sexta-feira, 13 de junho de 2008

Princípio essencial da Kabbalah #2

"Existem duas realidades básicas: o nosso mundo, que representa 1% de escuridão, e o âmbito de 99% de Luz."

Para que possamos entender este segundo princípio essencial, é preciso conhecer primeiro a concepção das origens da vida e do Universo segundo a Cabala: Segundo essa concepção, no começo só havia o UNO, só havia o Eterno, que é pura LUZ em plenitude e perfeição absolutas. LUZ que é a Fonte da Energia infinita. LUZ que hoje chamamos DEUS...

“Deus é luz, e não há nEle treva alguma." - I João, 1:5

Conforme visto no post de introdução aos nossos estudos, a Cabala nos diz que o desejo é a principal essência dos seres humanos, a matéria-prima de que somos feitos. O desejo é o que motiva toda a expressão humana, sejam artes, literatura, música, ciências... Isso posto, para que possamos entrar no estudo deste segundo princípio essencial, é importante ainda que conheçamos outro dos mais importantes conceitos cabalistas: a Lei das 3 Colunas, que é a explicação da Cabala para as polaridades de energia que existem em todo os elementos do Universo. A Lei das 3 Colunas se define da seguinte maneira:

# A Coluna Direita é a Energia de Compartilhar do Criador;
# A Coluna Esquerda é a Energia de Receber do Receptor;
# A Coluna Central é a Força da Restrição, como o filamento em uma lâmpada, que é importante porque intermedia o fluxo entre as 2 polaridades.

Esse conceito cabalístico se aplica, como exposto, em todas as manifestações conhecidas. Por exemplo, no mundo sub-atômico:

Coluna Direita = próton;
Coluna Esquerda = elétron;
Coluna Central = nêutron.

No bulbo de uma lâmpada:

Coluna Direita = pólo positivo;
Coluna Esquerda = pólo negativo;
Coluna Central = filamento.

Em termos humanos (o que interessa ao tópico dessa postagem):

Coluna Direita = nosso Desejo de Compartilhar;
Coluna Esquerda = nosso Desejo de Receber Para Si Mesmo;
Coluna Central = nosso Livre Arbítrio, que nos permite resistir ao desejo egoísta e transformá-lo em Desejo de Receber Para Compartilhar.

Então, nos seres humanos, a Coluna Central se manifesta justamente através da transformação do Desejo de Receber para Si Mesmo em Desejo de Receber para Compartilhar. Esta é uma transformação pró-ativa, que acontece quando há o equilíbrio das 3 energias, que nos apresenta o desafio de agir como Luz e como Receptor ao mesmo tempo.

Se você está realmente interessado em aprender sobre a Cabala e os seus fundamentos, procure guardar as informações que foram transmitidas até aqui. Porque, conforme prometido, no momento oportuno, esta série de postagens vai se debruçar sobre uma questão básica: se somos os nossos desejos, como podemos transformar os nossos desejos negativos, mesquinhos e egoístas em desejos realmente bons e produtivos, que nos levem ao crescimento espiritual e ao auto-aprimoramento? Por hora, agora que adquirimos uma noção do que significa a Lei das 3 Colunas, estamos capacitados a penetrar no tema desta postagem em si, que é o segundo princípio essencial da Cabala: “Existem duas realidades básicas: o nosso mundo, que representa 1% de escuridão e o âmbito de 99% de Luz.”

Fato: A Cabala já se utilizava, há muitos séculos, de uma explicação para a origem do nosso Universo físico baseada numa grande explosão, com detalhes muito similares aos da teoria do Big Bang preconizada pelos físicos atuais!

Acontece que, de acordo com a Cabala, antes do Big Bang físico ocorreu um “Big Bang espiritual”. – Como exposto no início deste, a Cabala afirma que antes do começo dos tempos havia apenas uma Força Infinita de Energia, a LUZ, e tudo era perfeita hermonia. Mas, para completar a sua Energia de Doação, essa Força de Energia Infinita, a LUZ (DEUS), criou um Receptor. Este Receptor não era um entidade física, mas sim uma força, uma essência inteligente. Surgiu assim o binômio fundamental da Existência:

Criador e Receptor. Causa e Efeito. Dar e receber.

E assim surgiu, no Receptor, o desejo (aí está ele) de "merecer" a Energia que recebia, de ser a causa da sua própria satisfação, e não mais somente recebê-la da Luz. - Como já deve ter ficado claro, se "Luz" é a metáfora cabalista para Deus, o Criador, "Receptor" é o termo usado para nos identificar. - O ato do Receptor, de receber algo pelo que não "trabalhou" ou que não fez por merecer, os cabalistas chamaram de "Pão da Vergonha”. Desarmonia semelhante, segundo comparação do rabino Yehuda Berg, ao sentimento de um homem de 30 anos de idade que nunca trabalhou na vida e que continua morando com seus pais, sendo sustentado por eles. Este homem, se tiver hombridade, provavelmente se sentirá desconfortável pelo fato de estar sendo mantido confortavelmente, como se fosse um inválido, sem fazer nenhum esforço para ajudar no sustento da casa. Estamos falando de um certo constrangimento natural por se sentir como um “peso morto”, alguém que não contribui em nada com a manutenção do lar em que vive. Esta é uma analogia imperfeita para tentar definir o que significa o “Pão da Vergonha”.

