quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Judaísmo - parte 2

O desenvolvimento do judaísmo hassídico

O judaísmo hassídico (ou chassídico) foi fundado por Israel ben Eliezer (1700-1760), também conhecido por Ba'al Shem Tov, ou Besht. Os seus discípulos atraíram muitos seguidores, e eles próprios estabeleceram numerosas seitas hassídicas na Europa. O judaísmo hassídico acabou por se transformar no modo de vida de muitos judeus na Europa, e chegou aos Estados Unidos durante as grandes vagas de emigração judaica na década de 1880.

Algum tempo antes, tinha havido um sério cisma entre os judeus hassídicos e não-hassídicos. Os judeus europeus que rejeitavam o movimento hassídico eram chamados pelos "hasidim" ('fiéis') de "mitnagdim", (literalmente 'contrários', 'oponentes'). Alguns dos motivos para a rejeição do judaísmo hassídico: a exibição opressiva da prece hassídica, as suas imputações não tradicionais de que os seus líderes eram infalíveis e alegadamente operavam milagres, a preocupação com a possibilidade de o movimento se transformar numa seita messiânica. Desde então, todas as seitas do judaísmo hassídico foram absorvidas pela corrente principal do judaísmo ortodoxo, e em particular pelo judaísmo ultra-ortodoxo.


O desenvolvimento das seitas judaicas modernas em resposta ao Iluminismo

Como sabemos, nos finais do século XVIII, a Europa foi varrida por um conjunto de movimentos intelectuais, sociais e políticos conhecidos pelo nome de Iluminismo. O judaísmo desenvolveu-se em várias seitas distintas, em resposta a este fenômeno sem precedentes: o judaísmo reformista e o judaísmo liberal, muitas formas de judaísmo ortodoxo e judaísmo conservador e ainda uma certa quantidade de grupos menores.


Ramificações do judaísmo

O Muro Ocidental em Jerusalém é o que resta do Segundo Templo. Nos dois últimos séculos, a comunidade judaica dividiu-se numa série de denominações; cada uma delas tem uma visão diferente sobre os princípios que um judeu deve seguir e como deve viver a sua vida. Apesar das diferenças, existe uma certa unidade nas várias denominações. O judaísmo rabínico, surgido do movimento dos fariseus após a destruição do Segundo Templo, e que aceita a tradição oral além da Torá escrita, é o único que hoje em dia é reconhecido oficialmente como judaísmo, e é comumente dividido nos seguintes movimentos:

# Judaísmo Ortodoxo - considera que a Torá foi escrita por D’us, que a ditou a Moisés, sendo as suas leis imutáveis. Os judeus ortodoxos consideram o "Shulkhan Arukh" (compilação das leis do Talmud do século XVI, pelo rabino Joseph Caro) como a codificação definitiva da lei judaica. O judaísmo ortodoxo exprime-se informalmente através de dois grupos - 1) judaísmo moderno ortodoxo e 2) Judaísmo Haredi, mais conhecido como "judaísmo ultraortodoxo", termo considerado ofensivo pelos seus adeptos.

# Judaísmo Hassídico ou Chassídico - descrito acima, é um subgrupo do judaísmo Haredi.

# Judaísmo Masorti - conhecido nos Estados Unidos por "judaísmo conservador"; desenvolveu-se na Europa e EUA no século XIX, em resultado das mudanças introduzidas pelo Iluminismo e a emancipação dos judeus. Caracteriza-se por um compromisso em seguir as leis e práticas do judaísmo tradicional, como o Shabbat (guardar o sábado) e o Cashrut (conjunto de leis alimentares, o alimento ‘casher’, que representa o encontro do material com o espiritual), uma atitude positiva em relação à cultura moderna e uma aceitação dos métodos rabínicos tradicionais de estudo das escrituras, bem como o recurso a modernas práticas de crítica textual. Considera que o judaísmo não é uma fé estática, mas uma religião que se adapta às novas condições. Para o judaísmo conservador, a Torá foi escrita por profetas inspirados por D’us, mas considera não se tratar de um documento da sua autoria.

