seres humanos a enfrentar a miséria da vida, transcender suas fraquezas e viver em paz no meio deste mundo imperfeito. Os novos sistemas religiosos que surgiram nesse período - taoísmo e confucionismo na China, budismo e hinduísmo na Índia, monoteísmo no Irã e Oriente Médio, e racionalismo grego na Europa - partilhavam, todos, características fundamentais sob suas óbvias diferenças. Só participando dessa transformação em massa foi que os vários povos do mundo puderam progredir e entrar na marcha da história. Contudo, apesar de sua grande importância, a Era Axial permanece misteriosa. Não sabemos o que a causou, nem por que deitou raízes principalmente em certas áreas nucleares: China, Índia, Irã e Mediterrâneo oriental. O que levou chineses, iranianos, indianos, judeus e gregos a sentirem esses novos horizontes e embarcarem numa busca sem precedentes por Luz e Salvação? Antes disso, babilônios e egípcios haviam criado grandes civilizações, mas não desenvolveram uma ideologia axial nessa altura, e só depois participaram do novo etos universal (conjunto das coisas que distinguem os povos, nomeadamente no que diz respeito às suas atitudes, hábitos e crenças) – principalmente no islã e no cristianismo, sob certo ponto de vista reafirmações do impulso axial original.
Mas nos países axiais, uns poucos homens sentiram novas possibilidades e desligaram-se das antigas tradições. Buscaram a mudança no recesso de seus seres, na maior interioridade em suas vidas espirituais, e tentaram fundir-se com uma Realidade que transcendia as condições e categorias mundanas normais. Após essa era fundamental, sentiu-se que só indo além de seus limites podiam os seres humanos tornar-se plenamente eles mesmos.
A História humana registrada só começa por volta de 3000 aC. Até essa época, temos pouca prova documental da maneira como os seres humanos viviam e organizavam suas sociedades. Mas sempre se tentou imaginar como foram os 20 mil anos de pré-história, e enraizar nela sua própria experiência. Em todo o mundo, em toda cultura, esses dias antigos foram descritos na mitologia, que não tem fundamento histórico, mas fala de paraísos perdidos e catástrofes primais. Também é extremamente curioso observar que todas as mitologias antigas narram histórias perfeitamente similares a respeito das origens: todas falam na glória original da humanidade, um período de total bem aventurança e depois uma queda para o nosso atual estado de coisas. Na “Era de Ouro”, dizem, os deuses andavam na terra junto com os seres humanos. A história do Jardim do Éden, contada no Gênesis, o paraíso perdido do Ocidente, era típica: um dia, não havia divisão entre a humanidade e o divino: Deus passeava no jardim, na brisa do entardecer. Tampouco eram os seres humanos divididos uns dos outros. Adão e Eva viviam em harmonia, ignorando sua diferença sexual e a distinção entre bem e mal. Trata-se de uma unidade impossível de se imaginar em nossa existência mais fragmentada, mas em quase toda cultura o mito dessa Concórdia ou Comunhão primal mostrava que os seres humanos continuavam a ansiar por uma paz e inteireza que julgavam ser o estado perfeito da humanidade. Eles sentiram o alvorecer como uma dolorosa perda da Graça divina. A Bíblia hebraica chama esse estado de inteireza e completude de Shalom; Gautama falava em Nirvana e deixou sua casa para encontrá-lo. Todos as grandes tradições acreditavam que os seres humanos haviam vivido nessa paz e plenitude antes, mas tinham esquecido o Caminho que a elas reconduziria. Nascia o conceito do que hoje chamamos “Religião” – era preciso religar-se à nossa condição de unos com a Fonte.
Fontes e bibliografia:
Profº Miguel Castelo Branco;
"Buda", 2002 - Karen Armstrong (Editora Objetiva).
A seguir: Budismo.
( comentários
Sidarta Gautama iria se tornar um dos mais importantes e típicos luminares da Era Axial, junto com os grandes profetas hebraicos dos séculos VIII, VII, VI; Confúcio e Lao-tsé, que reformaram as tradições religiosas da China nos séculos VI e V; o sábio iraniano Zarathustra, do século VI; e Sócrates e Platão, que exortaram os gregos a questionarem até mesmo as verdades que pareciam evidentes por si mesmas. As pessoas que participaram dessa grande transformação estavam convencidas de que se achavam no limiar de uma nova era, e que nada jamais voltaria a ser a mesma coisa de antes.