Então, para eliminar o Pão da Vergonha, o Receptor parou de receber a Luz, e resistiu. Neste momento a Luz se retirou e criou um certo espaço vazio, um ponto único de escuridão dentro do Mundo Infinito de Luz, que era tudo que havia inicialmente. O Infinito tinha dado vida ao finito. A Luz deu ao Receptor o tempo e o espaço, que constituem o nosso mundo, o nosso Universo físico, para que ele pudesse trabalhar e "fazer por merecer" a Energia de que necessita. Este ponto finito é o que a Cabala chama de "Mundo do 1%". A infinita e eterna realidade da LUZ divina é o que a Cabala chama de "Mundo dos 99%". Aí está a exposição do significado do segundo princípio essencial da Cabala.

Ilustração esquemática da teoria do "Big Bang" (clique para ampliar)

Mais: A seqüência que engloba os 72 Nomes Sagrados de Deus no judaísmo é derivada de 3 versos no livro de Êxodo que descreve a abertura do Mar Vermelho (capítulo 14, versos 19, 20 e 21). Cada um destes 3 versos contém 72 letras. Mais uma vez o aspecto do número 3, demonstrando o sistema das 3 Colunas. O 3 denota o potencial de transformação e unificação das 2 polaridades onde o espiritual governa o físico e a mente governa a matéria.

Nosso caminho é salpicado de testes e tribulações. A Cabala diz que esses desafios surgem para nos fazer despertar, mostrar as nossas fragilidades e nos habilitar para receber a Luz do Criador.


Fontes e referência:
Kabbalah Centre;
Imagick.Org.



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sexta-feira, 6 de junho de 2008

Princípio essencial da Kabbalah #1



O primeiro princípio essencial da Cabala, ensinado pelo rabino Yehuda Berg (do Internacional Kabbalah Centre), me agrada muitíssimo. Na minha opinião, trata-se de um princípio perfeito, irretocável, uma base para o nosso modo de conduta mais do que apenas importante, mas sim necessária a qualquer buscador que pretenda iniciar a sua jornada espiritual pessoal de maneira autêntica, saudável e produtiva. Se você analisar as postagens da primeira fase deste blog, vai perceber que, desde o começo da minha própria busca, eu sempre procurei me pautar por este princípio essencial, mesmo quando não conhecia absolutamente nada a respeito da Cabala ou do misticismo judaico. O primeiro princípio essencial é:

"Não Acredite Numa Única Palavra do Que Aprender nos Seus estudos. Teste as Lições Aprendidas."

À primeira vista nos parece muito fácil concordar e até entender que o primeiro princípio essencial da Cabala seja verdadeiro, sensato, correto... Porém, bem mais complicado é aplicar este mesmo princípio no nosso dia-a-dia e em nossas vidas práticas. Isso porque vivemos, todo o tempo, cada um de nós, sofrendo e reagindo às pressões do nosso ego, das nossas famílias e da sociedade em que vivemos; além de estarmos sujeitos às nossas próprias limitações e fraquezas e às muitas tentações do mundo e dos nossos desejos auto-destrutivos. Nesse processo, muitas vezes, a busca pela Verdade acaba sendo deixada de lado...

Tentações e dificuldades nunca param de se multiplicar...

Quantas vezes, em sua busca espiritual, você quis acreditar naquilo que lhe pareceu mais fácil, mais confortável ou mesmo mais "lógico"? Quantas vezes você se apegou a um determinado sistema de crenças apenas por ele lhe trazer consolo, deixando para segundo plano a questão (primordial) de ser este sistema verdadeiro ou não? E quantos são aqueles que, depois de optar por um determinado sistema de crenças, apenas porque este lhes trouxe "respostas" (verdadeiras ou não, parece não importar muito), acabam por se apegar totalmente a ele, esquecendo-se por completo da busca desapegada que primeiro os movia? E aí, depois desse ponto, passam a defender ferrenhamente a sua permanência nessa zona de conforto, usando para isso todo tipo de argumento disponível? Assim, são capazes de se utilizar de toda sorte de argumentos e elucubrações lógicas para justificar suas escolhas, mesmo sabendo que nem sempre a lógica é capaz de traduzir as realidades mais profundas do espírito. - Mas quando a lógica falha, nesse intento, com que rapidez se livram dela, apelando então para a "metafísica" ou para qualquer outra coisa que lhes justifique não abrir mão das crenças das quais se tornaram dependentes; porque estas crenças agora lhes sustentam, passaram a significar o "chão" em que pisam e proporcionam uma falsa sensação de segurança. Tudo por medo do despertar. Tudo por medo de enxergar a verdadeira Luz.