# Judaísmo Reformista - constituiu-se na Alemanha, também em resposta ao Iluminismo. Rejeita a visão de que a lei judaica deva ser seguida pelo individuo de forma obrigatória, afirmando a soberania individual sobre o que observar. De início este movimento rejeitou práticas como a circuncisão, dando ênfase aos ensinamentos éticos dos profetas; as orações eram realizadas na língua vernácula. Hoje em dia, algumas congregações reformistas voltaram a usar o hebraico como língua das orações, a circuncisão é obrigatória e a Cashrut, estimulada.

# Judaísmo Reconstrucionista - formou-se entre a década de vinte e quarenta do século XX por Mordecai Kaplan, um rabino inicialmente conservador que mais tarde deu ênfase à reinterpretação do judaísmo em termos contemporâneos. À semelhança do judaísmo reformista não considera que a lei judaica deva ser suprema, mas ao mesmo tempo considera que as práticas individuais devem ser tomadas no contexto do consenso comum.

Para além destes grupos existem ainda os judeus não praticantes ou laicos, que não têm fé religiosa mas ainda assim mantêm culturalmente costumes judaicos, e o judaísmo humanístico, que valoriza mais a cultura e história judaica.

Judeus ortodoxos

Doutrinas do judaísmo

Surgiram variadas formulações das crenças judaicas, a maioria das quais com muito em comum entre si, mas divergentes em vários aspectos. Uma comparação entre várias dessas formulações mostra um elevado grau de tolerância pelas diferentes perspectivas teológicas. Segue um sumário das crenças judaicas.


Monoteísmo

O príncipio básico do judaísmo é a unicidade absoluta de YHWH como D’us e Criador, Onipotente, Onisciente, Onipresente, que influencia todo o universo, que não pode ser limitado. A idolatria, o pecado mais mortal. A afirmação da crença no monoteísmo manifesta-se na profissão de fé judaica conhecida como “Shemá”:

"Shemá Israel A-do-nai Elokenu A-do-nai Ehad...":

“Ouve Israel, A-do-nai é o nosso D'us, A-do-nai é Um. Ouve, atentamente, ó Israel, preste atenção, abre totalmente a tua percepção, silenciando completamente a mente, medita sobre o que estiveres a pronunciar, interioriza e absorve a mensagem de tal forma que se torne parte da tua própria essência... D'us é Um e é Único, e Ele é o nosso D'us.”

Assim, qualquer expressão de politeísmo é fortemente negada pelo judaísmo, assim como é proibido seguir ou oferecer prece à outro que não seja D'us YHWH. Conforme o relacionamento de YHWH com Israel, o judaísmo enfatiza certos aspectos da divindade chamando-o por Títulos diferenciados (próximo post - Nomes de Deus no Judaísmo).

O judaísmo posterior ao exílio no entanto assumiu a existência de uma corte espiritual na qual D’us seria uma espécie de Rei, o qual controlaria seres para execução de sua vontade (anjos). Esta visão era aceita pelos fariseus e passada para o posterior judaísmo rabínico; no entanto era desprezada pelos saduceus.


A Revelação

O judaísmo defende uma relação especial entre D’us e o povo judeu, manifesta através de uma revelação contínua de geração a geração. O judaísmo crê que a Torá é a Revelação Eterna, dada por D’us aos judeus. Os judeus rabinitas e caraítas também aceitam que homens através da história judaica foram inspirados pela Profecia, sendo que muitas destas estão explícitas nos "Neviim" ('Profetas') e nos "Kethuvim" ('Escritos'). O conjunto destas três partes (Torá, Neviin e Kethuvim - Lei, Profetas e Escritos) formam as Escrituras Hebraicas conhecidas como Tanakh.

