quinta-feira, 29 de maio de 2008

Kabbalah


Não é possível explicar a Cabala num site da internet. Assim como não seria possível explicá-la num curso de dois dias, num livro ou em qualquer outro lugar. Porque a Cabala (a pronúncia correta é ‘cabalá’) não é uma tradição meramente intelectual ou filosófica. - Toda a literatura disponível sobre os mistérios da Cabala não têm qualquer valor se este conhecimento não for aplicado na vida prática e diária, e assim, se traduzir em real conhecimento/sabedoria.

Segundo a Cabala, o correto entendimento dos códigos presentes na Torá pode nos oferecer todas as ferramentas de que necessitamos para nos aperfeiçoarmos espiritualmente, através do despertar de nossa consciência mais profunda. Mas aonde poderíamos pretender chegar com isso? Bem, é um fato inegável que quase todos os seres humanos comuns trazem dentro de si o desejo, em maior ou menor intensidade, de mudar a realidade ao seu redor, não sendo uma coincidência que muitos busquem a espiritualidade exatamente quando a vida lhes parece menos generosa. Contudo, a grande questão é que o indivíduo espera que, ao adotar o caminho espiritual que lhe parece correto, esse seu sistema de crenças e valores vá permanecer sempre intocável, enquanto a Luz Espiritual vá promover uma limpeza total em sua vida, corrigindo tudo o que está errado. - Isso não faz o menor sentido. As mudanças e a manutenção da nova vida espiritual dependem de nós mesmos e dos nossos atos e atitudes.

É exatamente aí que entram os sistemas espirituais que nos trazem guias de vida práticos, como é o caso da Cabala. A Cabala nos traz explicações metafóricas e analógicas sobre o funcionamento do Universo e das realidades da vida e, como dito, pretensamente nos oferece os meios para transcender as nossas dificuldades e fraquezas humanas e alcançar a plenitude espiritual.

Particularmente, não sou muito dado à “explicações”, no que concerne às realidades transcendentes; em primeiríssimo lugar porque uma das compreensões mais profundas que eu realmente consegui atingir em toda minha jornada foi a de que a única via real para a compreensão das Realidades espirituais superiores é a aceitação do Mistério. Em outras palavras, se você quer realmente entender, pare de tentar entender e apenas aceite o que É! Entender sem entender, esta é a chave. - Paradoxal, sim, como tudo que concerne à Verdade. Desconfio sempre de qualquer ordem ou “mestre” que me traga explicações detalhadas a respeito daquilo que não pode ser explicado. Há uma excelente razão para que não possamos ver e interagir, ao nosso bel prazer, com certas realidades mais elevadas. Tentar "quebrar as regras" da Vida é o pior tipo de trapaça que poderíamos tentar.

Mas entendo que isso não queira dizer que tenhamos que rejeitar radicalmente toda e qualquer visão espiritualista apenas por ser elaborada, em especial no caso de uma escola tão antiga e que deriva diretamente de uma tradição que é raiz de tantas outras grandes tradições. Na Cabala eu encontrei verdadeiras pérolas de sabedoria e ótimas dicas para o auto-aprimoramento e para uma vida espiritual mais centrada. O seu estudo, porém, deve ser feito diligentemente e usando-se sempre de discernimento e muita atenção às nossas consciências, para que se possa separar o trigo do joio que com o tempo foi ali sendo agregado.

Nesta série de postagens, pretendo examinar os princípios essenciais da Cabala sob o ponto de vista de alguns dos mais respeitados cabalistas em todas as épocas. E como acho sempre sensato começar pelo começo, dou início ao nosso estudo com uma análise sobre o que vem a ser a Cabala e seus significados básicos.

A palavra “Cabala” deriva da raiz hebraica ”KBL” = “LeKabbel”, que significa “Recebido”, “Recebimento” ou “Aquilo que se Recebe”. Em outras palavras, refere-se àquilo que não pode ser alcançado apenas por nossos esforços, mas que só pode ser recebido pela Graça Divina. Cabala é uma espécie de "Ciência da Alma", que não pode ser conhecida através da busca puramente mental/intelectual. É um conhecimento interior que tem sido passado de sábio para aluno há muitos séculos. Uma disciplina que se destina a despertar a consciência sobre a essência da Realidade e das coisas deste mundo e da vida.

Quanto à origem histórica da Cabala, este é um tema extremamente controverso, sobre o qual é muito difícil se chegar a um consenso. Diferentes escolas atribuem o seu surgimento a diferentes épocas, mas muitos pesquisadores apontam o século primeiro dC como a época do seu aparecimento enquanto escola espiritualista/filosófica estruturada.

Infelizmente, como costuma acontecer com todo tipo de tradição hermética espiritual que se torna conhecida do grande público, com o passar do tempo houve uma popularização negativa do termo “Cabala”. Hoje, uma multidão de falsos mestres e falsos buscadores se auto-denominam “cabalistas” ou “mestres de Cabala”. Nos últimos anos, com o crescimento da onda esotérica, começaram a pipocar as mais diversas “derivações” da escola original. Basta uma olhada na sessão de “esoterismo” ou “misticismo” de qualquer livraria ou fazer uma breve busca na rede pra dar de cara com termos do tipo “Esoterismo Cabalístico”, “Tarô da Cabala”, “Numerologia Cabalística”, “Astrologia da Cabala”, “Oráculo Cabalístico”, ”Numerologia Cabalística Motivacional" (essa achei ótima), ”Terapia Cabalística”, etc, etc, etc... Dia desses mesmo li um anúncio num folheto: “Dona Fulana, vidente, professora de Cabala, usa seu dom de mediunidade para trazer de volta a pessoa amada em dez dias...” - Lamentável.

A popularização da Cabala trouxe todo tipo de distorção da idéia original...