Você conhece ou já conheceu um ser humano para o qual se tornou mais importante a defesa da sua posição em sua zona de conforto do que a Verdade, que nesse processo vicioso foi deixada para segundo, terceiro ou quarto plano? Pois bem. Sem dúvida é muito mais fácil acreditar em algo, acreditar nas "lições" que os muitos "mestres" deste mundo nos trazem, simplesmente e sem questionamentos, do que testar essas lições. Principalmente é mais fácil acreditar nas lições mais confortáveis, as mais atrativas. Que são as mais fáceis de seguir. - Caminho largo, espaçoso, por onde entram multidões. - Já o Caminho Estreito, o proposto pelo Cristo, esse é um pouco mais difícil, até porque deve ser testado e retificado todo o tempo. E pra quê ter trabalho construindo meu próprio caminho, fazendo testes e ajustes incessantemente, se eu posso "comprar" e seguir um modelo pronto qualquer?..

"Não acredite numa única palavra do que aprender nos seus estudos; teste as lições aprendidas", diz o princípio número um da Cabala. Mas quantas vezes você já ouviu alguém repetir a famigerada frase, referindo-se à opção religiosa/espiritual de cada um: "A pessoa tem que ir aonde se sente bem..."?

Será que essas visões do Caminho a ser seguido são compatíveis? Para ilustrar a idéia, vou deixar aqui uma confissão pública: ao longo da minha vida, eu já experimentei alguns tipos de drogas, e drogas "pesadas" até. - E posso afirmar que essas experiências, na maior parte das vezes, me pareceram "boas". Ou seja, eu "me sentia bem" quando me drogava, quando entorpecia minha consciência e envenenava meu corpo e minha alma. - Mas, depois de algum tempo, depois que eu comecei a perder amigos (literalmente) por causa do uso indiscriminado de tais substâncias, me foi dado perceber que o prazer que eu estava sentindo não compensaria a degradação da minha consciência, a perda da minha acuidade mental, da minha saúde e até, em última instância, da minha própria vida. Por isso, eu achei melhor abandonar aquele caminho, mesmo que me "sentisse bem" nele. Eu, felizmente (Graças a Deus!), percebi a tempo que aquele caminho era um equívoco! Percebi que o fato de me "sentir bem" por estar numa determinada direção não poderia servir como confirmação daquele caminho como bom.

O mesmo deve ocorrer na busca espiritual. - O meu exemplo pode ter parecido drástico, mas a escolha equivocada de um caminho de vida sem nenhuma dúvida é algo ainda mais drástico! Porque, embora na maior parte das vezes não nos apercebamos, essa é a escolha mais importante que temos que fazer em toda a nossa vida! Não pode haver nada mais importante nem mais sério, porque tudo o mais vai depender disso, direta ou indiretamente. Principalmente, se temos fé de fato, entendemos que também a qualidade do "continuum" de nossas consciências, numa eternidade bem próxima, está diretamente relacionada a essa escolha!

Obviamente não estou falando de formas ou de religião, mas de Consciência, do modo de vida e do "caminho interior" a ser seguido pelo indivíduo. Eu sei que essas questões podem não parecer tão urgentes agora, mas procure experimentar este exercício mental muito simples: imagine-se sabendo que iria morrer amanhã ou daqui a uma hora! Imagino que, nesse caso, essa escolha iria parecer muito mais importante...


Mas... E se a Verdade se apresentasse a você, diretamente, mas num primeiro momento não se parecesse com o que você imaginava? E se a Verdade não fosse tão fácil ou tão agradável e reconfortante quanto você gostaria? Você teria coragem de aceitá-la? Teria coragem de segui-la, de tentar aprender com ela? Ou preferiria continuar seguindo a sua vida tranqüila de sempre, acalentando o seu sistema de crenças já "montado", fácil e tranqüilo, como sempre? Em outras palavras, você gostaria mesmo de sair da "Matrix"?

Naquele filme antológico, quando "Neo" (o “novo homem”), se vê diante da possibilidade de escolher entre a pílula vermelha e a azul, escolher entre a Verdade (e a liberdade) ou a ilusão (e o descanso), o tempo parece parar. Morpheus, personagem que simboliza o Mestre, o Guia que nos faz ver o Caminho, adverte a Neo que a Verdade poderia não ser aquilo que ele esperava, poderia não ser agradável, num primeiro momento. Neo escolhe a vermelha e acaba por descobrir que essa escolha lhe traria mais dificuldades e sacrifícios do que alegrias, ao menos numa primeira etapa. Isso porque ele já estava, há muito tempo, acostumado com os pequenos prazeres anestésicos e com as facilidades da estagnação da vida fácil e sem maiores responsabilidades do mundo ilusório da Matrix.

