segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Origens da religião ocidental - conclusão

Josué diante dos Filhos de Israel - Gustave Doré

Após o Êxodo, muitos profetas vieram e advertiram o povo de Israel que não se esquecessem da promessa que haviam feito a Javé, de torná-lo seu único Deus, seu Elohim; e que em troca, poderiam desfrutar da única e eficaz proteção do “Senhor dos Exércitos” (‘Iahveh Sabaoth’). Estavam avisados de que, se quebrassem essa Aliança, seriam destruídos sem piedade.

Em Josué, livro do AT, descobrimos o que pode ser um texto anterior da celebração dessa Aliança entre Israel e seu Deus. As alianças eram tratados formais, com freqüência usados na política do Oriente Médio para comprometer duas partes. Seguia uma forma estabelecida: o texto do acordo começava apresentando o rei, que era o lado mais poderoso, e então traçava a história das relações entre as duas partes até o presente. Por fim, estabelecia os termos, condições e penalidades que se aplicariam se o acordo fosse ligado. Na aliança do século XIV entra o rei hitita Mursilis II e seu vassalo Duppi Tashed. O rei fazia as seguintes exigências: ”Não recorras a mais ninguém. Teus pais pargaram tributo no Egito; não farás tu isso... (...) De meu amigo serás amigo, e de meu inimigo serás inimigo”. A Bíblia diz que, quando os israelitas chegaram a Canaã e se juntarram a seus parentes, todos os descendentes de Abraão fizeram uma Aliança com Javé. A cerimônia foi conduzida pelos sucessor de Moisés, Josué, que representava Javé. O acordo segue o padrão tradicional: Javé foi apresentado; lembraram-se suas negociações anteriores com Abraão, Isaac e Jacó; depois se relataram os acontecimentos do Êxodo. Por fim, Josué estipulou os termos dos Acordo e exigiu o consentimento formal do povo de Israel reunido:

“Agora pois temei a Javé, e servi-o com sinceridade e verdade; e deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais d’além do rio e no Egito, e servi a Javé. Porém se vos parece mal aos vossos olhos servir a Javé, escolhei hoje a quem sirvais: se os deuses a quem serviram vossos pais, d’além do rio, ou os deuses dos amorreus, em cuja terra habitais; porém eu e a minha casa serviremos a Javé.” - Josué, 24:14-15

Foi dada ao povo tinha uma opção entre Javé e os deuses tradicionais de Canaã. Mas eles não hesitaram. Não havia outro como Javé, nenhuma outra divindade fora tão eficiente em favor de seus adoradores. Sua poderosa intervenção nos assuntos deles demonstrara que além de qualquer dúvida razoável Javé estava a altura da tarefa de ser seu Elohim; só iam adorar a ele, e abandonariam a todos os outros deuses. "Deitai pois agora fora os deuses estranhos que há no meio de vós” exclamou Josué, ”e inclinai o vosso coração a Javé, Deus de Israel” (Josué, 24:24).

Elias e a Carruagem que o arrebata aos Céus - Giuseppi Angeli

Mas a Bíblia mostra que o povo não foi fiel à Aliança. Lembravam-na nos tempos de guerra, quando precisavam da “especializada” proteção militar de Javé, mas em tempos tranquilos, adoravam Baal, Anat e Asherat, à maneira antiga. Embora o culto de Javé fosse fundamentalmente diferente em todas as suas tendências, às vezes expressava-se nos termos do velho paganismo. Os israelitas continuavam a adorar Javé nos antigos santuários que haviam herdado dos cananeus em Beth-El, Shiloh, Hebron, Belém e Dan. Quando o rei Salomão construiu o Templo de Jerusalém, era semelhante aos templos cananeus. Consistia de três áreas quadradas, que culminavam na sala menor, em forma de cubo, conhecida como Santo dos Santos, contendo a Arca da Aliança, o Altar portátil contendo as Tábuas da Lei e que os israelitas carregaram consigo durante os anos no deserto.

Templo começou a ser visto como a réplica da Corte celeste de Javé. Faziam sua festa de ano novo no outono, começando com a cerimônia do bode expiatório no Dia da Expiação, seguido cinco dias depois pelo Festival da Colheita da Festa dos Tabernáculos, que celebrava o início do ano agrícola.

O próprio rei Salomão foi um grande sincretista: teve muitas esposas pagãs, que adoravam seus próprios deuses, e negócios amistosos com os vizinhos pagãos. E sempre havia o perigo de o culto a Javé acabar submerso pelo paganismo popular. O perigo se tornou maior quando, em 869 aC, o rei Ahab ascendeu ao trono do reino de Israel do Norte. Sua esposa, Jezebel, filha do rei de Tiro e Sidônia (hoje Líbano), era uma ardente pagã, decidida a converter o país à religião de Baal. Ahab permaneceu fiel a Javé, mas não tentou conter o proselitismo de Jezebel.

