terça-feira, 6 de novembro de 2007

Hinduísmo ou Sanatana Dharma

Ganesh, deus da superação de obstáculos, entre outras coisas

O hinduísmo não é apenas uma religião, mas uma cultura. Trata-se de um conjunto de tradições (não somente religiosas) que se originaram na região do Vale do Indo principalmente no subcontinente indiano. O hinduísmo, na verdade, se compõe de uma grande intersecção de valores, filosofias e crenças, derivadas de diferentes povos e culturas, e é uma das mais antigas e elaboradas tradições culturais do mundo. Pode ser chamado de brahmanismo, pois é a cultura que se originou do povo ariano, de cultura brahmácharya (seguidores de Brahma, o Absoluto).

Para compreender o hinduísmo, é fundamental situá-lo historicamente. Por volta de 3000 aC, a Índia era habitada por povos que cultuavam o "Pai do Universo", uma espécie de fé monoteísta. Pouco depois, em 2500 aC, floresceu a civilização dravídica, no vale do rio Indo, região que hoje corresponde ao Paquistão e parte da Índia. Os drávidas eram adeptos de uma filosofia de louvor à natureza, de orientação matriarcal e baseada no princípio da não-violência. Porém, em 1500 aC, os arianos invadiram e dominaram aquela região, reduzindo os antigos drávidas à condição de "párias" - uma espécie de sub-classe social, que até hoje (embora o sistema de castas tenha se tornado oficialmente ilegal na Índia) permanece sendo alvo de forte e muitas vezes declarado preconceito.

Na primeira fase do Hinduísmo, que recebe o nome de Hinduísmo Védico, temos o culto aos deuses tribais. Dyaus, ou Dyaus-Pitar ('Deus do Céu', em sânscrito), era o Deus Supremo, consorte da Mãe Terra. Doador da chuva e da fertilidade, ele gerou todos os outros deuses. O Sol ('Surya'), a Lua ('Chandra') e a Aurora ('Heos') eram os deuses da luz. Divindades menores e locais são as árvores, as pedras, os rios e o fogo. A partir da influência ariana, o simbolismo de Dyaus passou por uma transformação e tornou-se Indra, jovem divindade que rege a guerra, a fertilidade e o firmamento. Indra representa os aspectos benevolentes da tempestade, em contraposição a Rudra, provável precursor do deus Shiva, o destruidor. Também nesse Período surgiram diversas outras divindades, inclusive Asura, representante das forças maléficas.

Na segunda fase do hinduísmo, que recebe o nome de Vedanta (fim dos Vedas) ou hinduísmo bramânico, ocorre a ascensão de Brahma, a divindade que simboliza a Alma Universal e representa a Força Criadora. Neste momento, surge a figura dos brâmanes, que compõem a casta sacerdotal da tradição hindu. Os rituais ganham uma série de componentes mágicos e elaboram-se idéias mais complexas acerca do Universo e da alma, e é nesse momento que surgem os conceitos de reencarnação e transmigração de almas.

O hinduísmo abrange várias crenças, práticas, filosofias e denominações, religiosas ou não. O Sámkhya (que significa número), por exemplo, é uma filosofia especulativa de caráter exato, naturalista. O Yoga é a principal vertente prática deste rico manancial cultural, e originalmente não havia relações com religião alguma. Foi somente por volta de VIII dC, com a grande difusão do Vedanta (filosofia espiritualista) pela Índia, promovida por Shânkara, que o Yoga adquiriu caráter religioso.

Muitos hindus acreditam num Espírito Supremo cósmico, mas o adoram sob muitas formas, representado por deidades individuais, como Vishnu, Shiva e Shakti, e é centrado sobre uma variedade de práticas que são vistas como meios para ajudar o indivíduo a experienciar a divindade.

O hinduísmo, como religião, é a terceira maior do mundo, com aproximadamente um bilhão de adeptos (censo de 2005), dos quais aproximadamente 890 milhões vivem na Índia. Outros países com grande população hindu são o Nepal, Bangladesh, África do Sul, Sri Lanka, Ilhas Maurício, Fiji, Guiana, Indonésia, Malásia, Estados Unidos e o Reino Unido.

A religião hinduísta é considerada uma das mais velhas ainda existentes no mundo. Não possui um único fundador e é baseado em vários textos religiosos desenvolvidos por séculos, que os hindus acreditam conter insights espirituais, e fornecem um guia prático para a vida religiosa. Entre tais textos, os antigos Vedas são normalmente considerados os de maior autoridade. As outras escrituras incluem os dezoito Puranas, e os épicos Mahabharata e Ramayana. O Bhagavad Gita ('Canção do Divino Mestre'), que está contido no grande livro sagrado Mahabharata, é uma doutrina amplamente estudada, que nos dá uma destilação dos princípios básicos dos Vedas. A íntegra do texto pode ser lida aqui.