Então Neo reúne coragem para enfrentar a grande revelação da Verdade. E só depois do difícil choque inicial, só depois de finalmente aceitar a realidade como ela é, com todas as suas dificuldades, e se dedicar a todo o treinamento necessário, ele finalmente se torna apto a enfrentar de peito aberto os agentes da Matrix. E só assim, finalmente, alcança a Vitória. - E se torna o "Novo Homem" (como ele finalmente se assume e se define no combate contra o agente Smith - 'Meu nome é Neo'); como disse o Cristo, o homem livre, capaz de realizar o impossível; capaz de realizar as mesmas coisas que ele mesmo realizou, e até maiores! Mover montanhas, ou...


Mas será que este "não acreditar em nada do que aprender" significa que devemos nos livrar da fé? Absolutamente não! A fé é uma das ferramentas mais importantes de que dispomos para que possamos encontrar (isto é, enxergar) o Caminho a ser seguido. Este princípio essencial significa, isto sim, que devemos ter fé naquilo que é real, e não em qualquer coisa que, de cara, nos agrade ou pareça real.

***

Faça você também a sua escolha. A Verdade ou a ilusão. A Liberdade ou o descanso... Como encontrar a Verdade? Não se preocupe, porque isso você vai saber... Porque dentro de você, lá no mais profundo do seu ser, você já está dotado(a) de uma espécie muito sutil de "alarme", que é infalível; um alarme que com o passar da História se tornou conhecido como “Consciência”. É essa ferramenta maravilhosa que poderá lhe conduzir, infalivelmente, nesse caminho acidentado e nessa aventura incomparável que nos espera a todos. Basta ser sério(a) e estar muito atento(a). Ou "vigiar e orar". - Estamos falando de nossas tentativas individuais de enxergar um Caminho que já está diante de nós.

Seja muito bem vindo, e boa aventura pra você!


“Você deseja conhecer a Verdade? A verdade é que você é um escravo, Neo. Como todo mundo, você nasceu num cativeiro; um cativeiro que não consegue sentir ou tocar; uma prisão para sua mente. Infelizmente, não posso lhe dizer o que é a Matrix; é preciso que você a experimente por si mesmo... Se tomar a pílula azul, a história acaba, e você acordará acreditando no que quiser acreditar. Se tomar a pílula vermelha, eu lhe mostrarei até onde vai a 'toca do coelho'... Mas lembre-se: tudo que ofereço é a Verdade, nada mais." - Morpheus, em "The Matrix"


"Nunca libertamos uma mente após ela atingir certa idade, pois a mente tem problemas em se adaptar.” - Idem


“A ignorância é uma benção...” – Cypher (de ‘Lúcypher’) em "The Matrix"


“Não acrediteis em coisa alguma apenas por ouvir dizer. Não acrediteis na fé das tradições só porque foram transmitidas por longas gerações. Não acrediteis em coisa alguma só porque é dita e repetida por muitos. Não acrediteis em coisa alguma pelo fato de vos mostrarem o testemunho escrito de algum sábio antigo. Não acrediteis em coisa alguma só porque as probabilidades a favorecem ou porque um longo hábito vos leva a tê-la como verdadeira. Não acrediteis no que imaginastes, pensando que um ser superior a revelou. Não acrediteis em coisa alguma com base na autoridade de mestres e sacerdotes. Aquilo, porém que se enquadrar na vossa razão, e depois de minucioso estudo for confirmado pela vossa própria experiência, conduzindo ao vosso próprio bem e ao de todas as outras coisas vivas, a isso aceitai como Verdade. E daí pautai a vossa conduta! ” - Sidarta Gautama, o Buda – no Kalama Sutra 17:49


“Ponham à prova todas as coisas, e fiquem com o que é bom.” - Paulo apóstolo, na sua primeira carta aos Tessalonicenses, Capítulo 5, verso 21


"Não acredite numa Única palavra do que aprender nos seus estudos. Teste as lições aprendidas." - Primeiro princípio essencial da Cabala


Referência e bibliografia:
Kabbalah Centre;
"O Poder da Cabala", - Rabino Yehuda Berg (Imago).



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Kabbalah - parte 2

Introdução ao estudo

Antes de iniciar o nosso estudo da Cabala, que será feito através da apresentação dos seus 14 princípios essenciais, gostaria de deixar aqui um lembrete importante: todo estudante de Ciência da Religião deve conhecer todos os aspectos da espiritualidade humana. O objetivo das postagens neste blog é o estudo, e não a pregação do que está sendo estudado. E antes, ainda, de adentrarmos os seus princípios essenciais, é necessário conhecermos um pouco mais dos fundamentos, significados, propósitos e história da Cabala, para que possamos estabelecer nossos próprios parâmetros a respeito dessa tradição milenar.