Quando uma severa seca atingiu a terra, no fim de seu reinado, porém, um profeta chamado “Elias” (‘Javé é meu Deus!’) começou a vagar por lá, vestindo uma manta de pêlos e um traje de couro, a fulminar a deslealdade de Ahab. Até que convocou o rei e o povo para uma disputa final no monte Carmelo, entre Javé e Baal.

Ali, na presença de 450 profetas de Baal(!), discursou ao povo: por quanto tempo eles hesitariam? Então pediu que dois touros, um para si e outro para os profetas de Baal, fossem colocados em dois altares. Os dois lados iriam apelar a seus Deuses, para ver qual mandava fogo do céu para consumar o holocausto. “De acordo!”, gritou o povo. Os profetas de Baal eram muito respeitados. Invocaram o nome dele a manhã inteira, executando uma dança de cambaleios em torno do altar, gritando e rasgando-se com espadas e lanças. Mas “não ouve voz, não houve resposta; nenhuma atenção lhes foi dada”.

Então foi a vez de Elias. O povo se concentrou em torno do altar de Javé, enquanto o profeta cavava um fosso em volta do altar e o enchia de água, para torná-lo ainda mais difícil de pegar fogo. Depois clamou por Javé. Imediatamente, grande fogo desabou do céu e consumiu o altar e o touro, levando toda a água do fosso. O povo caiu de face ao chão: “Javé é DEUS!”, gritavam, “Javé é DEUS!”. Elias não foi um vencedor generoso. “Peguem os profetas de Baal!”, ordenou. Nenhum foi poupado: ele os levou para um vale próximo e os massacrou a todos.

Essas chocantes e assustadoras passagens do AT, que soam aos ouvidos modernos tão duras e excessivamente pragmáticas, servem para salientar a mensagem muito posterior de Jesus o Cristo, surgida nessa mesma tradição, trazendo, porém o seu completo paradoxo: Amor e perdão incondicionais.

Esses primeiros acontecimentos (míticos?) revelam que, desde o início, a religião dos israelitas exigia total repressão e negação de outras fés. Após o massacre, Elias subiu ao alto do monte Carmelo e sentou-se em prece, com a cabeça entre os joelhos, mandando seu criado de vez em quando examinar o horizonte. O criado acabou trazendo a notícia de que uma pequena nuvem se erguia sobre o mar ('do tamanho de um punho humano'). Então Elias mandou que ele fosse avisar o rei Ahab que voltasse depressa para casa, antes que a chuva o detivesse. Quase na mesma hora em que falava, o céu escureceu de nuvens negras e a chuva desabou em torrentes. Em Êxtase, Elias cobriu-se com a manta e correu ao lado da carruagem de Ahab. O texto demonstra que, mandando chuva, Javé demonstrava que Baal, o deus da tempestade, era na verdade inútil.

Temendo uma reação conta o massacre dos profetas, Elias escapou para a península do Sinai e refugiou-se no monte onde Deus se revelara para Moisés. Ali passou por uma teofania que manifestou a nova espiritualidade. Recebeu ordem de se abrigar na fenda de um rochedo, para abrigar-se do impacto divino:

"E eis que passava Javé, como também um grande e forte vento que fendia os montes e quebrava as rochas diante da Face de Javé; porém Javé não estava no vento; e depois do vento veio um terremoto. Também Javé não estava no terremoto. E depois do terremoto houve fogo. Mas também Javé não estava no fogo. E depois do fogo uma voz mansa e delicada. E sucedeu que, ouvindo-a, Elias envolveu seu rosto na sua capa.” - I Reis, 19:11-13

Ao contrário das divindades pagãs, Javé não estava em nenhuma das forças da natureza, mas num Reino à parte. Ele é experimentado no tudo mas também no nada. É sentido no quase imperceptível timbre de uma minúscula brisa, no paradoxo entre terremotos e furacões e uma voz suave e mansa. Está e não está, ao mesmo tempo, no estrondo das potências da natureza e num delicado silêncio expressado.


Fontes e bibliografia:
"A History of God, the 4000 year quest of Judaísm, Cristianity and Islam", 1993 - Karen Armstrong / "Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo", 1999 - idem (Companhia das Letras);
"A Social and Religious History of the Jews", 1967 - Salo Wittmeyer Baron (New York Publishing);
"The Biblical Archeologist #25", 1962 - George E Mendenhall (London Publishing);
"The Hebrew Conquest of Palestine", 1962 - Idem (Idem).


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