A era Axial assinala o início da humanidade como hoje a conhecemos. Durante esse período, homens e mulheres tomaram consciência, de uma forma (até onde sabemos) sem precedentes, de sua existência, natureza e limitações. A sensação de absoluta impotência num mundo cruel levou-os a buscarem as mais altas metas e uma realidade absoluta nas profundezas de seu próprio ser. Os grandes sábios dessa época ensinaram os seres humanos a enfrentar a miséria da vida, transcender suas fraquezas e viver em paz no meio deste mundo imperfeito. Os novos sistemas religiosos que surgiram nesse período - taoísmo e confucionismo na China, budismo e hinduísmo na Índia, monoteísmo no Irã e Oriente Médio, e racionalismo grego na Europa - partilhavam, todos, características fundamentais sob suas óbvias diferenças. Só participando dessa transformação em massa foi que os vários povos do mundo puderam progredir e entrar na marcha da história. Contudo, apesar de sua grande importância, a Era Axial permanece misteriosa. Não sabemos o que a causou, nem por que deitou raízes principalmente em certas áreas nucleares: China, Índia, Irã e Mediterrâneo oriental. O que levou chineses, iranianos, indianos, judeus e gregos a sentirem esses novos horizontes e embarcarem numa busca sem precedentes por Luz e Salvação? Antes disso, babilônios e egípcios haviam criado grandes civilizações, mas não desenvolveram uma ideologia axial nessa altura, e só depois participaram do novo etos universal (conjunto das coisas que distinguem os povos, nomeadamente no que diz respeito às suas atitudes, hábitos e crenças) – principalmente no islã e no cristianismo, sob certo ponto de vista reafirmações do impulso axial original.
Mas nos países axiais, uns poucos homens sentiram novas possibilidades e desligaram-se das antigas tradições. Buscaram a mudança no recesso de seus seres, na maior interioridade em suas vidas espirituais, e tentaram fundir-se com uma Realidade que transcendia as condições e categorias mundanas normais. Após essa era fundamental, sentiu-se que só indo além de seus limites podiam os seres humanos tornar-se plenamente eles mesmos.
A História humana registrada só começa por volta de 3000 aC. Até essa época, temos pouca prova documental da maneira como os seres humanos viviam e organizavam suas sociedades. Mas sempre se tentou imaginar como foram os 20 mil anos de pré-história, e enraizar nela sua própria experiência. Em todo o mundo, em toda cultura, esses dias antigos foram descritos na mitologia, que não tem fundamento histórico, mas fala de paraísos perdidos e catástrofes primais. Também é extremamente curioso observar que todas as mitologias antigas narram histórias perfeitamente similares a respeito das origens: todas falam na glória original da humanidade, um período de total bem aventurança e depois uma queda para o nosso atual estado de coisas. Na “Era de Ouro”, dizem, os deuses andavam na terra junto com os seres humanos. A história do Jardim do Éden, contada no Gênesis, o paraíso perdido do Ocidente, era típica: um dia, não havia divisão entre a humanidade e o divino: Deus passeava no jardim, na brisa do entardecer. Tampouco eram os seres humanos divididos uns dos outros. Adão e Eva viviam em harmonia, ignorando sua diferença sexual e a distinção entre bem e mal. Trata-se de uma unidade impossível de se imaginar em nossa existência mais fragmentada, mas em quase toda cultura o mito dessa Concórdia ou Comunhão primal mostrava que os seres humanos continuavam a ansiar por uma paz e inteireza que julgavam ser o estado perfeito da humanidade. Eles sentiram o alvorecer como uma dolorosa perda da Graça divina. A Bíblia hebraica chama esse estado de inteireza e completude de Shalom; Gautama falava em Nirvana e deixou sua casa para encontrá-lo. Todos as grandes tradições acreditavam que os seres humanos haviam vivido nessa paz e plenitude antes, mas tinham esquecido o Caminho que a elas reconduziria. Nascia o conceito do que hoje chamamos “Religião” – era preciso religar-se à nossa condição de unos com a Fonte.
Fontes e bibliografia:
Profº Miguel Castelo Branco;
"Buda", 2002 - Karen Armstrong (Editora Objetiva).
A seguir: Budismo.
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