quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Origens da religião ocidental

A história do judaísmo é fundamental para qualquer compreensão mais aprofundada do que significa o termo “religião” no mundo de hoje. Todas as disciplinas religiosas que existem no mundo atual sofreram a sua influência; tanto as ocidentais quanto as orientais, como veremos a seguir. Em contrapartida, algumas outras tradições emprestaram ao judaísmo moderno certas noções e conceitos que até então não existiam nele.

Todos os ocidentais, inclusive os que abraçaram a tradição oriental, e mesmo os orientais - consciente ou inconscientemente - estão profundamente influenciados pelo legado do judaísmo. Todas as correntes esotéricas/místicas têm suas raízes no judaísmo. A idéia de Deus predominante no mundo de hoje tem suas raízes profundamente firmadas no judaísmo.

Uma vez meu mestre budista me disse que, mesmo ao buscar a Verdade no budismo, a minha visão da Verdade nunca seria aquela mesma encontrada pelos primeiros discípulos do Buda; isto é, seria impossível compreendê-la da mesma maneira que eles. Eu quis saber o por quê e ele me respondeu algo mais ou menos assim: "Porque a sua visão da Verdade provém do judaísmo; e a minha própria visão da Verdade também provém do judaísmo! Eu não creio que exista algum religioso em nosso mundo atual que não tenha sua visão de vida - de Deus, da Verdade, da Justiça e outros fundamentos - fortemente influenciada pela tradição judaica. Isso acontece mesmo com os orientais, porque a interação religiosa, hoje, é inevitável. Certos conceitos elementares que formam a base do pensamento humano, em nossa era, estão baseados em conceitos judaicos. E, se assim é, eu creio que é assim que deve ser; então é benéfico. Tudo é benéfico para quem está aberto, buscando com um coração sincero e aberto, como Sakiamuni. Não adianta resistir ao que é, isto seria estupidez. A Verdade não muda se a negarmos, e o único jeito de crescer é aceitando-a e procurando compreendê-la. Eu aceito e também aprendo. Aceite você, e também aprenda."

Na época eu realmente não pude entender exatamente o que ele queria dizer com isso. Mas hoje eu compreendo perfeitamente. Ele não falou, literalmente, em Inconsciente Coletivo, mas está claro que a herança judaica em nossos dias está sempre presente, influenciando o pensamento da humanidade em todos os níveis. Tudo que entendemos por certo e errado, Bem e Mal, compaixão, Amor e todos os outros conceitos básicos; tudo está, de uma ou outra maneira, profundamente influenciado pela cultura judaica.

O mais interessante aí é que a História nos mostra o quanto seria improvável que isso viesse a acontecer, um dia. Mas aconteceu. E, como disse meu mestre, não adianta resistir ao que é. Antes disso, o melhor é aprender. Esta é a única maneira de crescer (Uma reverência afetuosa aos Reverendos Neves e Imai, onde quer que estejam).

Por isso, aos que se importam, aconselho uma atenção especial aos nossos próximos posts...

Eu encerrei o post sobre Baal-Habab falando da completa originalidade da religião dos hebreus, a religião do Deus Único. Chega a hora de retomar o “fio” desta “meada”, numa cronologia minimamente coerente que estou tentando seguir na enciclopédia das religiões do Arte das artes.

A origem da mais inovadora das religiões é atribuída na Bíblia a Abraão, que deixou Ur da Caldéia e acabou instalando-se em Canaã, em alguma época entre os séculos XX e XIX aC. Não existem registros contemporâneos dele, mas estudiosos acham que tenha sido um dos chefes tribais errantes que conduziram seu povo da Mesopotâmia para o Mediterrâneo no fim do terceiro milênio aC. Esses errantes, alguns dos quais são chamados “Abiru”, “Apiru” ou “Hapiru” em fontes mesopotâmicas e egípcias, falavam idiomas semitas ocidentais, um dos quais é o hebraico. Não eram nômades do deserto como os beduínos, que migravam com seus rebanhos segundo o ciclo das estações. Eram bem mais difíceis de se classificar, e viviam em freqüente conflito com as autoridades conservadoras. O nível cultural deles era em geral superior ao da gente do deserto. Alguns serviam como mercenários, outros tornavam-se funcionários do governo, outros ainda trabalhavam como mercadores, criados ou funileiros. Alguns ficavam ricos e podiam então tentar adquirir terra e assentar-se.