O termo "hinduísmo" originalmente indicava uma região geográfica. Por esse motivo, alguns grupos indianos mais tradicionalistas defendem que a religião seria mais adequadamente chamada de "Sanatana Dharma", que significa "Religião Eterna".

A teologia do hinduismo se fundamenta no culto aos avatares da divindade suprema, que é Brahma. Particular destaque é dado à Trimurti - trindade constituída por Brahma, Shiva e Vishnu. Na trindade hindu, Brahma é o criador, Vishnu o preservador, e Shiva o destruidor. O trabalho de um não está completo no Universo sem o outro; pois tudo que conhecemos tem um princípio, uma certa continuidade e um fim. Mas apesar disso, o culto direto aos membros da Trimurti é relativamente raro. Em vez disso, costumam-se cultuar avatares mais específicos e próximos da realidade cultural e psicológica dos praticantes, Ganesh, o deus removedor de obstáculos e Krishna, avatar de Vishnu e personagem central do Bhagavad Gita.

Embora se afirme ter sido na cultura hinduísta que tiveram origem três outras importantes religiões - budismo, jainismo e sikhismo - alguns especialistas colocam o jainismo como ainda anterior ao bramanismo, que por sua vez originou o hinduísmo. Segundo esta linha de pensamento, o Budismo guardaria uma relação mais direta com o Jainismo. O Budismo, que na realidade é considerado uma heresia pelo hinduísmo, apesar de não ser rejeitado por ele.

O Yoga, que entra no Hinduísmo graças à célebre obra Yoga Sutras, de Patáñjali Sankhya-Yoga, ou mais precisamente (não tente ler isto de primeira), Sêshwarasámkhya-Brahmácharya Yoga, é uma disciplina naturalista e patriarcal, com uma tendência levemente teísta. É a responsável pelo surgimento do Yoga Clássico e sua adoção pelo hinduísmo. Para ler os Yoga Sutras de Patânjali na íntegra, clique aqui. O estágio anterior é denominado "Yoga Pré-Clássico" e possui características matriarcais e naturalistas. Consta ter surgido entre o povo drávida e ter sido criado por Shiva, que posteriormente entraria como divindade no hinduísmo.

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Essencialmente, o hiduísmo afirma que qualquer prática espiritual realizada com um coração reto diante de Deus, e seguida com fé, amor e persistência levará ao estado final de auto-realização. Portanto, o pensamento hindu encoraja a tolerância pelas diferentes crenças, já que sistemas temporários não podem se declarar como a única compreensão da Verdade Transcendental. Talvez o espírito do hinduísmo possa ser melhor compreendido nos "Rig Veda", uma das mais antigas escrituras religiosas do mundo:

"A verdade é única, embora os sábios a conheçam como muitas." - Rig Veda, Livro I, Hino CLXIV, Verso 46


A terceira fase do hinduísmo: No século 12, a Índia é invadida pelos muçulmanos, e grande parte de sua população é forçada à conversão. Aliás, até essa época, o termo hindu designava qualquer pessoa nascida na Índia - foi a partir do século 13 que ganhou a atual conotação religiosa, tornando-se sinônimo de "nativo não-convertido ao islamismo".

A influência muçulmana se faz sentir dentro da ritualística hindu, pois uma das características marcantes do Hinduísmo é sua capacidade de absorver novos elementos e agregá-los ao seu sistema de crenças. Isso também ocorreu quando, no século 18, o Cristianismo se inseriu no universo indiano, pela influência predominante dos colonizadores franceses.

Este Hinduísmo híbrido também se divide em várias correntes, cujos expoentes são gurus como Sri Ramakrishna (1834-86), Vivekananda (1863-1902) e Sri Aurobindo (1872-1950) - sem dúvida que pretendo voltar a falar de cada um deles. O que essas correntes têm em comum é a preocupação em estender o trabalho espiritual ao âmbito social, por meio do trabalho filantrópico e assistencial.

Também foi por força dessa nova fase que a malfadada organização social da Índia - em sistema de castas - começou a perder o sentido, pois já existia, como existe hoje, um clamor ético por igualdade e solidariedade.

O maior mestre do Hinduísmo moderno é Mahatma Gandhi (1869-1948 - outro assunto que pretendo abordar mais profundamente), conhecido no Ocidente como chefe político, mas venerado na Índia como guru espiritual. "Gandhiji", como era carinhosamente chamado, adepto da Ahimsa (o princípio da não-violência), apregoava a importância do homem exercer perfeito controle sobre si mesmo.

Ainda a crença predominante, o hinduísmo continua influenciando o modo de viver, a ordem social e os princípios éticos e filosóficos na Índia, como percebem os turistas que se embasbacam diariamente diante dos grandes engarrafamentos nas ruas das suas maiores cidades, provocados por alguma vaca sagrada que resolver se deitar preguiçosamente no meio da pista.


Fontes e bibliografia:
Profº J. Maurício Sarinho
Estudenet.com
Site Sanatana Dharma Central


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