Página do "Zohar"

"Somos nossos desejos"

A primeira coisa que devemos saber a respeito da Cabala é que, de acordo com ela, todo ser humano é, em essência, aquilo que ele deseja.

Segundo a Cabala, o desejo é a energia que move e define o ser humano. Somos feitos dos nossos desejos. E antes de pensar “não, eu não concordo”, pare e pense um pouco sobre essas duas questões: 1) Qual o seu maior desejo? 2) De que maneiras você poderia definir a sua existência neste planeta?

As duas respostas estão intimamente relacionadas? Se a resposta for positiva, isso não surpreenderia um estudante da Cabala. Tomemos alguns exemplos:

Alguém que deseja, mais do que tudo, o bem do seu próximo. Temos aí um ativista social, alguém que participa de obras assistenciais ou um administrador de alguma entidade filantrópica, seja de apoio às crianças de rua ou aos velhinhos desamparados. Essas pessoas, se realmente quiserem dedicar suas vidas à prática do bem, acabam sempre conseguindo. Conheço a história fantástica de uma senhora que se pôs a adotar crianças órfãs e acabou se tornando “mãe” de mais de sessenta crianças abandonadas, e mesmo sem uma fonte de renda que lhe permitisse abraçar uma obra de tal magnitude, conseguiu o empréstimo de uma casa grande para acolher os menores e consegue se manter muitíssimo bem, proporcionando alimentação, vestuário, cuidados médicos e estudo a todos os seus filhos adotados, sem nem saber explicar como. Vive de doações e da ajuda humanitária de empresários anônimos, que surgiram na sua vida sem ser procurados, e, quando se pergunta a ela como consegue arcar sozinha com um trabalho tão grande, responde apenas: “Não é trabalho, é prazer. Não sei explicar como tudo isso acontece; a casa, as provisões... só sei que é tudo por obra de Deus”... Ela desejava ser uma mãe para as crianças abandonadas, e foi isso que se tornou. Este é um exemplo entre muitos, extremamente parecidos.

Outros exemplos bem diferentes também podem ser citados: alguém que deseja antes de tudo as posses materiais: essa pessoa é (ou vai se tornar) um empresário, um comerciante ou um "workaholic". Na maioria das vezes, essas pessoas acabam alcançando o sucesso financeiro, porque alguém que ama o dinheiro e empenha toda sua vida e suas melhores energias em obtê-lo (infelizmente algumas vezes a qualquer custo) quase sempre acaba conseguindo, embora isso não seja uma regra geral.

Outro exemplo: o próprio autor deste blog, eu mesmo, que sempre busquei o caminho da espiritualidade, e desejei encontrar a Verdade fundamental da vida. O que me tornei? Um teólogo, um membro atuante na minha comunidade religiosa, o dono de um site que fala de religião, autor de diversas obras (não publicadas) sobre espiritualidade... A conclusão óbvia é: aquilo que sempre desejei moldou a minha vida, fez de mim o que sou hoje, que na verdade é o que eu sempre fui. Alguém que se importa com as questões espirituais. Isto foi definido desde sempre pelos meus desejos. O que estamos querendo analisar aqui é se essa afirmação básica da Cabala faz algum sentido: “Somos o que desejamos”. Somos mesmo o que desejamos? Isto faz sentido para você? Mais adiante estudaremos, dentro deste mesmo tópico, se é possível ou não a alguém que traz desejos muito ruins ou nocivos modificá-los. Tudo a seu tempo...

Claro que um budista ou um membro de alguma religião oriental de caráter transcendente poderia afirmar: “O meu ideal é não ter desejos”. Mas mesmo aí, podemos observar que "não ter desejos" também é um desejo! E, se prestarmos mais atenção, veremos que ninguém consegue, de fato, não ter nenhum desejo. Sim, existem tipos completamente diferentes de desejo, mas todos desejam alguma coisa. Todos anseiam por algo. Tomando este mesmo rumo, observamos que o líder máximo do budismo, o Dalai Lama, já declarou diversas vezes que deseja a libertação do Tibete da dominação chinesa. Sem violência, claro. O próprio fundador do budismo só se tornou o Buda porque desejou encontrar o Caminho da Libertação da alma, mais do que qualquer outra coisa, e nesse propósito fundamentou toda sua vida. Os monges budistas desejam e buscam atingir o Nirvana. Os monges cristãos desejam a União mística com o Cristo, e nele, a União com o Eterno.

Todos desejamos alguma coisa, e, em última análise, poderíamos ser classificados segundo os nossos desejos. Esta é a primeira afirmação central da Cabala.

