terça-feira, 6 de maio de 2008

O Tao - parte 2

A filosofia taoísta é riquíssima em conhecimentos ancestrais e na mais pura sabedoria oriental. Dicas preciosas para o buscador de qualquer tradição podem ser encontradas ali. Na minha opinião, aos ocidentais é importante que saibam separar joio e trigo, o que é tradição folclórica, que não deve necessariamente ser interpretada ao pé da letra, como o culto aos vários deuses e as artes divinatórias por exemplo, e o que é funcional para nossas vidas, o conhecimento espiritual realmente válido e útil.

O conjunto das artes humanas abrangidas pelo taoísmo engloba a medicina chinesa e a acupuntura, o Feng Shui, as artes marciais e um elaborado conjunto de princípios espirituais, entre outros.

O taoísmo não é, necessariamente, uma religião. Não é Zen, embora tenha havido um contato entre essas duas vertentes filosóficas. Não é limitado aos chineses. E não é um modismo da "Nova Era".

Existem no taoísmo determinados princípios que são constantes em todas as artes taoístas. Compreender esses princípios é fundamental no estudo da sua filosofia. Assim como ocorre com o judaísmo, o hinduísmo e o budismo, tradições extremamente complexas e muito antigas, seria necessário um blog inteiro só para se fazer uma abordagem realmente aprofundada sobre o taoísmo. Como isso não é viável, deixarei aqui um breve resumo tópico desses princípios mais elementares. Seriam eles: o Tao, o Te, o Wu-Wei, o Chi, o Yin/Yang, o Wu Hsing e o Pa Kua.


O Tao (Dao)

Como dito no post anterior, o ideograma correspondente ao Tao pode ser entendido, a grosso modo, como "Caminho", tanto no sentido literal de estrada ou rua como no sentido filosófico de caminhada ou senda espiritual.

O Tao, propriamente dito, enquanto expressão da Verdade, não pode ser compreendido pela razão ou pela racionalidade. Esse conceito transcende nosso intelecto, tendo sido por isso chamado simplesmente de "Tao" pelo filósofo Lao-Tsé. Esse personagem muito importante no Taoísmo compreendeu o que era o Tao e se esforçou por mostrá-lo da melhor maneira possível aos seus contemporâneos. Para isso tinha que cunhar um termo que pudesse usar para ilustrar o inexplicável, e esse termo foi "Tao".

Como ele não pode ser explicado, "Tao" é um designação genérica para um grande conjunto de conhecimento transcendental. Como Lao-Tsé explica no primeiro capítulo da sua obra “Tao-Te-Ching”:

“O Tao que pode ser expresso não é o Tao verdadeiro”

O retorno ao Tao e a sua compreensão intuitiva e definitiva, é o objetivo número um do taoísmo e todas as suas artes e escritos convergem para esse fim. Seria o equivalente taoísta à Iluminação budista.


Te (Te)

Literalmente, podemos traduzir Te como "virtude". Muitos autores buscam nessa expressão um conteúdo moral, com regras de conduta. Mas o significado real não é bem esse. O Te expressa a virtude natural que o ser humano atinge ao se tornar uno com o Caminho. É uma conduta que flui naturalmente, sem preceitos reguladores criados pelo homem.

Quando estamos perfeitamente mergulhados no Caminho, na sabedoria transcendente, ser virtuoso é viver de maneira simples, seguindo o curso natural da vida. O verdadeiro Te, a verdadeira Virtude, deve nascer no coração, de forma espontânea, fruto da compreensão do Universo proporcionado pela Comunhão com o Caminho.


Wu-Wei (Wuwei)

Esse é outro princípio difícil de definir. Um conceito muito complicado e talvez o que provoque maior polêmica entre os seguidores das outras tradições. À rigor, Wu-Wei significa "não-ação". Isso é tomado por muitos estudiosos ocidentais como ociosidade, uma espécie de apologia à preguiça e à inação. Inclusive figuram em vários livros de filosofia a premissa de que os taoístas eram indolentes que esperavam as coisas acontecerem.