As histórias sobre Abraão no Gênesis mostram-no servindo ao rei de Sodoma como mercenário, e descrevem seus freqüentes conflitos com as autoridades de Canaã e arredores. Sua esposa Sara acabou morrendo e ele comprou terra em Hebron, hoje Cisjordânia.

Abraão: patriarca dos patriarcas

A saga de Abraão e seus descendentes imediatos no Gênesis pode indicar que houve três ondas de primeiros assentamentos hebreus em Canaã, o moderno Israel. Um estava associado a Abraão e Hebron, e ocorreu em cerca de 1850 aC. Uma segunda onda de imigração relacionou-se com o neto de Abraão, Jacó, renomeado Israel (‘Que Deus Mostre Sua Força!’); ele estabeleceu-se em Shechem, hoje a cidade árabe de Nablus, na Cisjordânia. A Bíblia diz que os filhos de Jacó, que se tornaram os ancestrais das doze tribos de Israel, emigraram para o Egito durante uma severa fome em Canaã.

A terceira onda de assentamento hebreu ocorreu cerca de 1200 aC, quando tribos que se diziam descendentes de Abraão chegaram a Canaã, vindas do Egito. Diziam que haviam sido escravizadas pelos egípcios, mas libertadas pelo Deus Único, Javé (‘Eu Sou’), através do seu chefe, Moisés. Após entrarem em Canaã, aliaram-se aos hebreus de lá, e todos juntos tornaram-se conhecidos como o “Povo de Israel”.

A Bíblia deixa claro que o povo que conhecemos como os antigos israelitas era uma confederação de vários grupos étnicos, ligados sobretudo por sua lealdade ao Deus Único, o Deus de Moisés. A história bíblica provavelmente foi escrita séculos depois, por volta de VIII aC, mas sem dúvida usou fontes narrativas anteriores.

No século XIX, alguns estudiosos bíblicos alemães desenvolveram um método crítico que discerniu quatro diferentes fontes nos primeiros cinco livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Estes foram depois confrontados no texto final que conhecemos como Pentateuco no século V aC. Essa forma de crítica sofreu críticas, mas ninguém produziu ainda uma teoria mais satisfatória para explicar por que há duas versões bastante diferentes de acontecimentos bíblicos chave, como a Criação e o Dilúvio, e por que a Bíblia às vezes se contradiz. Os dois primeiros autores bíblicos, cuja obra se encontra no Gênesis e no Êxodo, escreveram provavelmente no século VIII aC, embora alguns lhes atribuam uma data anterior. Um é conhecido como “J”, porque chama a Deus “Javé”, e o outro como “E”, porque prefere o Título mais formal “Elohim”.

No século VIII aC, os israelitas haviam dividido Canaã em dois reinos separados. J escrevia no Reino de Judá, no sul, e E vinha do Reino de Israel, no norte. Há ainda mais duas fontes no Pentateuco: a Deuteronomista (‘D’) e a Sacerdotal (‘S’). – "S", na verdade, é conhecida entre os estudiosos como fonte ‘P’, de ‘Priestly’: sacerdotal em inglês. Aqui, por uma questão de tradução, usaremos o ‘S’. Estas duas fontes serão abordadas posteriormente.


Fonte:
"A History of God, the 4000 year quest of Judaísm, Cristianity and Islam", 1993 - Karen Armstrong / "Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo", 1999 - idem (Companhia das Letras).



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