“É o desejo que abastece toda a experiência humana: a arte, a literatura, a música, a descoberta científica e a revolução política - tudo começa com o acender de um desejo que anseia por ser preenchido. E não há nenhum condutor mais profundo, poderoso ou potencialmente espiritual para a expressão humana que o nosso desejo mais sincero.” - Rabino Yehuda Berg

Outras tradições milenares chegaram às mesmas conclusões:

“Somos nossos desejos mais profundos. Como forem os nossos desejos, assim será a nossa vontade e assim serão os nossos atos. E assim como forem os nossos atos, assim será determinado o nosso destino.” - Upanishad 4:4–5

”Onde estiver o vosso coração, ali estará também o vosso tesouro.” - Matheus, 6:21

Isso dá o que pensar, não é? Bem vindo ao estudo da Cabala. Posso garantir que será assim do começo até o final. E ainda nem começamos a abordar os seus princípios essenciais...


A Cabala e a alma

Em suas abordagens sobre os mais variados temas, a Cabala sempre se refere à alma. Por definição, ela diz que a alma é uma energia cósmica que é parte da Luz infinita de Deus. Mas de onde vem a alma, qual é o seu início? No mundo físico, o início sempre se dá a partir de uma semente biológica, uma célula que pode ser extremamente pequena, mas já contém dentro de si uma força de vida que não é biológica ou física, mas sim espiritual. – Uma idéia bem próxima daquilo que os orientais chamam de “Ki” (Japão) ou “Chi” (China) e que os antigos chamavam de “Mana”. - Portanto, temos que aceitar a existência dos mundos espirituais se quisermos entender a semente extra-física de nossa existência e receber dela a força vital para renovar nossas forças biológicas e reforçar nossa consciência; para vivermos com mais iluminação espiritual e felicidade.

Nossa semente espiritual começa no mundo espiritual. Existem dez "Sefirot", ou seja, dez dimensões para a realidade. Essas 10 dimensões estão entrelaçadas entre 5 mundos distintos. Não é o meu objetivo o aprofundamento nesta parte mais mística e simbólica da Cabala, por se tratar de assunto muito extenso e muito complexo para o espaço. Por hora, é suficiente saber que o primeiro mundo é chamado “Adam Kadmon", isto é, “Homem Primordial”, e está relacionado com a Sefirá "Keter". O Homem Primordial não é o homem como o conhecemos, em manifestação de corpo, e sim a nossa essência espiritual, a força de nossas vidas. Essa essência foi se desenvolvendo de acordo com os mundos, até que no "Mundo de Briá " (‘Mundo da Criação’, relacionado com a Sefirá ‘Biná’) foi criado Adão. Este Adão não é Adam Kadmon, não é a mesma consciência de Adam Kadmon, mas tem a lembrança da semente de seu nascimento espiritual. Este Adão é o da história Bíblica de Adão e Eva no Paraíso, que todos já conhecemos. O que a Cabala nos ensina é que a Bíblia não é um livro de histórias, ao menos integralmente, e sim um código cósmico, uma descrição de realidades espirituais. Adão e Eva eram, na verdade, uma alma só, dividida; não eram pessoas físicas, mas uma inteligência . Quando cometeram o pecado no Paraíso, foram então expulsos. A palavra "expulsão" é percebida como "explosão". Depois dessa explosão, cada parte de Adão criou um ser humano, na maneira de nossa alma, criando o processo da vida da humanidade e o aparecimento de todas as gerações. Por isso cada um de nós, nesse nível de consciência, tem uma parte espiritual de Adão, que representa a consciência coletiva de todos os seres humanos.


Fundamentos e algumas variantes

Conta a Torá que, após ter libertado os judeus da escravidão, Deus entregou a Moisés as Leis que disciplinariam a vida do seu povo. Seguindo a orientação do Senhor, Moisés compilou-as no que se tornaria a própria Torá, a Bíblia dos judeus. No entanto, o que muitos não desconfiavam é que, mais do que um calhamaço de leis, a Torá guardava informações valiosíssimas. Nas entrelinhas das 613 normas descritas no livro, estavam codificados muitos mistérios da Criação do mundo.

Mas além desta versão, de que Moisés recebeu de Deus os ensinamentos da Cabala, existem outras, sobre a sua origem. Uma variante, conforme visto no post anterior, é a que dá conta de que foi Adão o primeiro a ter acesso a essa sabedoria, tendo depois a transmitido aos patriarcas hebreus (Noé, Abraão, Moisés). Outros ainda acreditam que um anjo a teria revelado ao misterioso sacerdote Melquisedeque, que a repassou a Abraão. Muitas lendas e mitos ajudaram a obscurecer os fatos sobre a verdadeira origem desse conhecimento místico. Alguns estudiosos - entre eles o historiador Gershom Scholem, uma das maiores autoridades no assunto no mundo - concordam que o gnosticismo, movimento esotérico-religioso surgido nos primeiros séculos da nossa era, foi um de seus pontos de partida centrais. Os gnósticos eram pessoas que se dedicavam a refletir sobre questões que sempre intrigaram a humanidade: "Quem somos?", "de onde viemos?", "para onde vamos?". Os judeus simpatizantes do pensamento gnóstico se basearam nas escrituras judaicas para criar um sistema de informações e interpretações secretas sobre a origem do Universo, visando justamente responder a essas perguntas.