A verdadeira Cabala diz que quando entramos neste mundo nossos sentidos podem apenas encontrar sua crosta externa. Tocamos a terra com nossos pés, a água e o vento atingem nossa pele, recuamos perante o calor do fogo. Escutamos os sons e ritmos e dançamos. Percebemos formas e cores. Logo começamos a medir, a pesar e a descrever coisas com precisão. Como cientistas, registramos o comportamento dos compostos químicos, das plantas, animais e seres humanos. Nós os gravamos em vídeo, observamos sob o microscópio, criamos modelos matemáticos, enchemos supercomputadores com dados a seu respeito. De nossas observações, aprendemos a domar nosso ambiente com invenções e engenhocas, e então nos damos tapinhas nas costas e dizemos: "Isso mesmo, conseguimos".

Mas o fato é que nós mesmos (consciência) residimos em uma camada muito mais profunda. Eis por que não podemos deixar de perguntar: "E sobre a coisa em si mesma? E quanto Aquilo que estava lá antes que medíssemos? O que é matéria, energia, tempo, espaço - como vieram a ser?”...

Explicar nosso mundo sem examinar sua profundeza interior é tão superficial quanto explicar o trabalho de um computador descrevendo apenas as imagens vistas no monitor. Se virmos uma bola movendo-se para cima e para baixo na tela, poderíamos dizer que está ricocheteando contra o fundo da tela? Os dispositivos na sua barra de rolagem exercem alguma força física sobre a página dentro da tela? A barra do menu tem realmente os "menus" ocultos atrás dela?

O autor de um software de uso facilitado seguiu regras consistentes para que você possa trabalhar com ele. Se for um jogo de alguma complexidade, ele precisou determinar um grande conjunto de regras. Mas uma descrição destas regras não é uma explicação válida de como isso funciona. Para isso, precisamos saber ler o seu código, e, mais importante - examinar a descrição de seu conceito original. Precisamos saber como ele avança, passo a passo, de um conceito em sua mente através de um código, até os pontinhos fosforescentes minúsculos na tela, que parecem formar imagens reais.

A Cabala diz que há um Código por trás da realidade que podemos ver, o conceito que instila vida às "equações" e as torna reais. Homens e mulheres abdicaram de sua alimentação, seu conforto, viajaram grandes distâncias e sacrificaram suas próprias vidas para chegar a conhecer estas coisas. Não há uma só cultura neste mundo que não tenha seus ensinamentos para descrevê-las. Nos ensinamentos judaicos, elas são descritas na Cabala.

Segundo a tradição, as verdades da Cabala foram conhecidas por Adam, o primeiro homem. Aquilo que Adam (Adão) apreendeu, nenhuma outra mente pode conceber, mas mesmo assim ele foi capaz de transmitir um vislumbre de seu conhecimento a algumas das grandes almas que dele descenderam, como Hanoch e Metushelach. Foram eles os grandes mestres que ensinaram Noah (Noé), que por sua vez ensinou seus próprios alunos, incluindo Avraham (Abraão). Avraham estudou na academia do filho de Noach, Shem (Melquisedeque?), e enviou seu filho Yitschac para lá estudar, depois dele. Yitschac por sua vez mandou seu filho Yaacov estudar com Shem e com o bisneto de Shem, Ever.

Adam, Noah, Avraham - estes foram pais de toda a humanidade. Segundo a Cabala, esta é a razão por que encontramos alusões às verdades que eles ensinaram, seja onde for que tenha chegado a cultura humana. Mesmo assim, a fonte essencial para a Cabala não é Adam ou Noah ou mesmo Avraham.

A Fonte Essencial da Cabala seria o Evento no Monte Sinai, onde a Essência Primordial do Cosmos foi desnudada para que uma nação inteira a contemplasse. Foi uma experiência que deixou uma marca indelével sobre a psique judaica, moldando por completo nossas idéias e nosso comportamento desde então.

No Sinai, a sabedoria interior tornou-se não mais uma questão de intuição ou revelação particular. Era então um fato que havia penetrado em nosso mundo e se tornado parte da história e da experiência dos mortais comuns.

Eis por que a Cabala não pode ser chamada de apenas filosofia. Uma filosofia é o produto de mentes humanas, algo com que qualquer outra mente humana pode jogar, “espremer” ou “esticar”, aceitar ou negar, segundo os ditames do seu próprio intelecto e intuição, que são subjetivos. Mas Cabala significa: "que é recebida". E recebida não de um professor, apenas, mas do Sinai. Assim que o aluno tenha dominado o caminho deste conhecimento recebido, ele ou ela pode encontrar maneiras de expandi-lo ainda mais, como uma árvore se ramifica a partir de seu tronco. Mas será sempre um crescimento orgânico, jamais tocando a vida e a forma essenciais daquele conhecimento. Os ramos, galhos e folhas irão apenas onde deveriam para aquela árvore em particular - um bordo jamais se tornará um carvalho, e jamais um aluno revelará um segredo que não estivesse oculto nas palavras do seu professor.

Quem somos nós? Por que nascer e morrer? Qual o propósito de nossa existência? É possível vivermos de maneira mais plena e com menos insatisfações? Segundo seus seguidores, esta é a sabedoria da Cabala. E, uma vez que esta sabedoria existe, a próxima pergunta primordial seria: como é que todo este aprendizado poderia influenciar de maneira prática o nosso dia a dia e trazer alegria para nossas vidas? Isto é o que passaremos a estudar a partir do próximo post!..


Fontes e bibliografia
“O Poder de Cura da Cabala”, 2004 - Raphael Kellman (Campus).
Rabino Yehuda Berg
Kabbalah Center
Chabad.Org
Portal da Cabala
Beit Chabad



( comentar (livro compartilhado)