A idéia do Wu-Wei é uma ação dentro da não-ação, ou seja, é preciso ficar atento para o curso dos acontecimentos de modo a usufruir da sua correnteza com o mínimo esforço. Seríamos todos como tripulantes em barcos frágeis, descendo uma corredeira que é a própria vida. Temos que ficar atentos aos obstáculos e lugares bons para ancoragem. Mas não podemos remar contra a correnteza, sob pena de destruirmos nossos barcos. Esse é o princípio do Wu-Wei: obter o máximo de benefícios da vida com o menor dos esforços.

Esse princípio criou uma situação interessante nas artes taoístas, onde todas buscam realizar o menor esforço possível. As artes plásticas ilustram bem essa idéia com as figuras dos Imortais, sábios que lograram atingir o Tao e manifestar o Te. Todas essas ilustrações trazem pessoas sorridentes e alegres, gordas e felizes, cantando, dançando ou se entretendo. Isso está em forte contraste com as efígies de praticamente todas as outras filosofias, quase sempre compenetradas e sérias.

Viver segundo o Wu-Wei significa também viver o agora e prestar atenção nas oportunidades que surgem a todo instante. Esse princípio é fortemente ilustrado pelas artes marciais de cunho taoísta, especializados em torções e chaves eficientes e no uso correto do Chi, energia universal que circula em nossos corpos. O Tai Chi Chuan e o Aikidô são exemplos claros da aplicação desses princípios, tendo o máximo de efetividade com o mínimo esforço. Uma parte desse princípio provavelmente foi incorporado pelo Zen Budismo através da preocupação com a transitoriedade das coisas e do princípio de "viver intensamente o presente". Cada momento é único e deve ser saboreado e vivenciado como se não existisse nada mais. Isso faz parte do agir sem agir do Wu-Wei.


Chi (Qi)

Conhecido desde o princípio dos tempos, o Chi desde os primórdios fascinou o homem. Todos os povos e culturas da Terra sempre souberam haver uma espécie de "Força" invisível atuando na Natureza. Acabaram por prestar reverência ao raio, ao fogo, à água, aos animais e a tudo o que não podiam dominar ou compreender exatamente. Essa crença, longe de ser a idolatria como muitos imaginam, estava fundamentada numa profunda reverência ao grande Mistério por trás da existência. Mistério que se manifesta na própria Energia Fundamental que nos mantém vivos.

Conceito dificílimo de explicar, o Chi seria, falando de maneira muito simplificada, a energia primordial que mantêm os átomos unidos, as partículas invisíveis fundamentais que constituem os nossos corpos e todo o mundo físico em constante harmonia e atividade. Sem ele, não haveria vida.

Bruce Lee, ainda muito jovem, praticando o Chi Kung (aprendeu bem...)

A tradução literal mais aceita para Chi é "sopro". A imagem apresentada pelo seu ideograma é a de grãos de arroz cozinhando ou fermentando em um pote ou chaleira que emite uma espécie de vapor que entra em alguma coisa. Esse "vapor" penetra todas as coisas, portanto, tudo é formado por Chi e se manifesta através dele. Com base nesse pensamento, os taoístas chineses elaboraram técnicas avançadas como o Chi Kung ou Ki Gong, técnica que pode aumentar a captação do Chi e manipulá-lo de diversas maneiras, podendo ser utilizado nas mais variadas artes como a Acupuntura, Feng Shui e as Artes Marciais. Você já assistiu a uma exibição de kung fu onde um praticante entorta grossas lanças de ferro no pescoço um em alguma outra parte sensível do corpo sem sofrer nenhum arranhão? Esta é uma demonstração de Chi Kung, e segundo os taoístas, uma demonstração da capacidade do praticante de controlar seu próprio Chi.