Nos primeiros séculos, a Cabala era transmitida apenas oralmente, e esse sistema teria sofrido influências de elementos místicos de diversas religiões e filosofias. Dos povos da Caldéia, por exemplo, assimilou conhecimentos em astrologia. Do hinduísmo, algumas linhas cabalísticas adotaram a crença de que as almas reencarnam. Mas, de todas as vertentes do saber ocidental e oriental, foi o neoplatonismo (tópico a ser abordado aqui no Arte das artes), doutrina filosófica criada pelo egípcio Plotino no século 3, que exerceu a maior influência sobre o sistema que se tornaria conhecido como Cabala.

Plotino acreditava que Deus está além da compreensão humana e não possui qualquer representação. Essa idéia casou perfeitamente com a tradição legalista do judaísmo, que enxerga Deus sob uma perspectiva altamente sobre-humana e nem se atreve a nomeá-Lo. O rabino Laibl Wolf, em seu livro "Cabala Prática", de 2003, compara a Luz de Deus a uma lâmpada de brilho tão intenso que, se acendê-la, você corre o risco de ficar cego. Para ele, mesmo cobrindo-a com um pano translúcido, ela ainda será forte a ponto de ferir suas vistas. Somente depois de colocar diversos panos é que se torna possível enxergá-la e compreendê-la, ao menos uma parte dela. Essa metáfora explica bem a constituição do símbolo máximo do conhecimento cabalístico, a "Árvore da Vida".


Popularização e documentação

A Cabala permaneceu restrita ao círculo judaico, tratada como um saber secreto e de elite, durante centenas de anos. Seus ensinamentos só poderiam ser recebidos por aqueles que atingissem o quarto nível de interpretação da Torá. O primeiro estágio (Peshat) era simples. Todos os judeus tinham de passar por ele e aprender as leis que disciplinam seu comportamento social, ético e religioso. O segundo (Remez) mostrava o que havia por trás do significado literal. No terceiro nível (Derush), o iniciado descobria que as informações sobre a criação do mundo estavam escondidas sob metáforas e analogias. E só então estava habilitado a entender o quarto e último nível (Sod), obviamente o mais aprofundado. Todo esse preparo levava muito tempo e, por isso, o seleto grupo de iniciados costumava ser formado por homens com mais de 40 anos.

No século 13, um grupo de cabalistas espanhóis começou a se preocupar com o risco de a tradição se perder e decidiu registrá-la. A publicação do Zohar – “O Livro do Esplendor” (ainda hoje considerado a obra mais importante da Cabala) sinalizava, pela primeira vez, uma tentativa concreta de popularizar esse saber ancestral. Nessa época, o clima na Espanha era favorável ao florescimento da mística judaica. Apesar de boa parte da Europa ser cristã, a Península Ibérica estava sob o domínio dos árabes desde o século 8. "Muçulmanos instalados na atual Espanha conviviam bem com outras culturas e religiões", conta o professor José Alves de Freitas Neto, do Departamento de História da Unicamp. Graças a essa tolerância, a Cabala encontrou um campo fértil para se difundir.

Mas, a partir daí, ainda se passariam 300 anos para que ela começasse a se popularizar. Em 1492, a paz na Península Ibérica foi quebrada e os reis da Espanha expulsaram do país todos que não estivessem dispostos a colaborar com a consolidação de um Estado cristão. Essa nova diáspora reacendeu o risco de não somente a mística, mas toda a tradição judaica se perder com a dispersão do seu povo pelo mundo. Na tentativa de garantir a continuidade da sabedoria, os cabalistas se estabeleceram em um novo centro, na cidade de Safed, em Israel. Lá surgiu uma das figuras mais importantes da Cabala moderna: Isaac Luria.

Inspirado no Zohar, Luria fez uma releitura da sabedoria místico-judaica, criando a Cabala Luriânica, cujos ensinamentos continuam impressionantemente atuais. Seus seguidores acreditam que algumas das descobertas da ciência no século 20 já tinham sido reveladas por Luria 400 anos antes. "Ele já afirmava, no século 16, que o Universo nasceu a partir de um único ponto de luz, que se fragmentou. Apesar da diferença de denominação - os físicos chamam esse ponto de luz de matéria ou energia - é uma explicação bastante semelhante à teoria de criação do Universo conhecida como o ‘Big-Bang’", escreveu o rabino Yehuda Berg, do Kabbalah Centre de Los Angeles.