A profecia dentro do judaísmo não tem o caráter exclusivamente adivinhatório das outras religiões, mas manifesta-se na mensagem da Divindade para com seu povo e o mundo, que poderia assumir o sentido de advertência, julgamento ou revelação quanto à Vontade de D’eus. Esta profecia tem um lugar especial desde o principio do mosaísmo, seguindo pelas diversas escolas de profetas posteriores (que serviam como conselheiros dos reis) e tendo seu auge com a época dos dois reinos. Oficialmente se reconhece que a época dos profetas encerra-se na época do exílio babilônico e do retorno a Judá. No entanto, o judaísmo reconheceu diversos profetas durante a época do Segundo Templo, e durante o posterior período rabínico.

Crianças na sinagoga

Metafísica e vida pós-morte

O entendimento dos conceitos de corpo, alma e espírito no judaísmo varia conforme a época e as diversas seitas judaicas. O Tanakh não faz uma distinção teológica destes, usando o termo que geralmente é traduzido como alma (néfesh) para se referir à vida e o termo geralmente traduzido como espírito (ruach) para se referir a “fôlego”. Deste modo, as interpretações dos diversos grupos são muitas vezes conflitantes, e muitos estudiosos preferem não discorrer sobre o tema.

Assim, como a principal referência da fé judaica (Tanakh), excetuando alguns pontos poéticos e controversos, jamais faz referência à vida além da morte, os saduceus posteriormente rejeitavam estas especulações. Porém, após o exílio em Babilônia, os judeus assimilaram as doutrinas da imortalidade da alma, da ressurreição e do juízo final, que se constituíram importante ensino por parte dos fariseus.

Nas atuais correntes do judaísmo, as afirmações sobre o que acontece após a morte são postulados e não afirmações, e varia-se a interpretação dada ao que ocorre após a morte, e se existe ou não ressurreição. A quase totalidade das correntes crê em uma ressurreição no mundo vindouro ('Olam Habá'), enquanto que uma pequena parcela crê numa espécie de reencarnação, sendo que o sentido do que seja reencarnação varia de acordo com a ramificação e é sempre muito diferente da visão hindu.


Quem é considerado judeu

A lei judaica considera judeu todo aquele que nasceu de mãe judia ou se converteu, de acordo com essa mesma lei, ao judaísmo rabínico. Algumas ramificações como o Reformismo e o Reconstrucionismo aceitam também a linhagem patrilinear, desde que o filho tenha sido criado e educado em meio judaico. Um judeu que deixe de praticar o judaísmo e se transforme num judeu não-praticante continua a ser considerado judeu. Um judeu que não aceite os princípios de fé judaicos e se torne agnóstico ou ateu também continua a ser considerado judeu. No entanto, se um judeu se converte a outra religião ou ainda se afirma "judeu messiânico” (seita evangélica) perde seu lugar como membro da comunidade judaica e transforma-se num apóstata. Segundo a tradição, a sua família e amigos tomam luto por ele, pois para um judeu abandonar a religião é como se morresse (nem sempre isto ocorre, mas a pessoa é tida como alguém não pertencente à comunidade). Essa pessoa, caso pretenda retornar ao judaísmo, não precisa se converter, de acordo com a maior parte das autoridades em lei judaica.

As pessoas que desejam se converter ao judaísmo devem aderir aos princípios e tradições judaicas. Os homens têm de passar pelo ritual do “Brit Milá” (‘circuncisão’). Qualquer convertido tem de passar ainda pelo ritual da “Mikvá” (‘banho ritual’). Os judeus ortodoxos reconhecem apenas conversões feitas por seus tribunais rabínicos, seja em Israel ou em outros locais. As comunidades reformistas e liberais também exigem a adesão aos princípios e tradições judaicos de acordo com os critérios estipulados em cada movimento. Enquanto as conversões autorizadas por tribunais rabínicos ortodoxos são aceitas como válidas por todas as correntes do Judaísmo. Aquelas feitas de acordo com as correntes Reformista ou Conservadora, são aceitas no Estado de Israel e em todas as comunidades judaicas não-ortodoxas no mundo inteiro (mais de 80% dos judeus do planeta), mas rejeitadas pelo movimento ortodoxo.


Fontes e bibliografia:
Profº Gustavo Pamplona
Profº J. Maurício Cavalcanti Sarinho
Rabi Menachem Mendel Schneerson
Comunidade Shemá Israel



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