Yin/Yang (Yin Yang)

Essa dualidade de forças é bastante conhecida, ou parece ser. Existem incontáveis trabalhos na internete ou nas livrarias rotulando quase todas as coisas do universo em Yin ou Yang. Mas nem tudo funciona assim. Os conceitos de Yin e Yang são relativos, isto é, dependem de seu referencial. Algo pode ser Yin em relação a X e Yang em relação a Y. Como a água, por exemplo: ela é Yin ou Yang? Em relação ao gelo é Yang mas em relação ao vapor, é Yin.

O que temos que ter sempre em mente é que elas são complementares e não-excludentes, ou seja, onde existe uma necessariamente existe a outra. Yang simboliza forças expansivas, luminosas, quentes, e o Yin simboliza as forças contrativas, obscuras, frias.


Wu Hsing (Wu Xing)

Wu Hsing quer dizer "Os Cinco Movimentos", e constituem uma das bases da filosofia taoísta. Este conceito é mais conhecido popularmente como "Cinco Elementos", embora essa denominação esteja incorreta. Os primeiros ocidentais que tomaram conhecimento deste conceito o compararam com os quatro elementos primordiais dos alquimistas europeus, que julgavam todas as coisas formadas por uma combinação de terra, ar, água e madeira. Na verdade, o Wu Hsing trata de interações energéticas e suas mutações, simbolizando as mudanças sofridas pelo Chi em diversos momentos.

Para o Tao, quase tudo que existe no Universo pode ser classificado dentro de um tipo de movimento, pois o Chi não permanece nunca parado, por isso chamam-se movimentos e não elementos. Os Cinco Movimentos são madeira, metal, fogo, água e terra. Cada um deles expõe uma maneira do Chi se manifestar. Cada elemento pode interagir com os demais segundo duas maneiras principais: o Ciclo de Criação e o Ciclo de Controle. O Ciclo de Criação consiste, por exemplo, na madeira gerando fogo, quando é queimado, ou na água gerando madeira, porque sem ela as raízes não poderia sobreviver a a árvore (madeira) morreria. Um exemplo de manifestação do Ciclo de Controle seria a água controlando o fogo, já que ela o apaga, ou o metal controlando a madeira, porque pode cortá-la.


Pa Kua (Ba Guá)


“Pa” em chinês significa "oito" e “Kua” é um tipo de desenho, que no caso do I Ching, que é parte do conjunto de artes do taoísmo, pode ser "Trigrama" ou "Hexagrama". Esse desenho, que existe em duas versões principais (Céu Anterior e Céu Posterior) representa "circuitos" energéticos definidos segundo a interação das energias Yin e Yang e admite diversas interpretações. Um estudo mais aprofundado exigiria uma abordagem do I Ching, a ser realizada pelo Arte das artes num futuro próximo.

Hoje é moda falar em "Feng Shui", e muitas vezes se vê em revistas ou livros a utilização de um octógono nos "cantinhos" da casa a serem melhorados, chamando-o de Ba-Guá. A verdade é que o Ba-Guá é o conjunto dos oito trigramas dispostos em uma forma determinada. Se não tiver os trigramas, não é Ba-Guá. - Trata-se simplesmente de um desenho geométrico de oito lados, um "octógono".

***

"A bondade sublime é como a água. A água, na sua bondade, beneficia os dez mil seres sem preferência. Permanece nos lugares desprezados pelos outros, por isso assemelha-se ao Caminho. Vivam com bondade na terra; pensem com bondade, como um lago. Convivam com bondade, como irmãos. Falem com a bondade de quem tem palavra. Governem com a bondade de quem tem ordem. Realizem com a bondade de quem é capaz. Ajam com bondade todo o tempo. Não disputem, assim não haverá rivalidade" - Tao Te Ching, capítulo 8


Fontes e referência:
Profº Gilberto Antônio Silva
Taoísmo.Org
Longevidade.Net
Grupo Artes Taoístas
Sociedade Taoísta do Brasil



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