Para ele, a Cabala também encontrou, antes da psicanálise, a resposta para uma das maiores indagações da humanidade: a razão do sofrimento. De acordo com a sabedoria mística judaica, a dor e a tristeza servem para impedir que o nosso ego cresça a um ponto que impeça o nosso crescimento espiritual.

"Neste momento (quando o ego se inflama), você deixa de praticar atitudes que poderiam ajudar a melhorar o mundo e passa a ter apenas preocupações mesquinhas, como comprar um carro mais legal do que o de seu vizinho" - Rabino Yehuda Berg

Para os cabalistas, esses conhecimentos já existiam na Torá, só que codificados. Tudo o que eles fizeram foi interpretá-los da maneira certa.

"Como o olho físico, que manda uma imagem invertida ao cérebro, a Torá mostra suas histórias de cabeça para baixo. Somente a Cabala pode reverter a imagem e nos apresentar a verdadeira compreensão e o verdadeiro significado espiritual" - Rabino Rav Berg (‘A Torá Segundo a Cabala’)

Uma passagem da escritura judaica, contando que Deus ordenou a morte dos habitantes da nação inimiga Amalek, seria um exemplo de como os ensinamentos precisam de decodificação. "É uma instrução controversa à luz do mandamento 'não matarás'. A Cabala explica essa aparente contradição. O Zohar mostra que a palavra ‘Amalek’ tem o mesmo valor numérico que a palavra em hebraico para ‘Incerteza’", escreveu Rav Berg. Ou seja, para ele, a mensagem de Deus é para que "matemos" as nossas próprias incertezas. Para ler a explanação completa do rabino, clique aqui.


Cabala hoje

Mesmo depois dos ensinamentos cabalísticos terem sido passados para o papel, seu estudo ainda era restrito. "Formou-se um sistema filosófico e místico tão complexo que já não se tornava necessário cuidar para que poucos o penetrassem, pois só poucos estariam mesmo capacitados para isso", diz o verbete "Cabala" do “Dicionário Histórico das Religiões”.

Hoje já não é mais assim. Alguns cabalistas têm se esforçado em traduzir para uma linguagem bem simples os ensinamentos místicos judaicos. O irmãos Berg (Yehuda e Rav) são expoentes desse grupo, que busca mostrar aplicações práticas dessa sabedoria para pessoas comuns enfrentarem os desafios da vida. No livro “Os 72 Nomes de Deus”, Yehuda Berg ensina a usar determinadas combinações de letras hebraicas, que formam os chamados 72 Nomes de Deus, para nos ajudar a solucionar desde os efeitos negativos da inveja alheia sobre nossas vidas até casos complexos como infertilidade.

Essa tradução dos ensinamentos foi um fator decisivo na popularização da Cabala nas últimas décadas. Mas, para os cabalistas, ela já estava prevista. "O Zohar já dizia que 'as portas do conhecimento se abririam', ou seja, que a sabedoria da Cabala se expandiria", diz o Rabino Nathan Silberstein, de São Paulo.

Mas a Cabala não foi a única sabedoria mística a se popularizar no século 21. Para Leandro Karnal, chefe do Departamento de História da Unicamp e mestre em Ciências da Religião, diversos movimentos místicos emergiram nos últimos anos como fruto da insatisfação do homem com a religião, que institucionalizou a fé. "O Padre, o Rabino ou qualquer outro chefe de instituição religiosa passaram a ser 'intermediários' entre o homem e Deus. Aquela comunicação direta descrita nas escrituras sagradas desapareceu", diz ele. Em meio à debandada de fiéis, a mística tem desempenhado papel fundamental: ela aproxima o homem de Deus, de forma menos dogmática e severa. Mas nem todo mundo vê com bons olhos a maneira como alguns pregam essa popularização.

"É preciso tomar cuidado. Uma coisa é você querer que as pessoas tenham acesso à informação e ensinar a elas como fazer isso. Outra é você simplificar esse conhecimento a ponto de gerar interpretações deturpadas ou errôneas. - Rabino Nathan Silberstein.

"Ainda pior, os sábios nos dizem que se alguém simplesmente aceita a Torá
literalmente - lendo-a com uma postura mental religiosa ao invés de se conectar com ela num nível espiritual - a Torá se tornará um veneno"
- Rabino Rav Berg

Num mundo de poucas certezas e muitas falsas promessas de fórmulas mágicas, para algumas pessoas a Cabala tem servido como uma espécie de "bússola". Confiar ou não na direção apontada por ela é, como sempre, uma escolha individual.


Fontes e bibliografia:
Kabbalah Centre;
Profº Shmuel Lemle;
Profª Cristiane Boog;
Superinteressante ed. 214, revisado.



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